Já faz algum tempo que o setor de shopping centers apresenta um gargalo preocupante a ser administrado, que cuida do alto custo dos encargos locatícios suportados pelos lojistas lá instalados. Como regra, além do aluguel (mínimo, percentual e em dobro em dezembro), o lojista arca com as despesas referentes aos encargos comuns (verba que tem natureza condominial), fundo de promoção e encargos específicos (água, energia, ar condicionado, IPTU etc.), todos representativos.
Do ponto de vista dos comerciantes, as queixas são diversas sobre o tema, especialmente, no que tange ao elevado desembolso com os encargos, além de reclamações acerca da pouca eficiência e transparência na gestão das contas.
O problema é tal que não é surpresa nos depararmos com lojas cujos valores de encargos comuns/condomínio são maiores que o aluguel, bem como negociações entre lojistas e empreendedores que delimitam um percentual sobre o faturamento a título de ocupação total, porém com a garantia do pagamento dos encargos comuns.
Partindo-se da ideia de que a legislação é omissa quanto às regras envolvendo o rateio condominial entre os lojistas instalados em shopping centers, não há dúvida que deve ser observado o princípio da isonomia, quando da determinação dos coeficientes de rateio das lojas, ou seja, deve ser dado um tratamento igualitário entre os lojistas, a fim de que, cada um, suporte, proporcionalmente, o que gera de despesa, sendo essa a expectativa dos comerciantes quando adentram nos empreendimentos.
Depois da celebração da avença, é conferido ao locatário o direito de obter do locador a completa prestação de contas das despesas cobradas, com o fito de verificar a regularidade da cobrança e a aplicação das verbas arrecadadas. Conforme o art. 550 do CPC o autor da ação deverá especificar, de forma detalhada, as razões pelas quais exige as contas, ou seja, neste item, é interessante os lojistas, principalmente aqueles integrantes de redes, compararem as quantias cobradas pelos shoppings com o mesmo perfil. Notando-se discrepância nos lançamentos, cumpre ao inquilino buscar os devidos esclarecimentos junto à administração do centro de compras, inclusive para sanar eventual falha na apuração do valor lançado.
Recentemente (9/24), o STJ proferiu uma decisão em sede de agravo interno no agravo em REsp 2408594 - SP – relator ministro João Otávio de Noronha, na qual julgou extinta sem julgamento do mérito ação de exigir contas (antiga ação de prestação de contas) ajuizada por lojista estabelecido em shopping center, sob o fundamento de que o “condômino, individualmente, não possui legitimidade para propor ação de prestação de contas, pois a obrigação do síndico é de prestar as contas à assembleia de condomínio”, à luz do art. 22, parágrafo primeiro, “f”, da lei 4.591/64.
Ocorre que, data venia, a referida decisão está equivocada, senão vejamos:
O lojista que requereu a prestação de contas não é condômino, ou seja, não é proprietário do espaço onde se encontra o seu comércio. Assim, não há que se falar na incidência da lei 4.591/64, a qual dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
De fato, o citado comerciante é inquilino do respectivo shopping center, de acordo com o contrato de locação juntado aos autos do processo. Sendo assim, devem ser observados os arts. 22, incisos VI e IX, e 54, parágrafo segundo, da lei 8.245/91 (lei do inquilinato), os quais conferem a legitimidade “ad causam” para os lojistas ajuizarem a ação de exigir contas, juntamente com o art. 550 e seguintes, do CPC.
O próprio STJ possui jurisprudência consolidada neste sentido: Vide agravo em REsp 2205835 - RJ (2022/0284149-4), prolatado em maio de 2023 e o REsp 2.003.209 – PR, prolatado em setembro de 2022.
Pelo exposto, o acórdão ora tratado não modifica o entendimento pacificado até então. Além do mais, seria muito prejudicial aos lojistas que figuram como locatários de espaços situados em centros de compras perderem o direito de exigir a abertura das contas condominiais e outras a título de encargos locatícios, considerando que é a única forma existente para disciplinar os empreendedores/locadores e incentivar a eficiência na gestão dos recursos.