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Preço médio ponderado a consumidor final e a base de cálculo presumida do ICMS-ST no Estado de São Paulo

O preço médio ponderado como base de cálculo do ICMS-ST e a necessidade de se respeitar o contraditório e a ampla defesa nas hipóteses de lançamento tributário de Ofício.

8/11/2024

De competência dos Estados e do Distrito Federal, o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é um dos tributos mais complexos que compõem a carga tributária das empresas no Brasil. Dentre as mais variadas formas de arrecadação desse imposto, destacaremos a técnica da substituição tributária para frente. 

Usualmente chamado de ICMS-ST, essa modalidade de arrecadação transfere a responsabilidade do imposto para um único contribuinte, que deverá antecipar o pagamento do tributo por toda a cadeia de comercialização subsequente. Essa possibilidade foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pela EC 3/93 (§ 7º, art. 150 da CF/88). 

Segundo estabelecido pela Carta Magna, competirá à lei complementar, de âmbito nacional, estabelecer regramento sobre substituição tributária, bem ainda a respeito da base de cálculo da exação, por força da necessidade de se prevenir conflitos de competência entre unidades federadas e necessário estabelecimento de normas gerais sobre referido tributo para manter a uniformidade nacional e outorgar segurança às relações jurídicas (art. 146, incisos I e III, CF/88).

Tal incumbência foi cumprida pela LC 87/96, denominada de lei Kandir, que, em seu art. 8º, passou a prescrever que, nos casos de substituição tributária, a base de cálculo, no que tange aos fatos jurídicos presumidos, será obtida da seguinte maneira: somar-se-á (i) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ao (ii) montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço e, por fim, (iii) à margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes. 

Ocorre que a mesma lei admite ser possível a adoção de base de cálculo diversa em outras três situações, contidas nos parágrafos segundo, terceiro e sexto do sobredito art. 8º da lei Kandir, prevendo que, (i) em havendo mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, será o referido preço por ele estabelecido, (ii) que, existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço ou que (iii) poderá ser o preço a consumidor final usualmente praticado no mercado considerado, relativamente ao serviço, à mercadoria ou sua similar, em condições de livre concorrência, adotando-se para sua apuração as regras estabelecidas no § 4º deste artigo.

Referido §4º, que cuida de estabelecer regramento para fins de identificação da margem de valor agregado, prescreve que essa deverá ser estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo existir previsão legal a respeito dos critérios para sua fixação.

A legislação do Estado de São Paulo tratou dos critérios indicados na legislação Federal para aferição do preço médio ponderado nos arts. 28B da lei estadual 6.374/89.

De acordo com a norma, a legislação poderá fixar como base de cálculo do imposto em relação às operações ou prestações subseqüentes a média ponderada dos preços a consumidor final usualmente praticados no mercado considerado, apurada por levantamento de preços, ainda que por amostragem ou por meio de dados fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores. (art. 28B).

Ademais, o parágrafo primeiro ressalta que o levantamento de preços: (i) deverá apurar, no mínimo, o preço de venda à vista no varejo, incluindo o frete, seguro e demais despesas cobradas do adquirente; (ii) não deverá considerar os preços de promoção, bem como aqueles submetidos a qualquer tipo de comercialização privilegiada; (iii) poderá ser promovido pela Secretaria da Fazenda ou, a seu critério, por entidade representativa do setor que realiza operações ou prestações sujeitas à substituição tributária; (iv) poderá ser adotado pela Secretaria da Fazenda com base em pesquisas já realizadas por instituto de pesquisa de mercado de reputação idônea.

Ato contínuo, o parágrafo segundo prevê que na hipótese de o levantamento de preços ser promovido por entidade representativa de setor, este deverá ser realizado por instituto de pesquisa de mercado de reputação idônea, desvinculado da referida entidade, devendo ser encaminhado à Secretaria da Fazenda para efeitos de subsidiar a fixação da base de cálculo do imposto, acompanhado: 1. de relatório detalhado sobre a metodologia utilizada; 2. de provas que demonstrem a prática dos preços pesquisados pelo mercado.

Por fim, o parágrafo terceiro do mencionado artigo, dispõe que a Administração Tributária poderá utilizar os dados fornecidos por contribuintes de um determinado setor da economia, em atendimento a obrigações acessórias, fixadas na forma da legislação.

Portanto, a base de cálculo presumida do ICMS, apurada sob a técnica de substituição tributária, com fundamento no preço médio ponderado, deverá observar estritamente o disposto na legislação paulista.

Ocorre que a SEFAZ - Secretaria da Fazenda do Estado de Paulo edita portarias anualmente definindo o preço médio ponderado a consumidor final de diversos itens. Essas portarias, fazem menção aos seus respectivos anexos, onde é possível o contribuinte consultar o preço médio ponderado. 

A portaria SRE 64/23, por exemplo, que estabelece a base de cálculo do imposto na saída de medicamentos de uso humano e outros produtos farmacêuticos, prevê em seu inciso I, art. 1º: tratando-se de medicamentos, conforme definido na legislação Federal, o PMPF - Preço Médio Ponderado a Consumidor Final indicado no Anexo Único;

Ao analisar o “Anexo Único” é possível identificar um extenso rol de produtos farmacêuticos, um breve resumo de sua composição e na sequência a indicação do preço médio ponderado ao consumidor final. No entanto, tanto a portaria mencionada quanto as várias outras, relacionadas a outras produtos, não esclarecem se os critérios indicados na legislação paulista foram regiamente cumpridos quando da criação de seus anexos únicos, não havendo em nenhuma outra norma paulista a comprovação pelo Estado de São Paulo de que observou os critérios legais para aferição do preço médio ponderado constante no Anexo Único, tampouco é disponibilizado aos contribuintes a metodologia e as provas documentais de que o preço médio ponderado observou o art. 28 B da lei 6.374/89.

Então, em se utilizando o preço médio ponderado para apurar o ICMS-ST devido e em sendo tal ponderação rigidamente regulada por lei Federal e lei estadual, há a necessidade imperativa de se conceder ao contribuinte amplo acesso aos estudos, pesquisas e critérios realizados e adotados pelo fisco para se apurar a base de cálculo presumida prevista nessas portarias.

A lei Kandir, quando estabeleceu os quatro regramentos para fins de definição da base de cálculo do ICMS/ST, exigiu dos Estados que observe critérios a serem fixados na legislação, sendo óbvia a necessidade de se franquear ao contribuinte, principalmente àquele acusado de redução de tributos, as provas inequívocas de que o Estado cumpriu os critérios legais para aferição do preço médio ponderado, sob pena de infringência ao inciso LV do art. 5º da CF/88 e ao 2º da lei estadual 13.457/09.

Isso se agrava em grande parte porque as autuações pelo fisco paulista têm considerado, para fins de preço médio ponderado, os valores indicados nos anexos destas portarias para exigir, inclusive, multa do contribuinte que, hipoteticamente, teria reduzido tributo. A não demonstração pelo Estado de São Paulo e a não disponibilização da metodologia aplicada e da prova inequívoca de que os valores indicados nos anexos observaram as legislações pertinentes ao assunto, infringe o princípio do contraditório e da ampla defesa e, por consequência, do devido processo legal.   

O lançamento tributário é ato administrativo vinculado e obrigatório (art. 142 do CTN), de modo que cabe à autoridade administrativa observar a tipicidade cerrada, viabilizando ao contribuinte, em qualquer hipótese, os meios necessários para que ele possa verificar a legalidade do lançamento tributário e da aferição do valor do crédito tributário exigido.

Nesse sentido, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo vem decidindo pela aplicação do art. 142 do CTN: “considerando que a base de cálculo do ICMS-ST é caracterizada por sua provisorieda-de, garantindo-se a imediata e preferencial restituição da diferença entre a base fictícia e aquela de fato posteriormente apurada (ADI 2777/STF), a presente exigência, já consti-tuída após a concretização da operação subsequente, cuja base de cálculo fora presumi-da em valor superior ao da realidade (os exemplos dos preços dos medicamentes apre-sentados pela Recorrente são informações públicas e incontroversas), retira do lança-mento o requisito da liquidez que decorre do artigo 142 do CTN, mais precisamente o componente ‘determinação da base de cálculo’ para aferição do montante do crédito tributário” (Recurso Especial 4109306-9. 26/08/22. Câmara Superior. Relator Juliano Di Pietro).

Em outra oportunidade, a mesma Câmara Superior do Tribunal de Imposto e Taxas do Estado de São Paulo, nos autos do AIIM 4.062.686-6, de relatoria do ilustre julgador Orivaldo Peres, datada de 18/8/19, esclareceu que: (...) essa provisoriedade fica efetivamente demonstrada na composição dos valores da acusação fiscal de que trata o item I.1do AIIM. De acordo com o que pude concluir ao examinar a base de cálculo do ICMS-ST dos medicamentos que compuseram a infração (fls. 09 a 81) e os exemplos de preços de varejo dos mesmos medicamentos apresentados nos memoriais da recorrente, vejo que o crédito tributário não é factível e não reflete o verdadeiro preço de venda dos produtos aos consumidores finais. Há, portanto, discre-pâncias abissais entre a base de cálculo do ICMS-ST e o preço de venda praticado. (...) o lançamento tributário de que trata o item I.1 do AIIM não deve prosperar, sob pena de se mutilar a norma tributária extraída do art. 142, do Código Tributário Nacional (CTN)”. – Grifamos. 

Em suma, nos lançamentos tributários em que se acusa o contribuinte de redução de ICMS, na sistemática da substituição tributária para frente, cuja base de cálculo é o preço médio ponderado, é imperativo, sob pena de inconstitucionalidades e ilegalidades, que seja garantido ao contribuinte amplo e irrestrito acesso ao levantamento de preço realizado pelo Estado de São Paulo, acompanhado de relatório detalhado sobre a metodologia utilizada e de provas que demonstrem a prática dos preços pesquisados pelo mercado.

Saulo Vinícius de Alcântara
Sócio do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados. Especialista em Direito Tributário.

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