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Direito dos direitos humanos e a regra interpretativa “pro homine” (primeira parte)

Os Tratados de Direitos Humanos são formalmente incorporados no Direito interno brasileiro: (a) como Emenda Constitucional (CF, art. 5º, § 3º) ou (b) como Direito supralegal (voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343-SP; HC 88.420-PR, Primeira Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.04.07; HC 90.172-SP, Segunda Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, votação unânime, j. 05.06.07) ou (c) como Direito constitucional (essa é a posição doutrinária fundada no art. 5º, § 2º, da CF e que, em algumas vezes, contou com a concordância do STF: RE 80.004, HC 72.131 e 82.424, relator Ministro Carlos Velloso, mas esse nunca – antes - foi seu pensamento majoritário).

31/7/2007


Direito dos direitos humanos e a regra interpretativa "pro homine" (primeira parte)

Luiz Flávio Gomes*

Os Tratados de Direitos Humanos são formalmente incorporados no Direito interno brasileiro: (a) como Emenda Constitucional (CF, art. 5º, § 3º) ou (b) como Direito supralegal (voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343-SP; HC 88.420-PR, Primeira Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.04.07; HC 90.172-SP, Segunda Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, votação unânime, j. 05.06.07) ou (c) como Direito constitucional (essa é a posição doutrinária fundada no art. 5º, § 2º, da CF e que, em algumas vezes, contou com a concordância do STF: RE 80.004, HC 72.131 e 82.424, relator Ministro Carlos Velloso, mas esse nunca – antes - foi seu pensamento majoritário). A antiga posição (do STF) no sentido de que tais tratados teriam (mera) força de lei ordinária está sendo abandonada (muito corretamente) pela própria Corte Suprema.

O ponto comum entre as três primeiras correntes citadas reside no seguinte: os Tratados de Direitos Humanos contam formalmente com status supralegal, ou seja, acham-se hierarquicamente acima da legislação ordinária. Essa premissa (do ponto de vista formal) nos parece totalmente acertada. A nova pirâmide normativa (o novo edifício do Direito), destarte, passou a ter três patamares (andares): no de baixo está a legalidade, no topo está a Constituição e no andar do meio encontra-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). No plano formal (repita-se) essa é a nova pirâmide normativa que emana da recente doutrina do STF.

A primeira e natural conseqüência do que acaba de ser exposto é a seguinte: a produção da legislação ordinária, doravante, está sujeita não mais a uma senão a duas compatibilidades verticais (teoria de dupla compatibilidade vertical): toda produção legislativa ordinária deve ser compatível com a Constituição bem como com os Tratados de Direitos Humanos. A lei que conflita com a Constituição (clique aqui) é inconstitucional; se se trata de lei antinômica anterior à Constituição de 1988 fala-se em não-recepção; a lei que conflita com os TDH é inválida (vigente, mas inválida), mesmo que se trate de lei anterior à sua vigência no Direito interno.

É digno de encômios o avanço cristalizado nas últimas decisões do STF. Mas essa evolução, até o momento, tem sido puramente formal. Isso não é pouco, diante sobretudo da clássica posição conservadora do STF. Mas ainda não é tudo. Falta um passo mais, que consiste em enfocar todas as normas de direitos humanos no sentido material.

No plano material, quando se enfoca o Direito dos Direitos Humanos, os três ordenamentos jurídicos citados (CF, TDH e legislação ordinária) caracterizam-se por possuir, entre eles, vasos comunicantes (ou seja: eles se retroalimentam e se complementam). Em outras palavras, no plano material não há que se falar (ou é irrelevante falar) em hierarquia entre as normas de Direitos Humanos: por força do princípio ou regra pro homine sempre será aplicável (no caso concreto) a que mais amplia o gozo de um direito ou de uma liberdade ou de uma garantia. Materialmente falando, portanto, não é o status ou posição hierárquica da norma que vale, sim, o seu conteúdo (porque sempre irá preponderar a que mais assegura o direito).

A fundamentação para o que acaba de ser exposto é a seguinte: por força do art. 27 da Convenção de Viena (que cuida do Direito dos Tratados internacionais), "nenhum Estado que faz parte de algum tratado pode deixar de cumpri-lo invocando seu Direito interno". Pouco importa se se trata de uma norma (doméstica) constitucional ou infraconstitucional, impõe-se ao Estado cumprir suas obrigações internacionais, assumidas por meio dos tratados.

Exemplo: no caso da prisão civil relacionada com o depositário infiel, tanto a norma constitucional (art. 5º, inc. LXVII) como toda legislação ordinária nesse sentido não podem ser invocadas pelo Estado para deixar de cumprir o que está previsto no art. 7º, 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (e art. 11 do PIDCP). O que acaba de ser dito foi proclamado, em outras palavras, pelo STF tanto no RE 466.343-SP como no HC 90.172-SP.

Dois outros elementares princípios do Direito internacional (princípio da boa-fé e da interpretação teleológica) informam que os tratados de direitos humanos são assumidos pelos Estados para que eles sejam cumpridos (pacta sunt servanda). E mais: de boa fé (art. 26 da Convenção de Viena). Devem se tornar efetivos dentro da jurisdição interna, tudo cabendo ser feito para que sejam respeitados e para que cumpram seu objeto e suas finalidades.

Todo Estado quando subscreve um tratado assume uma dupla obrigação: internacional (para o caso de violação) e interna (tudo deve fazer para que os direitos sejam observados, não podendo invocar nenhuma norma doméstica para se escusar do cumprimento das suas responsabilidades internacionais).

A comunicabilidade e, por conseguinte, a complementariedade entre todas as normas de Direitos Humanos (seja constitucional ou internacional ou infraconstitucional, que coexistem por força dos vasos comunicantes) está assegurada pelas chamadas normas de reenvio (ou seja: a CF, no art. 5º, § 2º, não exclui outros direitos e garantias previstos nos tratados internacionais; de outro lado, a CADH, no art. 29, salienta que sempre deve preponderar a norma que mais amplia o exercício de um direito ou liberdade ou garantia, ainda que seja de nível ordinário). No mesmo sentido: PIDCP, art. 5º.

As normas de reenvio, como se vê, conduzem a um entrelaçamento simbiótico entre todas as normas de Direitos Humanos. Se formalmente pode-se descrever o Direito como uma "pirâmide", materialmente a lógica reinante é outra: todas as normas que dispõem sobre os direitos humanos acham-se lado a lado, uma tem contato direto com a outra, cabendo ao intérprete e aplicador do Direito eleger a que mais amplitude confere ao direito concreto. A rigor, portanto, não é o caso de se falar em revogação de umas por outras (tal como foi sublinhado, por exemplo, no HC 88.420-PR - STF). Não seria propriamente esse fenômeno que teria incidência. Todas as normas sobre direitos humanos são vigentes, mas no momento de se eleger a que vai reger o caso concreto, aí sim ganha singular relevância o princípio pro homine, ou seja, vale a norma que mais amplia o direito ou a liberdade ou a garantia (sem mencionar expressamente o princípio citado, foi isso que o STF reconheceu nos HCs 90.172-SP e 88.420-PR). Esse, aliás, parece ser um caminho sem retorno.

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*Fundador e Coordenador Geral da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

 

 

 

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