Em junho de 2024, exploramos no artigo “Como ficará a correção das dívidas civis com o Novo Código Civil?”1 o anteprojeto de alteração legislativa, que incluía, entre outras mudanças, a proposta de revisão do art. 406 do CC de 20022.
A proposta de alteração surgiu como uma tentativa de modernizar o ordenamento jurídico brasileiro e aumentar a segurança nas relações civis e comerciais. Desde a entrada em vigor do atual CC, o referido artigo gerou controvérsias quanto à taxa aplicável aos juros de mora quando não há previsão contratual e desde então duas interpretações se consagraram: a primeira defendia a aplicação de juros de 1% ao mês, com base no art. 161, §1º, do CTN3; já a segunda sustentava a adoção da taxa Selic como índice de correção e juros aplicados de forma composta.
Após análise detalhada, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e uniformidade nas relações jurídicas, a comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do CC inclinou seu posicionamento pela primeira corrente.
Enquanto o anteprojeto estava sendo discutido no plenário, uma importante discussão ocorria no STJ, especificamente no recurso especial 1.795.982, sobre a interpretação do art. 406. O processo enfrentou diversos pedidos de vista e adiamentos devido a divergências entre os ministros, aumentando ainda mais a insegurança jurídica sobre o tema.
No entanto, a incerteza quanto ao desfecho final do julgamento foi substancialmente reduzida com o advento da lei 14.9054, que, alterando os arts. 389 e 406, ambos do CC (e na contramão do anteprojeto do CC), fixou expressamente que: (i) na hipótese de não ser convencionada correção monetária, o índice aplicável será o IPCA, calculado pelo IBGE; e que (ii) a taxa legal de juros moratórios, isto é, quando não forem convencionados, corresponderá à taxa Selic, deduzindo-se a atualização monetária que trata o dispositivo citado no item anterior.
Retomado o julgamento do recurso especial 1.795.982, diante da promulgação da lei que passou a regular o tema, o relator, após julgar prejudicadas as questões de ordem, já enfrentou o mérito e ratificou o resultado de julgamento proclamado em 6/3/24, quando ficou definido que a aplicação da Selic como índice de correção monetária e juros moratórios em condenações de dívidas civis nas quais não haja estipulação contratual.
A Corte baseou sua decisão em alguns pontos que merecem destaque: (i) a Selic incorpora e compensa a mora, de forma se alinhar com a realidade econômica do país, especialmente no controle da inflação; (ii) a decisão segue posicionamentos anteriores 5 do STJ, especialmente após a emenda constitucional 113/216; e (iii) a taxa referencial que incide nos juros moratórios dos tributos federais é a Selic.
Embora a referida decisão e a lei 14.905/24 tratem de forma semelhante os juros de mora do art. 406 do CC, existe uma diferença conceitual entre os critérios adotados sobre correção monetária. Por um lado, o STJ determinou que os efeitos da mora sejam calculados pela taxa Selic, que combina atualização monetária e juros compensatórios. Por outro lado, a lei 14.905/24 estabeleceu que a taxa referencial de juros a ser aplicada é a Selic, deduzido o IPCA, e que o índice de correção monetária é o IPCA, ou seja, os juros são os da taxa Selic, mas a correção é o IPCA.
Fato é que, portanto, a partir de 30/8/24, prevalece o estabelecido na lei 14.905/24 acima mencionado, conforme a nova redação dos arts. 389 e 406 do CC, e a resolução 5171/247.
Importante mencionar que, caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.
A mudança legislativa, portanto, visa a proporcionar uma base normativa mais sólida, com uma maior segurança jurídica e previsibilidade às relações de direito privado. Essa reforma legislativa reflete um esforço para alinhar o ordenamento jurídico às demandas atuais, trazendo maior clareza quanto à aplicação de correção monetária e juros moratórios, o que simboliza um importante avanço para a estabilidade das relações civis e comerciais no país. Lembre-se que essa norma tem caráter supletivo, sendo aplicada apenas na ausência de previsão contratual que estabeleça um índice de atualização ou taxa de juros distintos.
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