O Perse - Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos foi criado para fornecer alívio fiscal ao setor de eventos, gravemente impactado pela pandemia de COVID-19. Os benefícios incluíam a redução a zero das alíquotas de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, com o objetivo de mitigar os prejuízos econômicos. No entanto, as recentes mudanças introduzidas pela medida provisória 1.202/23 e pela lei 14.859/24 trouxeram novas restrições e requisitos, alterando significativamente as condições originais do programa. Essas modificações levantam questões sobre a aplicação do art. 178 do CTN e o princípio da segurança jurídica, fundamentais para a proteção dos direitos dos contribuintes.
A questão central reside na compatibilidade dessas alterações com as proteções legais oferecidas pelo art. 178 do CTN e pela súmula 544 do STF. Ambas as normas protegem isenções fiscais concedidas por prazo certo e sob condições específicas, impedindo sua revogação ou modificação antes do término do prazo estipulado. Dentre as mudanças controversas estão a redução das atividades econômicas elegíveis para os benefícios, a imposição de um limite financeiro para os incentivos e a exigência retroativa de inscrição no CADASTUR - Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos.
É crucial avaliar se essas alterações desrespeitam a expectativa legítima dos contribuintes, que planejaram suas atividades com base nas regras inicialmente estabelecidas. A discussão sobre a equiparação entre isenção fiscal e alíquota zero é particularmente relevante, pois ambos os mecanismos buscam a desoneração tributária, ainda que por vias diferentes. A análise da jurisprudência, incluindo decisões do STJ e do STF, será essencial para fundamentar a argumentação sobre a inconstitucionalidade das mudanças no Perse, destacando a importância da proteção à segurança jurídica e aos direitos adquiridos.
Impacto das alterações legislativas no Perse
Restrição dos benefícios fiscais e as novas exigências para os contribuintes
As recentes alterações legislativas impuseram significativas restrições ao Perse, alterando os critérios subjetivos e objetivos para a concessão de benefícios fiscais. Originalmente, a lei 14.148/2021 identificou um conjunto específico de atividades econômicas, por meio dos seus respectivos CNAEs, que seriam beneficiadas com a alíquota zero para tributos federais, e estabeleceu um período de cinco anos para a fruição desses benefícios, criando uma expectativa de estabilidade e previsibilidade para os contribuintes.
No entanto, a medida provisória 1.202/23, convertida na lei 14.859/24, introduziu mudanças substanciais que restringiram consideravelmente o escopo dos beneficiários. Entre as alterações, houve uma redução no número de atividades econômicas elegíveis, afetando diretamente o universo de empresas que poderiam ser beneficiadas. Além disso, foi imposto um teto de R$ 15 bilhões para os incentivos fiscais, estipulando que o programa seria encerrado ao atingir esse limite.
Adicionalmente, foram introduzidas novas exigências, como a necessidade retroativa de inscrição no cadastur para determinadas atividades e a obrigatoriedade de habilitação prévia para a fruição dos benefícios fiscais, incluindo a adesão ao TDE - Domicílio Tributário Eletrônico e a regularidade fiscal. Tais requisitos, inexistentes na legislação original, complicam ainda mais o cenário para os contribuintes.
Outro aspecto problemático foi a diferenciação de tratamento entre empresas tributadas pelo lucro real e pelo lucro presumido. Enquanto as empresas sob o regime de lucro presumido poderiam continuar usufruindo dos benefícios fiscais para todos os tributos, as empresas no regime de lucro real teriam esses benefícios restritos apenas ao PIS e à COFINS a partir de 2025.
Essas modificações, ao alterarem as regras estabelecidas, comprometeram a confiança dos contribuintes no sistema e a estabilidade jurídica que deveria reger a aplicação do Perse, tornando necessária uma reavaliação das novas disposições à luz dos princípios de segurança jurídica e igualdade tributária.
Análise jurídica do art. 178 do CTN e do conceito de alíquota zero
Proteção dos direitos dos contribuintes e a jurisprudência relacionada
O art. 178 do CTN é uma norma essencial para garantir a segurança jurídica no sistema tributário brasileiro. Ele protege os contribuintes ao estabelecer que isenções fiscais concedidas por prazo certo e sob condições específicas não podem ser revogadas ou alteradas antes do término do prazo determinado. Essa proteção é fundamental para que os contribuintes possam planejar suas atividades econômicas com segurança, baseando-se nas normas tributárias vigentes, sem o risco de enfrentar mudanças inesperadas que possam prejudicar seus negócios.
No contexto do Perse, instituído pela lei 14.148/21, foram concedidos benefícios fiscais significativos, incluindo a redução a zero das alíquotas de tributos federais. Esses benefícios foram condicionados à manutenção de determinadas atividades econômicas e à inscrição no cadastur , e foram estabelecidos pelo prazo determinado de cinco anos. Essa estrutura criou uma expectativa de estabilidade para os contribuintes.
A discussão sobre a equiparação entre isenção fiscal e alíquota zero é relevante nesse contexto. Embora tecnicamente distintos, ambos resultam na desoneração tributária. No voto divergente do julgamento de 5004350-24.2013.4.04.7113/RS, relatado pelo desembargador Federal Roger Raupp Rios, do TRF da 4ª região, argumentou-se que, quando a legislação estabelece uma alíquota zero vinculada ao cumprimento de certos requisitos, essa condição se assemelha a uma isenção fiscal concedida sob condições específicas e por prazo certo. Assim, o art. 178 do CTN deve ser aplicado para proteger o direito dos contribuintes contra mudanças súbitas e desfavoráveis nas normas tributárias.
Essa interpretação é corroborada pela ministra Regina Helena Costa, do STJ, que, no julgamento do REsp 1.845.082, equiparou os conceitos. Vejamos:
“a aplicação do art. 178 do Código Tributário Nacional à hipótese de fixação, por prazo certo e em função de determinadas condições, de alíquota zero da Contribuição ao PIS e da Cofins é justificada, pois os contribuintes, tanto no caso de isenção quanto no de alíquota zero, encontram-se em posição equivalente quanto ao resultado prático do alívio fiscal.”
Como se não bastasse, essa visão está em conformidade com a súmula 544 do STF, que estabelece que “as isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.”
Assim, aplicando esses princípios ao caso do Perse, observa-se que as mudanças legislativas que introduziram novos requisitos e modificaram as atividades econômicas elegíveis comprometem a segurança jurídica e a confiança legítima dos contribuintes, sendo certo que a revogação ou alteração dessas condições antes do término do prazo de cinco anos, conforme estabelecido originalmente, representa uma violação ao art. 178 do CTN.
Portanto, qualquer modificação desses benefícios fiscais antes do prazo estipulado, claramente, viola o art. 178 do CTN e o entendimento jurisprudencial consolidado.
Insegurança jurídica causada pelas modificações no Perse
Consequências das alterações legislativas para o ambiente econômico e a confiança dos contribuintes
Outrossim, as recentes modificações legislativas introduzidas pela medida provisória 1.202/23 e pela lei 14.859/24, ao alterar as condições do Perse, criaram um cenário de insegurança jurídica para os contribuintes. Essa insegurança resulta da alteração das regras previamente estabelecidas, sem uma justificativa clara ou razoável, e da imposição de novas condições e restrições que não estavam previstas na legislação original. A segurança jurídica é um princípio fundamental do direito tributário, essencial para o planejamento e a previsibilidade das atividades econômicas dos contribuintes.
Isto, pois, as empresas que, confiando nas condições originalmente estabelecidas, fizeram investimentos e planejaram suas atividades para o período de cinco anos de vigência do Perse, agora se veem confrontadas com a possibilidade de perda dos benefícios fiscais. Essa situação não apenas desestabiliza o ambiente econômico, mas também prejudica a competitividade das empresas que contavam com esses incentivos para superar os desafios impostos pela pandemia de COVID-19.
Desta forma, a introdução de um teto de R$ 15 bilhões para os incentivos fiscais e a redução do número de CNAEs elegíveis criam um ambiente de incerteza, onde as empresas não sabem se poderão continuar a usufruir dos benefícios fiscais até o final do período originalmente previsto. Além disso, a exigência retroativa de inscrição no cadastur para algumas atividades adiciona uma camada extra de complexidade, especialmente para aquelas empresas que, à época da edição da legislação original, não tinham essa inscrição que nunca foi obrigatória.
Outrossim, a diferenciação entre empresas tributadas pelo lucro real e pelo lucro presumido, por exemplo, cria uma situação de desigualdade que não estava prevista na legislação original, violando o princípio da isonomia, que exige que contribuintes em situações similares sejam tratados de forma igual. Além disso, a introdução de um teto financeiro para os incentivos fiscais também cria uma situação de incerteza, onde algumas empresas podem ser excluídas dos benefícios simplesmente porque o limite de custo fiscal foi atingido.
Assim, torna-se clara a insegurança jurídica causada pelas alterações do Perse, na medida de que a previsibilidade das normas é essencial para que as empresas possam planejar suas operações de forma eficiente e conforme as expectativas legais. A ausência de previsibilidade e a constante mudança nas regras do jogo minam a confiança no sistema jurídico e dificultam o cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes.
Conclusão e reflexões finais
A importância da estabilidade nas normas tributárias e a proteção dos direitos adquiridos
A análise das recentes alterações no Perse, à luz do art. 178 do CTN e da jurisprudência do STJ e do STF, revela uma série de questões jurídicas críticas. As mudanças legislativas, incluindo a redução das atividades econômicas elegíveis, a imposição de um teto financeiro para os incentivos e a exigência retroativa de inscrição no cadastur, suscitam preocupações significativas sobre a segurança jurídica e a proteção dos direitos dos contribuintes.
O art. 178 do CTN desempenha um papel crucial ao garantir que isenções fiscais concedidas por prazo certo e sob condições específicas não possam ser revogadas ou alteradas antes do término do prazo estabelecido. Essa norma visa assegurar que os contribuintes possam planejar suas atividades econômicas com previsibilidade e segurança. No caso do Perse, as modificações implementadas comprometem a estabilidade esperada pelos contribuintes, que haviam estruturado seus negócios com base nas condições originalmente estabelecidas.
A equiparação entre isenção fiscal e alíquota zero é um aspecto fundamental dessa discussão. Apesar das distinções técnicas, ambos os mecanismos resultam na desoneração tributária, o que justifica a aplicação das proteções do art. 178 do CTN. As decisões do STJ e do STF reforçam a necessidade de reconhecer que mudanças nas condições de benefício fiscal, especialmente quando vinculadas a certas condições, não podem ser feitas de maneira arbitrária ou inesperada, sob pena de violar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima dos contribuintes.
Além disso, as alterações introduzidas, ao diferenciarem entre regimes tributários e imporem novos requisitos, como a inscrição retroativa no cadastur, adicionam uma camada de complexidade e incerteza que desestabiliza o ambiente econômico. A insegurança jurídica resultante dessas mudanças prejudica a competitividade das empresas e mina a confiança no sistema jurídico, essencial para o funcionamento justo e eficiente do mercado.
Em suma, as modificações no Perse, ao desconsiderarem as garantias legais de estabilidade e previsibilidade, comprometem a confiança dos contribuintes no sistema tributário brasileiro. Para preservar a justiça fiscal e a segurança jurídica, é imperativo que qualquer alteração legislativa respeite os direitos adquiridos e as expectativas legítimas dos contribuintes, conforme estabelecido pelas normas vigentes e pela interpretação consolidada dos tribunais superiores.