Migalhas de Peso

Golpe de Estado, nunca mais!

O artigo faz uma conexão da história com o Direito Constitucional. Mostra que o golpismo, infelizmente, está no DNA das nossas elites. Temos que estar sempre alertas.

26/11/2024

Gravíssima a notícia sobre a prisão de oficiais do exército, inclusive a de um general reformado, supostamente envolvidos em um plano golpista que pretendia, assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Tudo tem que ser apurado com rigor, é claro, respeitando o direito à ampla defesa e contraditório.

A democracia em risco. Cuidado: Há perigo na esquina! São ataques ferozes às instituições sob uma capa de liberdade e democracia e, hipocritamente, misturando: Deus, pátria e família.

Pelas minhas contas, na nossa formação social, após a independência, em 1822, tivemos nove golpes de Estado. Tudo isso? Sim! Sem falar, por exemplo, no triste episódio de 8 de janeiro, aliás, inaceitável em uma democracia.

O ocorrido tem nome: é o fascismo à brasileira. Fatos são fatos!

O golpismo, infelizmente, está no DNA das nossas elites. A propósito, somos também expoentes em matéria de desvio de poder, consoante o festejado mestre Celso Antônio Bandeira de Mello.

Vamos brevemente voltar ao passado para entender o presente. É a História.

O primeiro golpe foi dado pelo imperador D. Pedro I contra a assembleia constituinte instalada, em 1823. Foi dissolvida a assembleia. O episódio ficou conhecido “a Noite da Agonia”. O deputado que resistiu acabou preso. Depois, exilado. Já vimos esse filme, não é? A história de repete.

Vale lembrar de que o golpe de Estado se caracteriza com a ruptura da ordem constitucional. A constituição passa a ser uma folha de papel como dizia Lassale. Não vale a força normativa da constituição, como ensina Konrad Hesse. 

Em 25 de março de 1824, D. Pedro I outorgou a nossa primeira constituição, ou seja, sem a participação da assembleia constituinte. O nosso constitucionalismo já nasce autoritário. Torto.

O imperador tinha o Poder Moderador. Por falar nisso, tem jurista que faz o terraplanismo jurídico, em relação ao art.142 da CF. Que feio!

Muito pelo contrário. No Estado constitucional e democrático de Direito quem diz a última palavra é o Poder Judiciário. Não é o general de dez estrelas!

Não, mesmo!

Com abdicação de D. Pedro I, em 1831, o herdeiro do trono, contava com apenas de seis anos de idade. Enquanto o imperador D. Pedro II, não tivesse 18 anos, pelo art. 122 da constituição, o império seria governado por uma regência.

Ocorre que, com apenas 14 anos de idade, apesar de ser inconstitucional à época, D. Pedro II, passou a ser imperador, em 23 de julho de 1840. O episódio ficou conhecido como Golpe da Maioridade.

Era o segundo golpe!

Mas não para por aí. A república nasceu de um golpe. O marechal Deodoro (monarquista) pôs fim à monarquia no Brasil, mudando a forma de governo para república.

Temos o terceiro golpe!

Com a constituição da república, promulgada, de 1891, Deodoro da Fonseca foi eleito indiretamente o presidente. O marechal Floriano Peixoto, como vice.

 Sofrendo pressões políticas Deodoro, com uma canetada, em 3 de novembro de 1891, dissolveu o congresso nacional. Decretou Estado de Sítio. Mandou o exército cercar o congresso e prender políticos oposicionista. É sempre essa truculência.

Desrespeito aos direitos fundamentais!

Foi o quarto golpe de Estado!

Deodoro renunciou à presidência, diante da reação da marinha, que ameaçou bombardear à cidade do Rio de Janeiro. Esse episódio ficou conhecido como Primeira Revolta da Armada. Floriano Peixoto, que era vice, assumiu com “mão de ferro”. O congresso voltou a funcionar. Mas, Floriano tinha um perfil autoritário.

Era o quinto golpe de Estado!

Prosseguimos: o movimento de 1930 foi um golpe de caráter civil-militar, Mudança de uma oligarquia por outra. Uma junta militar formada por dois generais e um almirante decidiu depor o presidente da república. Passou o governo ao chefe do movimento revoltoso, Getúlio Vargas.

Foi o sexto golpe de Estado!

E o golpismo não para. Tivemos o golpe de 1937. Estado Novo ou museu de grandes novidades? À época, já tinha o fake new. Inventaram o Plano Cohen, de uma suposta ameaça comunista. Vargas fechou o congresso. Prisões. Tortura. Censura. Hoje, no pós-guerra fria, o golpismo ressuscita o fantasma do comunismo.

Era o sétimo golpe! A ditadura de Vargas foi até 1945.

 Em 1945, novo golpe. Os mesmos chefes militares que apoiaram o  golpe de 1937 tiraram Vargas do poder, obrigando-a renunciar. Ele foi para o “exílio” em São Borja. É o golpe no golpe.

Vinha o oitavo golpe!

 Em 1954, foi feito o manifesto dos coronéis. Os militares não queriam respeitar a vontade das urnas. Isso representava um risco real às instituições democráticas.

Por sinal, hoje, muitos dizem que a eleição à presidência foi fraudada. Pior: Sem nenhuma prova. É a realidade fraudulenta.  Essas alegações, por óbvio, estimularam os protestos de cunho golpistas e fascistas do dia 8 de janeiro.

O golpe estava sendo gestado. Os coronéis signatários do manifesto de 1954, já promovidos a generais, ocupariam a linha de frente da própria condução do regime.

Em 1961, tivemos outra ameaça de golpe. Porém, o golpe não triunfou. Com a renúncia de Jânio Quadros os ministros militares ficaram contra a posse de João Goulart que estava em visita na China. A solução encontrada foi a adoção do sistema de governo parlamentarista.

Chegamos aos anos de chumbo. O ano era 1964. Novo golpe de Estado. Por quê? Porque, houve ruptura na ordem jurídica. A constituição foi rasgada. Desrespeito à constituição.

O presidente da República João Goulart foi deposto. O regime passa ser de exceção, com os atos institucionais 1, 2, 3 e 4, e sobretudo o terrível e temido de 5 (AI-5).

Aliás, para Carl Schmitt, soberano é quem decide sobre o Estado de Exceção. Os militares decidiam sobre a vida e a morte. Duas novas Constituições foram outorgadas a ferro e fogo: 1967 e 1969.

Ditadura não gosta de povo. De eleição!

Foi o nono golpe de Estado!

Pela teoria geral do Estado, como se sabe, na revolução, os que estavam embaixo na pirâmide econômica, social e política vão para cima. Por exemplo: A Revolução Francesa de 1789.O modo de produção mudou do feudal para o capitalismo. A burguesia que pertencia ao terceiro Estado passou a ter poder político.

Não foi isso que ocorreu em 1964. Não, mesmo! Também, chamar o ano de 1964, como alguns querem, de movimento é um eufemismo. É uma realidade paralela aos fatos históricos. Negacionismo histórico.

O general fato é que, sim, houve um golpe de Estado!

Continuamos. O ano era 2016. Tivemos um golpe branco ou golpe parlamentar com impeachment da presidenta. O pretexto para o impedimento: As pedaladas fiscais. Apesar do impedimento ser um processo político, é evidente, de que necessita de juricidade.

O que está atrás da moral? 

Ah, não se pode, também, esquecer do Twitter do então comandante do exército, em 2018, querendo tutelar o STF, à véspera do julgamento do HC do presidente Lula.

No Direito e na política não tem palavras inúteis.

Alerta ou ameaça? Afinal, a ditadura militar acabou em 1985, não é? Mas, será que na democracia americana um general dá alerta para a sociedade civil?

"É que ainda temos medo de golpe militar!"

Os militares, ah, os militares...Está bom, general! Foi uma alerta...

Chegamos aos tristes episódios do dia 8 de janeiro de 2023. Uma escancarada tentativa de golpe de Estado. A democracia em perigo. Todos fomos violentados. Foi copiado e colado, a invasão do capitólio, em 6 de janeiro de 2021.

É o capitólio brasileiro. Nota-se de que o mês da invasão aqui, é o mesmo de lá, vale dizer, janeiro. O dia, quase igual.

Bárbaros invadiram os prédios dos três poderes da república. Destruíram tudo que viam pela frente. Destruição fascista. Destilaram um ódio maior ao STF. O fascismo o elegeu como inimigo. É negacionismo jurídico. Não bastasse o negacionismo científico e histórico. 

Não há o direito fundamental de praticar atos terroristas. De tentar o golpe de Estado. De abolir o estado democrático de Direito. O povo tem o sagrado direito de democracia. Punir os responsáveis após o devido processo legal, é claro, com direito ao contraditório e à ampla defesa, para evitar novas ocorrências.

São inimigos da democracia. Traições à constituição jamais serão toleradas.

Conclusão

A sociedade civil e os poderes da república têm que se organizarem para proteger a democracia brasileira. Temos que estar sempre alertas e atuar preventivamente para evitar golpes de Estado.

O golpismo, infelizmente, está no DNA das nossas elites. É fato histórico. Episódios como o de 8 de janeiro e o plano golpista que pretendia, assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes são inaceitáveis no regime democrático.

Não podem jamais se repetir. Vale a pena estudar atentamente os golpes de Estado e tentativas de golpe, no Brasil, para que não ocorram nunca mais.

É a história se conectando com o Direito.

Golpe de Estado, nunca mais!

_____

Pequena História da Formação Social Brasileira, ALBUQUERQUE, Manoel Maurício, Graal, 1981.

Discricionaridade e Controle Judicial (MELLO, Celso Antônio Bandeira, p.67,2001)

FERNANDES, Cláudio. “Quantos golpes de Estado houve no Brasil desde a Independência?"; Brasil Escola. Disponível em:

https://brasilescola.uol.com.br/historia/quantos-golpes-estado-houve-no-brasil-desde-independencia.htm. Acesso em 11 de janeiro de 2023.

Renato Otávio da Gama Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Aplicação da lei 14.905/24: TST uniformiza correção monetária na Justiça do Trabalho

12/12/2024

A lei Federal do mercado regulado de carbono: breves comentários

12/12/2024

Adriane Galisteu e Ayrton Senna tinham uma união estável?

12/12/2024

O sentido da vida é fazer sentido a outras vidas?

13/12/2024

Tema 863 STF: O entendimento do STF quanto a limitação dos patamares da multa punitiva qualificada

13/12/2024