Eudes Quintino de Oliveira Júnior*
Deixando de lado a revolta kafkiana, desperta a atenção de qualquer filho escrever uma carta ao pai. Ao pai presente, ao ausente, seja porque se foi ou porque nunca quis ser, ao pai são e ao doente, ao pai jovem e ao experiente, ao pai discípulo e ao docente, ao pai que divide a alegria, ao silente do dia-a-dia, ao pai, enfim, seja lá qual ele for.
Escrever ao pai que você gostaria de homenageá-lo no seu dia, entregar a ele o mais caloroso dos abraços, proporcionar a melhor festa, com o cardápio do seu gosto, com a caloria da comida e do afeto, contar a história de sua vida, buscar seu assunto predileto, com muita calma, sem traumas. Fazer como os românticos romanos: acordar cedo, colher a mais bela flor do dia –carpe diem- e entregar a de cor branca para aquele que já partiu e a de cor vermelha para aquele que você compartilha este mundo feito ilha.
Escrever ao pai, com letras garrafais, que você o tem como amigo, o melhor parceiro, que divide corpo e alma por inteiro, com a total liberdade de vasculhar os segredos do seu coração. Segurar em suas mãos e saltar o fosso, vencer o pantanoso e movediço solo, com total segurança, como se ainda fosse criança. Abrir as comportas da infância e encontrar seu herói, seu paladino, com poderes quase divinos, a protegê-lo nesta aventura maravilhosa chamada vida, sem vergonha de ser feliz, como propõe o refrão musical.
Escrever ao pai que você gostaria de dar as mais deliciosas gargalhadas, de suas histórias e piadas, de ouvir a repetição constante das novidades já envelhecidas, dos sonhos cantados em trovas e versos, como o conquistador do universo. Dar asas e afagos para a imaginação, pegar carona nas nuvens sombrias do horizonte, fazer caricaturas no céu e brincar de ciranda com as estrelas, sem querer ouvi-las como o poeta.
Escrever ao pai que você sofreu reveses sucessivos, que foi tocado pelo desespero, mas encontrou lá no fundo, tudo junto, no nascedouro, a semente de fé e esperança que ele lançou e emergiu rompendo o círculo vicioso. Narrar que na sua vida você já se viu diante de feridos tentando juntar seus cacos, mortos colocados de lado pelos caminhos e você os recolheu e os assistiu, pelo emblema de solidariedade que carrega.
Escrever ao pai o quanto você o admira pela maneira simples e prazerosa de encarar a vida, quando com ela fala, quando enche seu coração de júbilo e destila generosidade e respeito ao próximo, alma nobre que, certamente, ganhou o passaporte para a eternidade. Contar a ele, em letras de forma, que, quando fechava os olhos, ouvidos e razão, abria, de todas as formas o coração, pulsando-o com paixão.
Escrever ao pai para que saiba que, agora como pai, você vem enfrentando sua cruzada com as armas balizadas para arrostar os moinhos eleitos e que os ecos de seus feitos ainda reverberam. E também que ele saiba que seu filho vai levar a marca do bom guerreiro, a do pai, fiel amigo e companheiro.
Se a sua carta já estiver pronta, entregue-a o mais rápido possível, pessoalmente de preferência. O escrito lacra o sentimento de sua gratidão. Ah, não se esqueça: beija-lhe a mão com reverência.
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*Promotor de Justiça aposentado, advogado, Pró-Reitor da Unorp
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