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A expansão da litigância predatória: O que diz o Judiciário brasileiro?

A litigância predatória, em foco no STJ, sobrecarrega o Judiciário e impõe custos às empresas. CNJ e tribunais reforçam medidas para combater esse abuso processual.

6/11/2024

Em outubro de 2023, o STJ, por oportunidade do julgamento de recursos repetitivos sob o Tema 1.198, realizou audiência pública para discutir a viabilidade da adoção de medidas de combate e prevenção à litigância predatória pelo Judiciário. A questão submetida a julgamento diz respeito à possibilidade de o juiz exigir que a parte autora de uma ação judicial emende a petição inicial para apresentar novos documentos que corroborem minimamente as pretensões deduzidas em juízo, quando vislumbrada a ocorrência de litigância predatória, isto é, a utilização abusiva do direito de ação, por meio do ajuizamento de ações em massa, nas quais o litígio é utilizado de maneira estratégica para obter vantagens indevidas.

Muito embora a preocupação com o crescimento desse fenômeno aparente ser um consenso entre os operadores do Direito, a referida audiência demonstrou que o debate acerca da melhor forma de combatê-lo está longe de ser encerrado. Durante a discussão do tema, o representante da OAB-SP alegou que "não podemos permitir que toda uma categoria seja prejudicada por uma pequena parcela de maus profissionais”, enquanto a representante da Apamagis - Associação Paulista de Magistrados, ressaltou que a litigância predatória "drena recursos do Poder Judiciário que poderiam ser utilizados efetivamente para melhor distribuição da justiça". No STJ, o tema ainda está pendente de julgamento pela Corte Especial. 

Os problemas causados pelo uso abusivo do Poder Judiciário são frequentemente veiculados pela mídia nacional e objeto de ações em todos os Tribunais brasileiros. No Estado de São Paulo, - estima-se que as demandas predatórias custem mais de R$ 1 bilhão ao orçamento do Judiciário, conforme dados disponibilizados pelo Numopede - Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas. Some-se a isso o fato de a prática não atingir apenas os cofres públicos, mas também o setor privado, especialmente instituições financeiras, que são bombardeadas por ações judiciais postuladas de modo indevido e desenfreado. 

Em razão disso, os juízes brasileiros têm exaustivamente identificado causas com indícios de advocacia predatória e reportado às CGJ - Corregedorias Gerais de Justiça. Tanto é assim que o CNJ, em 2023, criou a diretriz estratégica 7, direcionada às Corregedorias do Estados, visando a criação de sistemas de monitoramento e fiscalização de feitos judiciais que apresentem suspeitas de litigância predatória.  

Na mesma esteira, o CNJ criou um grupo operacional do CIPJ - Centro de Inteligência do Poder Judiciário para enfrentar a sobrecarga de ações do Judiciário. As notas técnicas produzidas pelos Centros de Inteligência de diferentes Estados apontam que os reportes recebidos pelos Tribunais apresentam características como o uso de um mesmo comprovante de residência para diferentes ações e a ausência de documentos comprobatórios que subsidiem as alegações e pedidos das partes autoras.

No âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, em junho de 2024, a CGJ promoveu o curso “Poderes do juiz em face da litigância predatória”, no qual os magistrados participantes aprovaram 18 enunciados interpretativos voltados ao enfrentamento de demandas abusivas e repetitivas. Dentre esses, destaca-se a imposição ao juiz de condenação do autor às penas de litigância de má-fé (arts. 80 e 81 do CPC) em caso de identificação de uso abusivo do judiciário, bem como aos seus advogados nos casos em que “a procuração e o desejo de litigar não forem ratificados pela parte autora, notadamente em cenário de litigância predatória” (Enunciado 16).

Também foi discutido que o abuso pode ocorrer por meio da fabricação de lides, com a propositura de ações sem a autorização da parte autora e uso de documentos falsos, além de outros mecanismos ilícitos, como violação de dados pessoais. Nestes casos, o CIPJ deverá comunicar ao Ministério Público competente, a fim de que sejam apurados os eventuais crimes cometidos pelos advogados.

A título de exemplo, o CIJE da Bahia recentemente encaminhou ao GAECO - Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais as demandas repetitivas, predatórias e fraudulentas identificadas pelo Judiciário Bahiano, culminando na deflagração da “Operação Data Venia”, instaurada para a investigação dos crimes de falsificação e uso de documentos falsos (arts. 297 e 298 do CP) e apropriação indébita (art. 168 do CP). A operação levou ao cumprimento de seis mandados de busca e apreensão em face de advogados e seus escritórios.

Com o intuito de combater a prática desses crimes, o CIJEBA passou a divulgar a análise das demandas predatórias detectadas por meio de notas técnicas, específicas sobre a distribuição de ações em massa contra determinadas pessoas jurídicas, como é o caso do Banco BMG S.A. A nota técnica 009/23 apontou que ao menos 34.447 ações foram propostas contra o referido banco entre 2020 e 2022, em razão de contratos de cartão de crédito.

De acordo o CIJEBA, estas ações apresentaram “narrativa genérica de ausência de contratação; desconhecimento do cartão de crédito ou das cobranças imputadas, desacompanhadas de provas do quanto alegado; documentos desatualizados, ilegíveis; comprovantes de residência em nome de terceiro sem comprovação de vínculo; distribuição irregular dos processos; fracionamento de ações; hipóteses de litispendência e conexão, inclusive entre estados diversos da federação; desconhecimento do ajuizamento de ações pela parte autora”

Como se vê, além de sobrecarregar o sistema judiciário, desviando recursos que poderiam ser destinados a casos legítimos e comprometendo o princípio da eficiência processual, a litigância predatória resulta em prejuízos financeiros e operacionais expressivos a particulares, motivo pelo qual o seu enfrentamento não pode ser relegado a uma única esfera de atuação. Trata-se de um problema que exige uma atuação coordenada entre o CNJ, as Corregedorias e os Ministérios Públicos, para que se assegure a integridade do sistema judiciário e a proteção dos direitos de todos os envolvidos.

Isadora Fingermann
Fashion Law, Gaming & E-sports, Gerenciamento de Crise, Indústria Farmacêutica, Penal Empresarial, Vendas para o Governo Sócia - TozziniFreire Advogados

Maria Júlia Novaes Del Picchia
Advogada da área de Penal Empresarial do escritório Tozzini Freire Advogados, graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Andre Corsino dos Santos Junior
Advogado sênior do Banco BMG, formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pós-graduado em Processo Civil.

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