O ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação é um tributo que incide sobre a transferência de bens, como imóveis, veículos ou direitos, em situações de herança ou doação. Sua base legal está prevista no artigo 155, inciso I, parágrafo 1º da CF/88. A arrecadação do ITCMD é de competência dos Estados e do Distrito Federal, que o cobram de acordo com a localização dos bens ou o domicílio do doador ou falecido.
Contudo, o ITCMD levanta questões significativas no campo jurídico, especialmente em relação à sua aplicação em casos de bens localizados no exterior. A CF/88 estabelece que a cobrança desse tributo sobre bens situados fora do Brasil só poderia ocorrer mediante a edição de uma lei complementar (155, inciso I, parágrafo 1º, inciso III). No entanto, até o momento, essa lei não foi editada, criando um vácuo normativo que gera diferentes interpretações por parte de alguns Estados.
Ao longo dos últimos anos, alguns Estados brasileiros começaram a tentar aplicar o ITCMD em situações que envolvem bens localizados no exterior, com base na interpretação de que, na ausência de uma legislação específica, seria possível estender a aplicação do imposto. Essa iniciativa acabou sendo questionada no STF, culminando no julgamento do tema 825, que determinou que na ausência da lei complementar exigida pela Constituição, a cobrança do ITCMD em bens localizados no exterior é inconstitucional. Ou seja, sem uma regulamentação adequada, os Estados brasileiros não têm o direito de exigir esse imposto em transações que envolvam bens fora do país.
A situação mudou com a promulgação da lei complementar 132, que trouxe uma nova perspectiva para essa discussão, ao introduzir uma norma transitória que permite a cobrança do ITCMD em determinados casos. Além disso, o art. 16 busca preencher o vazio deixado pela ausência da lei complementar e permite que o imposto seja cobrado pelo menos se um dos três envolvidos na transação — o bem, o doador ou o donatário — estiver localizado no Brasil. Isso significa que, mesmo que o bem esteja situado fora do país, o imposto pode ser cobrado se o doador ou o donatário tiverem domicílio no Brasil.
Essa medida pode ser vista como uma forma de garantir que o tributo continue a ser arrecadado, mesmo em casos de heranças ou doações que envolvem bens no exterior, desde que haja um vínculo territorial com o Brasil.
Por exemplo:
- Se o bem estiver localizado no exterior, o donatário residir no exterior, mas o doador morar no Paraná, o Estado do Paraná terá competência para cobrar o imposto.
- Se o bem estiver no exterior, o donatário residir no Paraná e o doador morar em Londres, o Estado do Paraná também terá a competência para exigir o ITCMD.
A norma transitória pode vir a ser contestada judicialmente, dada a sua natureza provisória e a ausência de uma lei complementar que preencha de forma definitiva vácuo legal. Além disso, pode gerar insegurança jurídica em situações anteriormente isentas. A verdade é que o legislador já mostrou que tem interesse em tributar bens no exterior e está pavimentando o caminho para isso.
Paralelamente à criação da norma transitória, a discussão sobre o ITCMD foi incluída na segunda fase da reforma tributária, por meio do Projeto de Lei 108/2024. Esse projeto, que já teve seu texto-base aprovado pela Câmara dos Deputados, traz mudanças importantes para modernizar o sistema tributário brasileiro.
O PL 108/24 regulamenta a criação e a gestão do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e propõe ajustes nas regras de incidência do ITCMD. De acordo com o texto aprovado, as regras sobre bens imóveis permanecem válidas: a competência será do Estado onde o bem estiver localizado. Para bens móveis, no entanto, o projeto traz uma inovação importante: independentemente de onde estiver localizado o bem, o ITCMD será devido ao Estado onde reside o doador, ou ao Estado onde reside o donatário, caso o doador more no exterior.Um exemplo prático seria se o doador reside no exterior, mas o donatário mora no Brasil, o Estado brasileiro onde reside o donatário terá a competência para cobrar o imposto, mesmo que o bem esteja fora do país. Essa mudança simplifica o processo representa um avanço na tentativa de harmonizar as regras de cobrança especialmente em transações internacionais.
A introdução de uma norma transitória foi uma tentativa de antecipar uma solução que ainda não foi plenamente desenvolvida. Embora o legislador tenha mostrado interesse em tributar bens no exterior, essa transição ainda carece de uma base jurídica sólida e de um marco regulatório.
Outro desafio é a possibilidade de judicialização das novas regras, especialmente no que diz respeito à constitucionalidade da norma transitória. A decisão do STF sobre o tema 825 ainda serve como um importante precedente, o que pode levar a novos conflitos legais entre contribuintes e Estados que tentarem aplicar o ITCMD com base nessa nova regulamentação.
A regulamentação definitiva que resolverá as lacunas existentes esta representada no texto do PL 108/24, já aprovado pela Câmara dos Deputados e que segue para a votação no Senado Federal. Ainda há um caminho a ser percorrido para garantir que o imposto seja aplicado de forma justa e constitucional e ofereça segurança jurídica tanto para os Estados quanto para os contribuintes.