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Seria o contrato de investimento conversível uma evolução do mútuo conversível?

O CICC moderniza investimentos em startups, reduz riscos e oferece segurança jurídica. Será ele o futuro dos contratos de aporte?

21/11/2024

Eric Ries define uma startup como uma instituição humana criada para desenvolver novos produtos e serviços em condições de extrema incerteza. Nesse cenário, o futuro dessas empresas é incerto e o ritmo das mudanças é acelerado. 

No Brasil, o marco legal das startups estabeleceu uma definição clara dessas organizações, trazendo requisitos e contornos que caracterizam seu modelo de negócios. Segundo o art. 4º do referido marco, são enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja principal característica é a inovação aplicada ao modelo de negócios, produtos ou serviços.

Para essas empresas, que estão em fase inicial, a captação de recursos costuma começar com o próprio fundador. No entanto, é evidente que, para sustentar e escalar seu crescimento, o aporte de capital externo é indispensável. Assim, torna-se necessário que existam agentes dispostos a investir em ideias inovadoras e arriscadas, apostando no potencial de crescimento desses negócios.

Com o objetivo de proporcionar maior previsibilidade e segurança jurídica aos atores desse ecossistema, o marco legal das startups regulamentou, de forma exemplificativa, em seu art. 5º, as principais formas de investimento. Entre elas, destacam-se: contrato de opção de subscrição de ações ou quotas, contrato de opção de compra de ações ou quotas, debênture conversível, contrato de mútuo conversível em participação societária e o contrato de investimento-anjo. Dentre esses, o mútuo conversível é o mais comumente utilizado pelas startups no Brasil.

No CC, o contrato de mútuo é definido pelo art. 586 e seguintes como aquele em que uma das partes empresta dinheiro ou outra coisa fungível a outra, que tem a obrigação de restituir o valor emprestado ou um equivalente de mesma espécie e qualidade.

Em termos práticos, no ecossistema das startups, o mútuo é visto como um empréstimo de capital, onde o investidor (mutuante) pode escolher entre receber o valor de volta ou convertê-lo em participação societária. Embora amplamente utilizado, o mútuo conversível apresenta desafios, como a caracterização da dívida e a incerteza sobre a conversão em participação acionária. 

Como a natureza do mútuo é a de um empréstimo, se as condições acordadas não forem cumpridas ou o sucesso esperado não for alcançado, o investidor pode cobrar a dívida, ou, em alguns casos, optar por perdoá-la. Essa configuração frequentemente leva a disputas judiciais, onde o investidor busca a restituição do valor emprestado.

Diante dessas complexidades, o projeto de lei complementar 252/23, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, propõe a introdução do CICC - Contrato de Investimento Conversível em Capital Social, inspirado no modelo americano SAFE - Simple Agreement for Future Equity. O CICC se diferencia por ser um instrumento patrimonial, e não uma dívida, o que significa que ele não cria um passivo para a startup nem um crédito líquido e exigível para o investidor. A conversão do investimento em capital social ocorrerá conforme as condições previstas no contrato, e o valor do CICC não será atualizado nem renderá juros ou outras remunerações.

A comparação entre o mútuo conversível e o CICC evidencia diferenças fundamentais. Enquanto o mútuo é tratado como uma dívida, conforme o art. 586 do CC, o CICC se afasta dessa caracterização, oferecendo maior segurança jurídica ao reduzir a responsabilidade patrimonial da startup até o momento da conversão em capital social, eliminando, pois, o risco de cobrança de dívida, o que representaria uma vantagem significativa para a startup.

Em termos tributários, o mútuo apresenta questões como a tributação tanto no perdão da dívida quanto na conversão em participação societária, além da possível incidência de IOF.

Em contrapartida, o CICC, na proposta inicial do PLC 252/23, não gerava efeitos tributários, tornando-se uma opção mais vantajosa. Contudo, essa disposição foi alterada durante o trâmite legislativo, sugerindo que ainda haverá necessidade de ajustes regulatórios.

A extinção do contrato também varia entre as modalidades. No mútuo, pode ocorrer pela conversão em participação, pelo pagamento da dívida ou pelo seu perdão, sendo essa última opção sensível do ponto de vista tributário devido à incidência de ITCMD. No caso do CICC, a extinção só ocorre em situações específicas, como a dissolução da empresa ou a desclassificação da startup no marco legal, sendo um mecanismo mais estável e menos oneroso em termos fiscais.

Por fim, o valuation no mútuo conversível é determinado no momento da celebração do contrato, enquanto no CICC é avaliado em eventos futuros, o que oferece mais flexibilidade ao permitir que o valor da empresa seja ajustado em momentos estratégicos.

Em síntese, o CICC surge como uma alternativa mais moderna e adaptada ao ambiente de inovação das startups, especialmente por oferecer maior segurança jurídica e menores riscos tributários. No entanto, a aceitação desse novo instrumento ainda dependerá da forma como os agentes do ecossistema o interpretarão. 

Lucas Bezerra Vieira
Advogado especializado em startups e novas tecnologias. Sócio do Barbosa Bezerra Lima Advocacia e Diretor Jurídico do Grupo MEDCOF.

Francisca Alana Silva
Especialista em Propriedade Intelectual, Contratos e Direito Digital

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