Fui a Campinas com três objetivos e nenhuma esperança
Suzana Magalhães Lacerda*
Destino 1: Receita Federal (na parte da tarde).
Dirijo-me ao balcão de informação e explico o caso. A funcionária (pública), de cabeça apoiada nas mãos, já adverte: "O responsável não está mais aqui, mas se quiser, pega uma senha."
Entro na fila, espero e chego a outra funcionária (pública) e explico o caso:
- Preciso ver dois processos, recentes, para saber do que se trata.
- Xiiiiiiiii, processo só com Zé Carlos. E ele já foi embora (eram 14:30h). Só amanhã, das 8h às 11h.
Eu insisto:
- Mas é urgente e só preciso saber do que se trata. Não tem outra pessoa?
- Não tem. Só o Zé Carlos.
E ela tenta me animar:
- Vem bem cedinho... aí ele te deixa ver o processo na hora. Senão... tem que agendar para ver outro dia.
Sim, sim. Eu já conheço o Zé Carlos. Funcionário público de meia-idade, dono da verdade (e de todos os processos da Receita Federal de Campinas), todo prosa.
Desisto de ver esses processos e prossigo:
- Tem outro processo, mas este está com o Sr. Eli. Preciso falar com ele para saber o andamento.
- O Eli ? (ela dá uma risadinha). O Eli não recebe ninguém!
- Sei.
Já tinham me alertado.
- Mas, moça, é urgente! Tenho que falar com o Eli...
- Olha, para falar com o Eli, você tem que falar com a Graça primeiro, que é chefe dele.
- E onde a Graça fica ?
- Iiiiiiiiiiii, a Graça já foi embora, mas ela fica aqui do meu lado, de manhã. Aí você volta amanhã, fala com a Graça, ela te dá uma autorização para subir e falar com o Eli. Com a autorização, você liga para o Eli e vê se ele te recebe!
Assim, bem simples. Já que o Zé Carlos e nem a Graça estavam lá e o Eli não quis me receber, fui embora. Sem resolver nada.
Destino 2: Justiça Federal
Na Justiça Federal, o objetivo era mais simples: conversar com o juiz (que já havia me recebido outro dia).
Dirijo-me ao gabinete e converso com a moça (sim, para se chegar a um funcionário público, sempre é preciso falar com outro antes):
- Queria despachar com o juiz.
A moça lembra de mim, pede para eu esperar, vai falar com o juiz e volta com cara de lamento:
- Olha, o juiz não vai te receber porque você já falou com ele e já já ele irá decidir sobre seu processo.
Resignada, peço, gentilmente:
- Então, posso ver o processo ? Só para saber o que a Receita Federal (não o Eli, ou a Graça ou o Zé Carlos) disse ?
- Ai, acho que não pode!
- Como não posso ? O processo não está aí na sua mesa ? Por que não posso ?
- Acho que é irregular (!?).
- Irregular ?
A funcionária (pública) pergunta para a outra:
- Ela pode ver o processo ? Não é irregular ?
- Não, ela pode.
Pego o processo e percebo um erro de um funcionário (público) que esqueceu de me intimar de um despacho de um mês atrás. E digo:
- Olha, teve um despacho, há um mês atrás, e eu não fui intimada ainda e se eu não cumprir o despacho, o juiz não vai decidir...
Ela pega o processo, analisa, faz cara de descrédito e rebate:
- Foi erro do funcionário (público). Vou ter que mandar o processo de volta para a Secretaria, eles vão mandar publicar o despacho, depois abre seu prazo para resposta, daí ele volta para cá e, então, mandamos para o juiz decidir.
Impaciente, eu argumento:
- É que eu tenho pressa na decisão! Se eu for esperar tudo isso, serão mais uns 20 dias. Não posso tomar ciência do despacho agora e já cumpri-lo e, depois, bem rápido, você manda o processo de volta ao juiz ?
A parte do "bem rápido" foi um acesso de ingenuidade, mas a funcionária concordou e explicou:
- Assim é melhor. O erro foi de um funcionário e ele ia levar uma bronca do juiz.... e ele é um moço tão bonzinho, tadinho. Vamos lá falar com ele.
Vem o funcionário (público) que errou. Corrige o erro. Se não fosse minha pressa, eu faria questão da bronca do juiz. Tiro cópia do processo, devolvo e sigo minha jornada. Sem resolver nada.
Destino 3: Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
Pego a senha, sento, abro meu livro e espero. 20 senhas e 40 minutos depois, sou chamada. Explico o caso e a funcionária prontamente responde:
- Para saber disso, é só a senhora entrar no site do Comprot.
Ora, se fosse simples assim, eu não teria andado 80 km até Campinas, pegado senha e esperado 40 minutos!
São 16h30, rodízio do meu carro, paciência gasta na Receita, paciência gasta na Justiça Federal e eu retruco:
- Posso falar com a Fernanda ?
O negócio de chamar um nome faz efeito. O serviço público agora é personalizado. O Zé Carlos é processo, a Graça é para Eli, o Eli para decidir, a Helô para o procurador e a Fernanda para um pouco de atenção.
Enquanto espero, meu chefe liga. Tento explicar que passei o dia todo em Campinas e não resolvi nada, e que não foi culpa minha. Ainda bem que ele já foi funcionário público e que, na hora que ele começa a perguntar, a Fernanda aparece.
- Preciso desligar. Chegou minha vez, depois te ligo.
A Fernanda, funcionária pública educada, aparece. Lembra de mim, mas não lembra do meu caso. Explico e ela recorda:
- Seu processo já está com o procurador! (passados dois meses)
- Mas já foi enviado para a Receita dar baixa no débito ?
- Ah, daí eu não sei.
- Mas, você não pode olhar isso para mim ? Eu tenho pressa, a empresa precisa, urgente, da CND. E, além do mais, o erro foi de vocês!
- Não posso. Quem pode te ajudar é a Helô.
- Então, posso falar com a Helô ?
- Ela não está aqui hoje, só terça. Volta terça-feira, daí você fala com ela, ela fala com o Procurador e vê se seu processo está ou não aqui!
São 17h30, vou para São Paulo com uma única certeza: vou levar multa de rodízio.
No caminho, um dilema. Não sei se queria ser funcionária pública para também não fazer nada e irritar todo mundo ou se queria ser uma terrorista e jogar uma bomba em cada repartição que passei.
Chego em São Paulo, 19h, trânsito, multa e ainda bato o carro.
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*Advogada do escritório Monteiro, Neves, Fleury Advogados Associados