Que venha o gato!
Edson Vidigal*
Sei que trabalha como oficial de justiça de uma visita fatal, inevitável, chamada morte. Até agora é o único felino nesse serviço. Atua numa cidade inglesa. É ele aparecer numa casa e dar uma encarada na pessoa, pronto. Pode encomendar o caixão.
Fiquei olhando a cara safada do gato ao qual, diz um site, se atribuem esses poderes macabros e divaguei nas hipóteses do que aconteceria entre nós se esse maldito animal desembarcasse, num pára-quedas, por exemplo, aqui neste fim de mundo.
Não teria sossego e o que aconteceria de gente com dor na consciência, perdendo sono, suspendendo vidros de carros, fechando portas, portões, espalhando venenos nos jardins e nos quintais, tudo por medo do gato, meu Deus, seria muito engraçado.
O crime organizado que se cuidasse. A turma do peculato, os meliantes metidos a gente fina, os chantagistas de todos os gêneros, os magarefes da honra alheia que agora estão só no osso porque já perderam o discurso, o pessoal da volta ao passado querendo ganhar eleição agora no tapetão, gente por onde anda esse gato inglês que não dá as caras por aqui ?
Claro que com essa má fama que nossa terra alcançou por aqui e alhures em matéria de praticas éticas e morais, não faltaria quem tentasse cooptar o gato, corrompendo-o no vício em alguma droga ou, quem sabe, até envenenando-o, tudo de modo a que fosse destituído de suas funções.
De outro lado, surgiria na Ilha um Comitê de Defesa do Gato e sua candidatura a herói do século seria lançada com grandes algazarras e foguetórios. Logo algumas listas seriam feitas por populares indicando os endereços das primeiras visitas do oficial de justiça da inevitável.
E os blogs ? O que não lançariam de boatos ? O gato ontem foi visto na casa de fulano e de lá saiu para a casa de sicrano. Bom, quem não teria, no fundo, no fundo, a sua lista secreta para o gato dos maus agouros visitar ? Claro que eu também entraria em algumas listas.
Mas tenho certeza que se eu tivesse de fazer uma lista seria aprovada pela maioria do povo, a mesma maioria que votou rejeitando as tentativas de volta ao passado, ao atraso social e econômico a que sujeitaram, e ainda ameaçam tentar sujeitar, o nosso o sofrido povo.
Bem, estou entre os que estão acreditando nesses poderes macabros do gato inglês. O danado, qual aquele cara chato do samba canção de Tom Jobim, não gosta de chope, não vai ao cinema, nem a Ipanema. O que ele gosta mesmo é de chegar de surpresa numa casa, encarar uma pessoa, ir embora e a distância conferir no dia seguinte o velório.
Com esse gato por aqui, se fossemos imaginar uma faxina moral e política, e administrativa, em todos os rincões deste Estado, seria algo arrasador. O gato acabaria ganhando uma estátua maior do que a do Benedito Leite, aquele que disse que deixaria que lhe cortassem a mão direita, mas não assinaria, como governador, um ato de demissão de uma professora.
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA, escreve para o Jornal Pequeno às quintas-feiras.
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