Migalhas de Peso

A litigância predatória como mercado

Um olhar que põe o Judiciário como principal agente de mercado no combate ao abuso de processar.

19/12/2024

A força que esse texto procura fazer, em primeiro lugar, é contra o desagrado dos que se julgarem envolvidos no tema, incluindo o autor. As avaliações que põem sobre a mesa talvez sejam conscientemente tardias, porque há movimentos importantes à vista. O título dá a canja e provoca a realidade do paradoxo que parece existir no universo do combate à litigância predatória que abarrota o Judiciário brasileiro. Perdoada a superficialidade proposital desta afirmação, não há dúvida de que as maiores vítimas dessa anomalia são as grandes empresas, obrigadas que são, pelo volume de ações judiciais que sofrem, a manter robustos departamentos jurídicos. Polêmico é dizer que o rol de vítimas do fenômeno não se estende, porque nas empresas se encerra. A reverência pela boa fé e ética dos escritórios de advocacia que combatem a litigância predatória talvez não suprima o incômodo que acompanha a conveniência de se mudar de vez a fórmula de remuneração do trabalho que realizam, que em realidades ainda observadas recebem honorários pelo volume de novas ações judiciais que passam a patrocinar, o que provoca julgamentos morais equivocados dos interesses em jogo.

Os Tribunais de Justiça, os Órgãos do Poder Judiciário em geral, precisam ser vistos, pela força da palavra final, como agentes fundamentais desse “mercado”. As medidas que têm sido adotadas pelos TJs Estaduais e pelo CNJ precisam contar com o protagonismo rigoroso dos Órgãos da primeira instância judiciária, porque são eles que compõem o ambiente no qual a tesoura pode e deve cortar a erva daninha mais perto da raiz.

Experiências passadas não exitosas precisam ser levadas em consideração para a escolha e adoção das medidas atuais de combate a essa judicialização de mercado. O IRDR de Minas Gerais, por exemplo (e é só um exemplo), exigindo comprovação de tentativa de resolução administrativa dos conflitos nas relações de consumo, como condição para o prosseguimento da ação judicial, abre demais quando põe no elenco a simples notificação prévia ao fornecedor de serviços, com aviso de recebimento, coisa que não inibiu a conhecida avalanche de ações de exibição de documentos contra os bancos, ocorrida no mesmo Estado, ações que, apesar da evidente inexistência de conflito de interesses, eram julgadas procedentes, com as interessantes condenações em honorários de sucumbência, apenas por estarem instrumentalizadas com os tais ARs.

Para a avaliação desse “mercado”, não pode, de novo, ser desconsiderada a circunstância de se ter no país mais de um milhão e quatrocentos mil advogados, apesar de se saber que essa sentença será contraditada pela afirmação clichê e possivelmente verdadeira de que só 10% desses operadores do direito atuam no Judiciário. Seja como for, não se pode desprezar que um relativo fator de “sobrevivência” de uma classe, como setor desse mercado, é também causa torta e importante das ações predatórias.

Está claro que é questão complexa para simplesmente se admitir, mas nem por isso se há de evitar a provocação, que um dos elementos incentivadores da judicialização desmedida é a presença do dano moral como pleito indenizatório em quase 100% dos processos envolvendo relação de consumo. E nesse aspecto, papel importante tem o STJ, que precisa rever e dizer, de uma vez e com solidez de precedente, hipótese por hipótese, que não se pode julgar como in re ipsa o dano moral que milhares de sentenças afirmam existir em situações que não se bole, nem de longe, na esfera da personalidade dos autores destas ações, como, por exemplo, na de uma tarifa bancária mal cobrada, ou na de um contrato de fornecimento de serviço formalmente mal celebrado, e por isso invalidado pelo Judiciário.

Com a palavra, o Judiciário.

Fernando Corbo
Fundador da Corbo Aguiar e Waise Advogados Associados

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