Migalhas de Peso

Poxa, papai noel! Por favor: Ajuda aí os advogados

Mais respeito à Constituição, às prerrogativas da advocacia e ao novo Código de Processo Civil.

13/11/2024

Já montei a minha árvore de Natal. Liguei às luminárias, à noite, na varanda. É para o Papai Noel não errar o meu endereço. Vem, Natal! Natal é festa de Luz! Há sempre uma esperança! Me veio à lembrança o tempo de criança.  Era Natal sempre!

Será que Papai Noel vem? Será? De qualquer forma fica sempre aberta a porta da cozinha para facilitar o Bom Velhinho. Como ele vem de muito longe já deixo umas rabanadas e bolinhos de bacalhau à mesa.

Fiz uma cartinha ao velho Noel. Ele sabe muito bem que as coisas para os causídicos estão extremamente difíceis. Dureza.

Por isso, meu primeiro pedido: não esqueça dos mandados de pagamento dos advogados. Sabemos que, em regra, somente, um servidor faz os mandados de pagamento nos cartórios. Há poucos servidores. Não se faz concurso público.

Impressionante, Papai Noel: há mais estagiários nos cartórios do que serventuários. Um dia eles vão dominar o mundo. A propósito, o leitor do Migalhas, doutor Fernando Veloso, em comentário, disse que: 

"Estagiei em uma vara criminal e havia um estagiário do gabinete do juiz que tinha a alcunha de “indefiro”.

Ah, Noel, que tal, então, nessa época natalina, priorizar os mandados de pagamento, fazendo um mutirão, para que os causídicos consigam receber o dinheiro suado, e, celebrem o Natal com a ceia farta, sorrisos e abraços grandes de felicidades? 

Outro pedido: Que as prerrogativas dos advogados sejam mais respeitadas. Recentemente, violando os princípios da urbanidade e civilidade, uma promotora ofendeu advogados dizendo que “seguem o código da bandidagem”. Que absurdo!  Muito triste! Está criminalizando a advocacia. Gravíssimo. Está confundindo o causídico com o cliente.

Merece, sim, a promotora, ganhar um cartão vermelho do Conselho Nacional do Ministério Público, não é, Papai Noel? 

Tem mais, velho Noel: Certo dia, ao iniciar o depoimento, a magistrada alegou que não havia nenhuma necessidade da oitiva da parte. Às favas com o devido processo legal.

Como assim, doutora? Ponderei que, sim, havia relevância em esclarecer e jogar luz em fatos importantes.

Então, a magistrada disse: “Eu sou a presidente do processo”. Já quis dar uma “carteirada”. Eu respondi: sou advogado essencial à justiça. Ao menos é o que diz a CF/88, não é? Ficou um silencio na sala. O Ministério Público, como fiscal da lei, fez cara de paisagem.

Cá para nós: o nome dessa postura da julgadora, em tentar não permitir o depoimento pessoal, é “juizite”. Esse autoritarismo e arrogância, infelizmente, por vezes, ocorre no Judiciário.

Ah, meu bom velhinho, que seja permitido a sustentação oral presencial nos tribunais.

Essa sagrada prerrogativa da advocacia, quase não existe. Sessão virtual, mesmo por videoconferência, jamais é igual a sessão presencial.

Mas, o advogado não é indispensável à justiça? Ao menos é o que diz o art. 133 da CF, certo?

Papai Noel, por favor, ajuda aí os advogados. Venha nos iluminar dando luz à cegueira processual. Sou constitucionalista, garantista e flamenguista, que, aliás, conquistou o título da Copa Brasil,  por isso, meu próximo pedido é que haja respeito à Constituição. Que a Constituição seja cumprida pelos tribunais.   

A propósito, a Constituição não é uma folha de papel, como dizia Lassale. É a norma fundamental de um Estado.  Não é poesia. Aliás, poesia é o meu livro: Quase Feliz! A Constituição, sim, tem força normativa. (Konrad Hesse)

Por falar em feliz, há o direito fundamental à busca pela felicidade, o qual está implícito no artigo 1º, III, CF/88. Não é que a CF/88 num passe de mágica vai tornar todo mundo feliz da noite para dia. Não é isso.

Mas todos têm o sagrado direito de buscar à felicidade. Vale lembrar que assim decidiu o STF, no julgamento da ADPF 132, concernente à união homoafetiva, sendo relator o poeta e ministro Ayres Britto.  

A nosso sentir, o direito à felicidade decorre do dever do Estado de promover o bem comum de todos e de garantir o respeito à dignidade. Aliás, esse é o fim do Estado, não é?   

Pois é.  Não dá para ser feliz sem um mínimo existencial como o direito: à saúde, à educação, à alimentação, ao trabalho e à moradia. Como diz o poeta Djavan: Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar. Sabe lá...

Uma coisa: vale rememorar que o direito à felicidade consta no preâmbulo da Declaração de Independência dos Estados Unidos do ano de 1776: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.”

Para não cair no esquecimento, querido Noel: Como tem gente que odeia a carta magna. Pedem o fim das cláusulas pétreas. Fechamento do STF.  Defendem golpe de Estado. Ditadura. Tortura. Volta do AI-5. Me dá um arrepio na alma quando ouço isso.

Incrível:  tem até jurista que interpreta o art. 142 da CF dizendo que as Forças Armadas são poder moderador! Ora, as Forças Armadas são instituições nacionais permanentes, essências no Estado Democrático de Direito, e destinam-se à defesa da pátria. Ponto final.

 Mas daí dizer que são poder moderador é forçar a barra. É o "terraplanismo" jurídico.

Misericórdia! Pode isso, Papai Noel!

Querido Noel, você bem que podia fazer com que os tribunais cumprissem o art. 489, § 1º do novo CPC, que prevê:

  1. “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
  2. se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
  3. empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
  4. invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
  5. não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
  6. se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
  7. deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Poxa, Papai Noel, por favor, não mais permita as maldades jurídicas, vale dizer, a jurisprudência defensiva que copia e cola e sai “decidindo”, que uma decisão seja “fundamentada” no livre convencimento, onde milhares de pessoas estão perdendo direitos! Que os recursos sejam “decididos” em poucas linhas.  dizendo que:

“Adequado o juízo de inadmissão. Nada a ser retratado. Diante da interposição do recurso de agravo, remetam-se os autos ao Tribunal Superior competente, nos termos do art. 1.042 do CPC.”

Ou que: “Configura apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição e que seria necessário analisar a causa à luz da interpretação dada à legislação infraconstitucional pertinente e reexaminar os fatos e as provas dos autos, o que não é cabível em sede de recurso extraordinário, nos termos da súmula 279 /STF”.

Mais um pedido: que o julgador não dê um drible nos embargos de declaração simplesmente dizendo que: “Não se está diante das hipóteses de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão e que se está inconformado com a sentença, deve postular sua reforma através do meio processual cabível, sendo inadmissível para tanto o presente recurso”.

Pois é, velho Noel.  Isso é suprimir uma instância. Não há debate. É um faz-de-conta. É de uma obviedade óbvia que o mínimo que se esperava do tribunal era que enfrentasse os argumentos. Ao menos para dizer que estavam equivocados.

No mais, querido Papai Noel, tomara que você passe em todos os lares brasileiros. Ah, andam dizendo por aí que o preço das cestas natalinas pode ficar, em dezembro, 15% mais caro que ano passado.

Poxa, Papai Noel, não deixe que isso aconteça.    

Feliz Natal, aos editores e leitores do Migalhas! 

Renato Otávio da Gama Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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