Migalhas de Peso

Vini, non vidi, perdere

O artigo aborda a reação ao resultado do Bola de Ouro e a postura de Vini Jr., abordando racismo e liberdade de opinião, e sugere autocrítica para evolução.

5/11/2024

Júlio César, o general e estadista romano, em 47 a.C., após sua rápida vitória na Batalha de Zela, na região do Ponto (atual Turquia),  enviou ao Senado romano a famosa frase  Veni, vidi, vici ( “Vim, vi, venci”), destacando a rapidez e facilidade com que havia derrotado o inimigo.

A vitória de Rodri no Bola de Ouro  de 2024 e as reações de Vini Jr., de seus fãs e amigos e da militância identitária racial evocam outra conclusão: Vini e simpatizantes perderam e não estão querendo ver. E sempre que um revés não é seguido de reflexão e análises acertadas a tendência é que as derrotas se repitam.

A conclusão açodada e simplista de que “foi por causa do racismo” inviabiliza o amadurecimento que justificadamente falta a um jovem atleta de 24 anos e que é imperdoável na velha militância, eternamente apegada mais a chavões do que a soluções.

Irei dar minha opinião mesmo sabendo que grassa no país uma ideia racista que advoga que apenas pretos possam se manifestar sobre o assunto. Pessoas que jamais entenderam o sonho de  Martin Luther King Jr., um pastor preto, que em 1963 disse:

“Eu tenho um sonho de que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”.

Eu sonho com um país onde as pessoas tenham suas opiniões consideradas pelo seu conteúdo, e não pela cor de sua pele. Um sonho impossível dentro da mentalidade segregacionista e revanchista de boa parte do atual movimento negro.

Obviamente, o racismo existe, é vergonhoso e deve ser combatido. Obviamente, Vini Jr. tem sido vítima constante de inaceitáveis e criminosos ataques raciais.  Sobre isso, ainda em 2023, escrevi o artigo “A Espanha diante de Vini Jr.: Cortéz ou Quixote?” (O Dia, 26/05/2023), no qual disse que os espanhóis não racistas precisavam se manifestar e agir, sob pena de os racistas espanhóis deixarem em todo o planeta uma imagem negativa de seu povo e de seu país. Logo, não se discute que racismo é intolerável e que é um problema real que envergonha a Espanha.

Ocorre que, sem prejuízo disso, é legítimo debater se a votação foi uma reação racista ou se a derrota de Vini decorreu de outros motivos. O caput e o inciso IX do art. 5º da Constituição valem para todos.

Tiago Leifert, jornalista que rotineiramente aborda o futebol, sustentou que Vini Jr. não deveria ter deixado de ir ao evento, mesmo sabendo que o vencedor seria o espanhol Rodri. Para ele, teria sido "absurdamente legal" se Vini tivesse chegado "de peito estufado", olhado os jurados nos olhos e aplaudido ironicamente a decisão de tirar dele o título de melhor jogador do mundo.

Apesar de estar protegido por três direitos assegurados pela Constituição (arts. 5º, caput, IX, XIII, e 220), e pelo art. 146 do Código Penal, Tiago Leifert passou a ser virulentamente hostilizado. Foi acusado de desumano, racista etc.

Outros disseram que Vini Jr. acertou ao não ir a mais um ambiente hostil e racista, pois já sofre recorrentemente com discriminação. Duas opiniões divergentes, nada mais do que isso.

Vini Jr., ao ser informado de que não venceria, tinha basicamente duas opções: ir ao evento ou não ir ao evento. Opinar, discutir, concordar ou discordar é válido. Quem está certo? Quem sugere ir ou quem sugere não ir? O que a cor da pele tem a ver com isso? Para a lei, nada. Para boa parte do movimento negro, tudo.

Esta era uma decisão pessoal de Vini, mas qualquer pessoa pode opinar sobre qual seria a melhor reação. Ele preferiu não ir, mas não seria despropositado alguém que tem enfrentado ostensivamente o racismo aparecer no local e impor sua presença. Digo isso porque quando foi editada a sentença condenatória dos três racistas espanhóis, Vinicius Jr., em uma rede social, agradeceu e comemorou. Entre suas falas, disse: “Como sempre disse, não sou vítima de racismo. Eu sou algoz de racistas”. Ora, a visão de Tiago Leifert é bem mais coerente com o que deveria fazer quem assume esse discurso corajoso. Seria  razoável supor que um  “algoz de racistas” iria ao evento.

Por isso, ao que me parece, a opinião de Tiago é mais consistente, mas ainda assim é  equivocada.

O prêmio sempre trouxe polêmicas, como é da natureza do futebol. Vários jogadores preteridos em um ano lograram vencer posteriormente. Muitos dizem que veio tarde a primeira vitória de Messi. Já Modric, que venceu a Bola de Ouro em 2018, passou muitos anos sendo considerado injustiçado. Nesse mesmo 2018, Messi ficou apenas na quinta colocação, o que surpreendeu muitos fãs e analistas. Entre os injustiçados, podemos citar Neymar, Ribéry, Xavi, Iniesta, Lewandowski e outros. Ou seja, a polêmica é natural e um resultado não deveria ser aprioristicamente imputado ao racismo, não sem avaliar outros fatores.

A premiação da Bola de Ouro segue alguns critérios, entre os quais as “qualidades esportivas e fair play”. Valorizam-se o comportamento dentro de campo e o espírito esportivo, incluindo respeito às regras e aos adversários. Junto a isso, conclusões  imediatas impedem reflexões mais profundas e a descoberta de pontos sensíveis para se vencer no ano seguinte. Os que precipitadamente apontaram racismo e não debatem o tema terminam por prejudicar Vini Jr.

Quem não for vítima da pressa irracional identitária haverá de convir que Vini Jr. é criticado, não de forma totalmente injusta, por às vezes ser violento e provocador dentro de campo. Nesse sentido, há circulando nas redes vários vídeos cuidadosamente selecionados por seus detratores. Apesar de estes editarem apenas os piores momentos, eles aconteceram. Não são vídeos falsos. Será qie  ele ser preto garante proteção/imunidade para essas atitudes?

Só para dar um exemplo, cito o que foi noticiado que Vini Jr. disse para Gavi no clássico entre Real Madrid e Barcelona realizado em 28/10/2023. No confronto, afirmou: “É, mas na segunda eu vou ganhar a Bola de Ouro”, evento que ocorreria dois dias depois. Muito fair play, não? Muito espírito esportivo e respeito ao adversário, correto? Fora isso, todos sabem como os deuses do esporte costumam punir a prepotência, a falta de humildade e o reprovável “já ganhou”.

Apenas reclamar de racismo e fechar os olhos para algumas das atitudes do atleta reflete falta de honestidade intelectual e  de coerência. Não estamos diante de um ou outro caso isolado de falta de fair play e de respeito aos adversários: eles se repetem com alguma frequência. Todavia, como isso não se encaixa na narrativa de “vítima”, a militância simplesmente fecha os olhos. Atitude de avestruz.

Quem defendeu a ausência e o papel de vítima ofendida teve uma péssima ideia. Porém, não pretendo calar estas pessoas. A civilidade recomenda analisar prós e contras da ideia, enfrentar-se o mérito de cada proposta.  Tiago Leifert também não deu uma boa sugestão. Ele propôs que Vini Jr. fosse lá bater palmas “ironicamente” e “de peito estufado”. Em suma, propôs reforçar o lado negativo da imagem do jogador. Postura imatura e contra o melhor espírito esportivo.

Tiago também erra dizendo que “tiraram” o título que era de Vini. Não era, nunca foi e se ele não amadurecer nunca será. Assim como a Copa de 1982 não era do Brasil. As pessoas têm a mania de achar que suas preferências criam a realidade. O título de Bola de Ouro é, no final do dia, de quem teve melhor conjunto e mais votos. A Copa não é do melhor time, ou de quem tem o futebol mais exuberante, mas de quem vence o 7° jogo, a final.

Vini, seus fãs e amigos podem passar vários anos posando de vítimas, vociferando “contra o sistema”, pondo tudo na conta do racismo e jamais fazendo um mea  culpa mesmo que parcial. São escolhas. Ou podem ser mais espertos. Anthony Hopkins, interpretando Charles Morse, no filme No Limite (The Edge), diz que “a maioria das pessoas que morre na floresta é porque subestima o coelho. O coelho vence sendo mais esperto”.

Em situações extremas, inteligência é tão importante  quanto força e talento. Vini Jr. faz muito bem em enfrentar o racismo, mas por vezes erra na forma e não age estrategicamente. Quando assume o autodeclarado papel de “algoz dos racistas” isso tem consequências e seria interessante pensar em contramedidas, entre as quais certamente não se inclui “tirar onda” que daqui a dois dias vencerá uma eleição. Faltou “combinar com os russos”.

Então, após tudo o que li e aprendi sobre política, comunicação e relacionamentos, penso que ele deveria ter ido, aplaudido de boa, mostrado que é firme no  antirracismo, mas que não é arrogante. Ser humilde na derrota, não usar o “card” de vítima para tudo e lembrar que ele às vezes é, sim, provocador e violento dentro de campo. Poderia ter aproveitado o ensejo para mostrar amadurecimento e capacidade de aprender com os reveses.

Estar presente mesmo sabendo que não venceria e cumprimentar o vencedor seria brilhante e uma  demonstração de fair play. Seria um delicioso e, me permitam o neologismo,  algótico  “tapa com luva de pelica” na antipática imprensa europeia, em especial a espanhola. Aí ele estaria sendo esperto “como os coelhos”, dinamitando as bases dos que o odeiam e preparando o terreno para se tornar uma figura ainda mais poderosa, seja para combater o racismo, seja para levar a Bola de Ouro no futuro.

Os identitários sempre dirão que por ser “vítima” ele pode fazer o que quiser, que pode ser agressivo etc. Porém, essa atitude bélica em campo e fora dele pode ter sido a causa de ele não ter vencido. E sua atitude só confirmou a imagem de mimado e incapaz de reconhecer seus erros ou os méritos alheios.

Por fim, dada minha opinião, quem disser que nada vale por eu ser branco revelará miopia intelectual. Saramago já alertou que quem está fora da ilha a vê melhor. Quem sofre menos está menos sujeito a avaliar tudo pelo prisma do sofrimento e, com isso, talvez veja pontos que a dor esconde. Mas desde quando um supremacista racial preto vai querer ouvir um branco? E, nessa toada, esses “gênios” da política e da estratégia perdem outras visões e ideias, as quais poderiam tornar Vini Jr. ainda maior do que já é. É grande, é enorme, mas ainda precisa crescer. Ele tem 24 anos de idade, ainda tem muito a amadurecer. Uma desculpa que a militância racial cega não tem.

A histeria identitária sempre tem uma “solução”: ou a vítima Vini Jr. vence ou está provado que os brancos são malvados. Eu vejo nisso tudo uma grande falta de senso de realidade, de sabedoria e de  inteligência. Hoje, no Brasil, o discurso identitário radical defende e promove discurso de ódio, revanchismo, racismo e segregação. Espero que a sociedade não demore a perceber e a repudiar esse absurdo, algo que viola a Constituição Federal e o bom senso.

William Douglas
Professor de Direito Constitucional e escritor.

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