É comum que fornecedores realizem a cobrança de dívida dos consumidores, contanto que cumpram com o estabelecido nas normas brasileiras, principalmente o CC e o CDC. Para isso, certos meios são usados, como é no caso do Serasa SPC, “verbi gratia”. No presente artigo, visa-se compreender se é possível a cobrança extrajudicial de dívida prescrita.
De acordo com o art. 206, § 5º, I, do CC/02, o prazo prescricional para ajuizar uma ação de cobrança é de 5 anos, não se olvidando dos prazos específicos para cheque e aluguéis de imóveis, por exemplo. Caso a referida ação não seja ajuizada dentro do prazo correto, ocorrerá a perda da pretensão jurídica.
Ainda assim, discute-se no presente artigo a possibilidade de se cobrar extrajudicialmente uma dívida prescrita, tendo em vista a pretensão é jurídica. Destarte, os fornecedores recorrem ao Serasa Limpa Nome para que não sejam prejudicados pela falta de comprometimento dos consumidores em pagarem os débitos.
O objetivo do Serasa Limpa Nome é auxiliar aos devedores para que se livrem do endividamento, evitando a negativação. É possibilitado aos consumidores que negociem a dívida de forma gratuita. Sendo assim, o Serasa Limpa Nome funciona como um intermediador entre o consumidor e as empresas detentoras de dívidas.
Em recente julgado, a 3° turma do STJ decidiu que não é possível a cobrança extrajudicial de dívida prescrita, ensinando que não é necessária a retirada do devedor da plataforma Serasa Limpa Nome, tendo em vista que esta possibilita a negociação da dívida, ou seja, o devedor não é obrigado a negociar e celebrar acordos. Deste modo, a mera inclusão do devedor na referida plataforma não configura cobrança e nem se confunde com o cadastro de inadimplentes, que gera impacto no “score” do crédito dele. Ademais, a prescrição não extingue o débito, o qual continua à espera da quitação pelo devedor (consumidor) ou da renúncia do credor. Vejamos a ementa da decisão1:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PRESCRITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. COBRANÇA EXTRAJUDICIAL DE DÍVIDA PRESCRITA. IMPOSSIBILIDADE. SERASA LIMPA NOME. RETIRADA DO NOME DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE.
1. Ação de conhecimento, ajuizada em 15/1/2022, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 28/2/2023 e concluso ao gabinete em 7/11/2023.
2. O propósito recursal consiste em determinar se: a) o reconhecimento da prescrição impede a cobrança extrajudicial do débito; e b) a prescrição da dívida impõe a retirada do nome do devedor da plataforma Serasa Limpa Nome.
3. "Se a pretensão é o poder de exigir o cumprimento da prestação, uma vez paralisada em razão da prescrição, não será mais possível exigir o referido comportamento do devedor, ou seja, não será mais possível cobrar a dívida. Logo, o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito" (REsp n. 2.088.100/SP, Terceira Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 23/10/2023).
4. O chamado "Serasa Limpa Nome" consiste em plataforma por meio da qual credores conveniados informam dívidas - prescritas ou não - passíveis de transação com o objetivo de facilitar a negociação e a quitação de débitos pendentes, normalmente com substanciosos descontos. Não se trata de cadastro negativo e não impacta no score de crédito do consumidor, sendo acessível somente ao credor e ao devedor mediante login e senha próprios.
5. A prescrição da pretensão não implica a extinção do crédito (direito subjetivo), que continua a existir à espera do adimplemento voluntário ou de eventual renúncia à prescrição.
6. A prescrição da pretensão não implica a obrigação de retirada do nome do devedor da plataforma Serasa Limpa Nome, pois a mera inclusão não configura cobrança.
7. Na espécie, merece reforma o acórdão recorrido tão somente no que diz respeito à possibilidade de cobrança extrajudicial de dívida prescrita, pois, nos termos do entendimento já fixado por esta Terceira Turma, não é lícita a referida cobrança, não havendo, todavia, a obrigação de retirada do nome do devedor da plataforma Serasa Limpa Nome.
8. Recurso especial parcialmente provido para declarar a inexigibilidade judicial e extrajudicial da dívida apontada na inicial em virtude da prescrição.
Com o devido respeito à decisão e visando o debate, questiona-se certos pontos do v. acórdão.
Conforme o item 3, a prescrição não permite que a dívida seja cobrada, tanto de forma judicial quanto extrajudicial. No item 5, é dito que a prescrição da pretensão não implica a extinção do débito, que espera o adimplemento voluntário ou de eventual renúncia à prescrição. Percebe-se uma contradição, visto que, se não é possível cobrar a dívida, a existência do crédito é irrelevante, pois não pode mais afetar a esfera jurídica do credor ou do devedor.
Se a cobrança é indevida devido a perda da pretensão, a existência do débito se torna inútil para o campo jurídico. Logo, consequentemente, a perda da possibilidade de se exigir o cumprimento da prestação torna (indiretamente) extinta a dívida. Desta maneira, também se fala em direito ao esquecimento da dívida, o que impossibilitaria até mesmo a utilização do Serasa Limpa Nome, visto que, se não é correto cobrar a dívida, também não é correto possibilitar ao devedor acordo para que pague o débito devido, pois é uma forma indireta de se cobrar, ainda que não ocorra a inclusão em cadastro negativo e impacto no “score” do crédito do consumidor.
De acordo com a enciclopédia jurídica da PUC/SP2, Antônio Luis da Câmara Leal ensina que prescrição é “a extinção de uma ação ajuizável em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”. No programa Entender Direito, Bruno Zampier explicou que3:
A prescrição já foi a perda do direito de ação. Depois ela passou a ser a perda do próprio direito. Depois foi operada uma distinção entre prescrição e decadência, sendo que a prescrição recai sobre a pretensão e a decadência sobre direito potestativo. E, mais modernamente, a gente entende, na linha dos processualistas, que a prescrição é uma exceção, um direito de defesa que pode ou não ser oposto pelo réu quando demandado pelo autor.
O art. 189 do CC/02 disciplina que se o direito for violado, nascerá para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos determinados nos arts. 205 e 206 do referido código. É ensinado que, para se ter auxílio do Estado para resolução de conflitos, é necessário acionar o Poder Judiciário. Sendo assim, a prescrição não pode ser vista como um ataque ou castigo ao credor, que teve o seu direito violado, e sim uma defesa do devedor por aquele não ter se socorrido ao Poder Judiciário no tempo determinador por lei, ou seja, o prazo prescricional, todavia, isto não impediria a cobrança extrajudicial, esta que é uma tentativa amigável de resolver o conflito sem recorrer ao Estado-juiz.
Se a cobrança extrajudicial é indevida por causa da prescrição, a possibilidade de se disponibilizar a plataforma Serasa Limpa Nome para realizar acordos, ainda que o devedor não seja obrigado a negociar, também é indevida.
Outro ponto interessante é a suspensão e a interrupção da prescrição. Se estas não são afetadas pela cobrança extrajudicial, então o credor deve imediatamente acionar o Poder Judiciário para obter a satisfação do crédito, o que aumentaria o número de processos judiciais.
O objetivo do presente artigo não foi de criar confusão, e sim de alimentar o estudo do instituto da prescrição, visando sempre o desenvolvimento do direito brasileiro para melhor defesa dos fornecedores e consumidores.
O estudo sobre a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas revela importantes nuances no direito brasileiro, especialmente no que tange à interpretação da prescrição e sua aplicação nas relações de consumo. Embora a prescrição extinga a pretensão de cobrança, permitindo ao devedor a defesa (escudo) contra ações judiciais, ela não ocasiona a extinção do crédito. Desta maneira, o uso da plataforma Serasa Limpa Nome não configura uma cobrança indevida, todavia, o estímulo à negociação de dívidas prescritas deve ser visto com cautela, pois pode configurar uma forma indireta de cobrança.
Portanto, a reflexão sobre a compatibilidade entre o direito de defesa do devedor e a possibilidade de resolução amigável das pendências financeiras é essencial para o aprimoramento do sistema jurídico e da proteção ao consumidor no Brasil. É imprescindível o equilíbrio entre a defesa do consumidor e a preservação dos direitos dos credores, de modo que as soluções extrajudiciais sejam sempre pautadas pela transparência e pela boa-fé, respeitando os limites da prescrição.
___________
1. (REsp n. 2.103.726/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 17/5/2024.)
2. PUC-SP. A decadência e a prescrição no direito brasileiro. Enciclopédia Jurídica. 1ª edição. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/339/edicao-1/a-decadencia-e-a-prescricao-no-direito-brasileiro. Acesso em: 5 nov. 2024.
3. STJ. Prescrição e decadência são os temas da nova edição do "Entender Direito". Superior Tribunal de Justiça, 18 out. 2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/18102022-Prescricao-e-decadencia-sao-os-temas-da-nova-edicao-do-Entender-Direito.aspx. Acesso em: 5 nov. 2024.