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Responsabilidade social da empresa – questões atuais

O Artigo da 6º da Constituição Federal em vigor discrimina o rol dos Direitos Sociais, nos seguintes termos: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Esse rol é taxativo, mas alguns desses direitos concretamente englobam outros.

15/8/2007


Responsabilidade social da empresa – Questões atuais

Paulo Cassio Nicolellis*

O Artigo 6º da Constituição Federal em vigor discrimina o rol dos Direitos Sociais, nos seguintes termos: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". Esse rol é taxativo, mas alguns desses direitos concretamente englobam outros. O direito à saúde, por exemplo, alcança o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225 da Lei Maior. O direito à educação, por sua vez, envolve o direito à cultura.

Não obstante ser a relação categórica, o enunciado de cada um desses direitos coletivos é genérico. Por isso, a Constituição Federal, em outros artigos, tratou mais especificamente de cada um deles.

Os Direitos Sociais anunciam o padrão mínimo da qualidade de vida do cidadão, desejado pelo legislador. Compete ao Estado, por si mesmo, ou através de delegações ou mediante autorização, a realização e a consecução desses Direitos Sociais.

De fato, o Estado, ou quem legitimamente o represente, através das receitas que aufere mediante tributação que impõe aos cidadãos, recolhe recursos necessários para prover e programar o bem comum. Isto quer dizer que a comunidade deve ter à sua disposição, por conta do Estado, sistemas eficazes de saúde, de previdência social, de segurança pública, de lazer, de educação, de assistência aos desamparados, de um meio ambiente limpo e preservado, dentre outros.

É evidente que a eficiência, diligência e bom gerenciamento de todos esses sistemas determinarão o padrão de qualidade de vida do cidadão comum.

Todavia, na prática, existe uma dificuldade para se programar o chamado “Governo do Bem Estar”, o walfare state, de modo pleno. O modelo por nós adotado deixa muito a desejar e no mais das vezes as políticas sociais públicas não atingem a todas as camadas da população satisfatoriamente.

O problema é agravado nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Nestes, muitas pessoas, e, em especial, empresas acabam colaborando para a concretização dos direitos sociais já que o Estado não consegue realizá-los e quando o faz resulta inadequadamente.

A força e o poder empresarial aliado à ineficiência do Estado enquanto realizadores do bem comum têm levado parcela considerável de conscientes empresários a redefinir e, pois, redesenhar o seu papel e missão perante a sociedade.

Isso porque a empresa, tal qual a concebemos hoje, não pode mais ser considerada uma mera produtora, ou transformadora, dos bens que disponibiliza e coloca no mercado. É, antes de tudo, um poder em expansão dentro da sociedade moderna. Dela dependem famílias, comunidades e, não raro, os próprios Municípios. A subsistência da maior parte da população ativa do nosso país é provida assim pela empresa moderna. É dela, também, que o Estado obtém significativa parcela – quiçá a quase totalidade – das suas receitas fiscais. Mas não é só. A empresa representa, inegavelmente, uma força sócio-econômico-financeira com enorme potencial de geração de empregos e atividades, prosperidade e desenvolvimento da coletividade.

Decorre, pois, dessas premissas um crescente reconhecimento por parte do empresariado acerca da necessidade de ampliar e aperfeiçoar as suas responsabilidades sociais, substituindo um Estado ineficiente e desorganizado que não desempenha satisfatoriamente o papel que se lhe foi atribuído pela Constituição. A busca incessante do lucro, por si só, não mais atende às necessidades da sociedade. Na economia global a empresa, querendo ou não, transformou-se em uma espécie de parceira Estatal na busca da realização do bem comum.

A Constituição Federal, por seu artigo 170, inciso VII, dispõe que a atividade econômica objetiva assegurar a todos uma existência digna e deve observar, dentre outros princípios, a redução das desigualdades regionais e sociais. Nesse particular, o empresário moderno é desafiado a compatibilizar, com sabedoria, a prosperidade, a rentabilidade e a competitividade de seu negócio com os interesses sociais. Outrossim, esse novo perfil que deve ser desenvolvido pelas empresas modernas tem suscitado confusões; senão, vejamos.

A primeira delas diz respeito à possibilidade da empresa ser obrigada a desempenhar uma função social. Ora, dentro do regime capitalista, exercer ou não uma função social é mera opção da empresa. Seu objetivo primordial é a captação do lucro, enquanto o Estado tem o dever de promover os direitos sociais. Portanto, a contribuição da empresa moderna para a efetivação dos direitos sociais, destinando uma parte dos seus recursos para a implementação de um serviço destinado a comunidade é, pois, voluntária. Trata-se de auxiliar o Estado na realização das suas políticas sociais, flagrantemente ineficientes, auxílio esse que pode vir tanto das pessoas jurídicas como físicas, defluindo daí a essência da chamada responsabilidade social. Quando essa responsabilidade é assumida pelo empresário, deve ser entendida como uma nova postura na gestão dos seus negócios. É óbvio que a finalidade principal da empresa, repita-se, continua sendo a geração de lucro. Mas, ao praticar a responsabilidade social, o empresário vai além, adotando uma conduta comprometida com o resgate da cidadania, assumindo posição de co-responsável na busca do bem estar público, investindo parcela dos seus recursos na promoção de políticas sociais fundamentais, visando melhorar a saúde, o meio ambiente, a educação, moradia, previdência social, assistência social e, pois, a segurança da comunidade em geral.

A responsabilidade social, de outro lado, não é sinônima de filantropia, mas representa a sua evolução ao longo do tempo. Enquanto a filantropia trata das ações de benemerência da empresa por meio de participações em campanhas isoladas ou doações aleatórias para instituições sociais, o conceito de responsabilidade social possui maior envergadura. A responsabilidade social ressalte-se – porque ainda incipiente no Brasil –, exige uma mudança drástica na condução dos negócios do empresário, ampliando o conceito do core business. Pressupõe o planejamento e o engajamento de todos os setores da companhia na busca de um programa social sério, realizado por ela mesma ou através dos seus parceiros, visando melhorar a qualidade de vida da comunidade. Não se trata de simplesmente desenvolver um programa social baseado na mercadologia pura, visando apenas e tão somente à promoção e divulgação da empresa – ou da sua marca –, ou de seus produtos perante o consumidor, como não raras vezes assistimos acontecer. Muito ao contrário, o programa deve ser pautado pela seriedade, eficiência e transparência, direcionado à comunidade em geral e não somente ao público de referência – público alvo consumidor – dessa empresa.

Ao assumir voluntariamente o papel do Estado, a empresa se compromete com a sociedade profundamente, de modo que deve ser séria a sua intenção de contribuir com o desenvolvimento, bem estar e a melhoria de qualidade de vida da população. E ao promover um programa social robusto a empresa não pode de um instante para outro simplesmente abandoná-lo. As metas estabelecidas e fixadas de acordo com as possibilidades de cada empresário deverão ser rigorosamente cumpridas.

Nesse passo, uma questão que hoje se afigura de fundamental relevância diz respeito à distinção entre responsabilidade social empresarial e responsabilidade empresarial legal. É preciso, por esse motivo, delimitar e definir, efetivamente, o que é a responsabilidade social.

Muitas vezes revela-se evidente a confusão entre esses dois conceitos – absolutamente diferentes –, principalmente quando a responsabilidade empresarial legal é exercida dentro de padrões éticos e de forma eficiente. De fato, muitos estudiosos do tema e até mesmo empresários têm ostentado que o cumprimento da legislação trabalhista, o recolhimento dos tributos exigidos pelo Fisco e, ainda, o respeito às normas ambientais constituem uma forma de realização da responsabilidade social e utilizam tais feitos para promoção da empresa no mercado nacional e internacional. Ora, nada mais equivocado na nossa visão. A empresa que cumpre integralmente a legislação trabalhista demonstra respeito e ética no trato com os seus funcionários. Ao cumprir uma obrigação legal está praticando responsabilidade legal e, sem dúvida, contribuindo para o bom desenvolvimento da sociedade. Do mesmo modo, empresas que recolhem seus tributos de forma correta abstendo-se das fraudes, corrupção ou da utilização de meios escusos para livrar-se do tributo agem no estrito cumprimento do dever legal. Sem dúvida, essa atuação ética e pautada pela lei igualmente contribui para o progresso do país.

Igualmente, a empresa que, em seu processo de produção cumpre a lei utilizando meio eficiente para evitar poluir o ambiente demonstra respeito ao cidadão. Contribui, assim, para o desenvolvimento de uma sociedade mais saudável, mas, a rigor, nada mais faz do que obedecer a rigorosa legislação ambiental existente em nosso país.

Essa atuação empresarial de respeito aos direitos trabalhistas, ao Fisco e ao meio ambiente, todavia não caracteriza a verdadeira responsabilidade social, pois decorre, tão somente, do estrito cumprimento da lei. Constitui, assim, mera obrigação legal. A responsabilidade social é muito mais profunda do que isso, pois requer uma atuação voluntária, organizada e eficiente da empresa em prol da comunidade, não se atendo ao estrito cumprimento da legislação <_st13a_personname w:st="on" productid="em vigor. A">em vigor. A responsabilidade social, na verdade, implica no gesto ou no ato, não imposto por lei, destituído de obrigatoriedade ou compulsoriedade e cujo descumprimento – aqui entendido como a falta de implementação de um projeto social – não acarreta sanção e que tem por finalidade colaborar com qualquer daqueles direitos sociais mencionados no aludido artigo 6º da Constituição Federal.

Seu campo de atuação extravasa, assim, os limites impostos pela lei. A responsabilidade social preconiza que as empresas possuem deveres para com a sociedade, além de suas obrigações econômicas junto aos proprietários e acionistas, suplantando destarte suas obrigações legais e/ou contratuais.

Nessa linha de raciocínio, o empresário que adota equipamento antipoluente obrigatório em suas linhas de produção pratica um ato de responsabilidade legal. Outrossim, ao adquirir um equipamento mais moderno, mais custoso à empresa, contribuindo para uma preservação mais eficiente do meio ambiente e não obstante ser essa conduta merecedora do reconhecimento comum é certo que não saiu do campo da responsabilidade legal.

Todavia, quando sponte própria constrói uma praça pública e dela cuida, transformando-a em parque público, preservando-a, contribuindo com o meio ambiente e o lazer da comunidade, pratica um ato de responsabilidade social, já que nada a obrigaria a essa atuação em prol da sociedade. Da mesma maneira o empresário que fornece equipamentos de última geração para preservação da segurança e, principalmente, da saúde daqueles que trabalham na sua linha de produção cumpre estritamente a lei. Sua atuação benéfica para o desenvolvimento da comunidade não transpassa o limite da legalidade. Esse mesmo empresário, entretanto, quando dota a comunidade da região onde está instalada a sua sede de um centro de saúde, por exemplo, pratica, inegavelmente, um ato de responsabilidade social, porque a isso não está obrigado por lei.

É certo, porém que o empresário quando adota medidas dispendiosas para a produção diferenciada dos seus produtos, praticando atos empresariais distintos, todavia no interesse da sua própria empresa, não atua no âmbito da responsabilidade social. Esse empresário pode ser chamado de diligente, diferenciado, seus produtos serão considerados qualitativamente superiores e em consonância com as disposições do CDC. Mas, de todo modo, não estará praticando, ainda, qualquer ato de responsabilidade social. Os genuínos atos de responsabilidade social devem aproveitar a toda comunidade e não se restringir a um interesse específico, ou estratégico, da empresa, ainda que passíveis de melhorar a qualidade do produto e, conseqüentemente, beneficiar o consumidor final.

Por isso, se o empresário criar um sistema educacional ou um plano de assistência médica e social direcionado só para seus empregados e respectivos familiares, ainda que agindo eticamente não estaria atuando de forma socialmente responsável, já que os seus atos não atingiriam a coletividade, esta sim verdadeiramente a destinatária dos direitos sociais. Em suma, privilégios concedidos pelo empresário aos seus acionistas, empregados, fornecedores ou clientes não constituem atos de responsabilidade social, já que os Direitos Sociais representam outorgas à comunidade em sentido lato.

Empresários e até mesmo entidades sem fins lucrativos podem praticar atos de responsabilidade social desde que referidos atos sejam distintos dos seus objetivos estatutários e estejam direcionados à sociedade <_st13a_personname w:st="on" productid="em geral. Não">em geral. Não devem esses atos, por outro lado, decorrer de mera imposição legal, pois o campo de atuação da responsabilidade social exige que sejam extravasados os limites da lei.

A advocacia pro bono, por exemplo, se enquadra no campo da responsabilidade social, pois tem como finalidade o atendimento e orientação jurídica, gratuitos, em todas as áreas, por advogados ou sociedades de advogados para entidades sem fins lucrativos que não poderiam arcar com a contratação de advogado particular. Muito embora venha se difundindo esse tipo de atividade, existe o temor de que a advocacia pro bono possa vir a ser utilizada como veículo para a captação indevida de clientes.

De todo modo, a confusão entre responsabilidade legal e responsabilidade social, ou entre posturas politicamente corretas e éticas e responsabilidade social, tem desvirtuado a verdadeira razão de ser da responsabilidade empresarial destinada que é a realização do bem comum. A responsabilidade social necessita ser vivenciada e encarada de forma séria pelo empresariado. Implementá-la não é tão simples como possa parecer, pois o mero cumprimento da lei não autoriza se afirmar que esse empresário vem praticando atos de responsabilidade social. Há, enfim, uma tendência para a banalização da responsabilidade social. Como é vista hoje em dia põe em evidência o empresário que tão somente cumpre a lei e que acaba obtendo para si um “selo” de responsabilidade social. Esta, por sua vez, repita-se, não se confunde com filantropia, não é uma ferramenta estratégica de mercado e, muito menos, o cumprimento rigoroso do que determina a lei. Ela deve representar uma mudança de conduta, uma evolução dentro da empresa e que deságüem na inclusão de estratégias corporativas inequivocamente voltadas para o bem comum.

Portanto, em síntese conclusiva, parece-nos irrefutável que o mero cumprimento da lei não legitima e, pois, faz de uma empresa ente socialmente responsável. A empresa independentemente do cumprimento das leis vigentes deve criar um sistema de gestão de responsabilidade social sério através de procedimentos que a conduzam a um programa organizado de forma a otimizar os resultados obtidos nessa área. Ao fazer isso, não pode o empresário simplesmente abandonar o seu projeto social. Muito embora não esteja obrigado a implementá-lo, quando toma essa iniciativa e realiza uma ação social passa a responder por sua adequada consecução. Mais do que isso, passa a empresa a ser responsável pelos eventuais prejuízos causados à comunidade e que derivem do abandono, descaso ou da negligência na concretização da ação social.

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*Advogado do escritório Cabral Advogados Associados.


 









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