Investigações de cartéis e acordos de leniência
André Marques Gilberto*
O principal instrumento do Governo nos últimos anos na repressão a cartéis foi a leniência, instituída pela Lei n°. 10.149/2000 (clique aqui), e que abriu caminho para empresas que tivessem participado de infrações à ordem econômica (especialmente cartéis) e que quisessem colaborar com investigações em troca da extinção da punibilidade administrativa e criminal; mais: a Lei n°. 10.149/2000 proibiu a celebração dos até então tradicionais "compromissos de cessação" em investigação de cartéis, que nada mais eram do que acordos para pôr fim aos processos.
O sinal ali passado pelo Governo era claro: a quem quisesse auxiliar na repressão aos cartéis (reportando a prática, denunciando a si mesmo e aos demais envolvidos) o único caminho era negociar com a Secretaria de Direito Econômico - SDE a assinatura da leniência, antes que a SDE tivesse conhecimento e dispusesse de evidências sobre a prática ilegal. Instaurado o processo, não haveria espaço para negociação, e à empresa não restaria alternativa além de defender-se e aguardar decisão final do CADE.
Tudo mudou após o advento da Lei n°. 11.482, de 31.05.07 (clique aqui), que suprimiu a restrição da Lei n°. 10.149/2000 e voltou a legalizar a celebração de acordos em investigação de cartéis. As razões do Governo para justificar a mudança são conhecidas, e atreladas ao fato que a maioria das decisões do CADE condenando empresas por prática de cartel está sendo contestada no Poder Judiciário, tendo poucas multas sido pagas até hoje.
Entretanto, ao permitir acordos em investigação de cartéis, que papel ficou reservado à leniência ? Em outras palavras: qual o incentivo ao empresário, a partir de agora, para denunciar a existência de prática cartelizadora, se é sabido de antemão que a conduta pode ou não vir a ser descoberta por CADE e SDE e que, mesmo que isto aconteça, sua empresa terá direito de ao menos negociar acordo para encerrar o processo ?
É certo que a celebração do acordo é condicionada ao pagamento de uma "contribuição" pecuniária não inferior ao mínimo previsto no artigo 23 da Lei n°. 8884/94 (clique aqui). Ainda assim, a Lei n°. 11.482/2007 inseriu importante fator a ser computado pela racionalidade empresarial ao decidir se deve denunciar prática cartelizadora da qual tenha tomado parte; desta forma, a mudança tem o potencial de comprometer a efetividade da leniência, especialmente em um país onde a cultura de defesa da concorrência floresceu recentemente.
Vemos, portanto, que o Governo sinalizou que é preferível agora aumentar a efetividade das decisões em casos já em andamento, garantindo-se que os cofres públicos não tenham que esperar anos para que as multas impostas pelo CADE sejam recolhidas, em possível detrimento da descoberta de novos casos que poderiam ser instaurados a partir de "auto-denúncias" de lenientes.
Obviamente, não é o que se espera que aconteça; o ideal é que, tal como ocorre em países de tradição antitruste já centenária, acordos em investigação de cartel e a leniência convivam de forma eficiente. Todavia, ao transmitir em seis anos sinais tão díspares ao mercado, resta pouco mais que a esperança que o Governo tenha noção exata dos rumos para os quais está levando a defesa da concorrência no Brasil.
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*Advogado do escritório Araújo e Policastro Advogados
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