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Impacto do novo CPC na tutela coletiva e a ampliação dos efeitos da coisa julgada

O STF ampliou os efeitos da coisa julgada nas ações coletivas, garantindo que decisões beneficiem mais pessoas, reforçando a segurança jurídica e a proteção eficaz aos direitos difusos e coletivos.

5/11/2024

A coisa julgada é instrumento imprescindível para garantir a segurança jurídica com finalidade de resolver definitivamente os litígios apresentados ao poder judiciário. Partindo do micro para o macro, a coisa julgada no processo individual é caracterizada pelos efeitos pro et conta, ganhando ou perdendo torna-se indiscutível e imutável a autoridade da coisa julgada, e efeito inter partes como regra geral, de modo que só as partes sofrem a indiscutibilidade e imutabilidade da coisa julgada, conforme definições dos arts. 502 e 503 do CPC

Por outro lado, no processo coletivo, a coisa julgada terá efeito secundum eventum litis (dependente do resultado da lide), no sentido de não ser formada em algumas hipóteses de improcedência. Além disso, seus efeitos são erga omnes ou ultra partes, com base nos arts. 103 e 104 do CDC e 16 da LACP.

Ocorreu que a redação dada pela lei 9.494/97 ao art. 16 da lei da ação civil pública criou uma limitação territorial ao efeito erga omnes, restrito apenas à competência territorial do órgão prolator. Tal dispositivo sofreu grandes críticas por parte da doutrina.

E não poderia ser diferente: a limitação do efeito erga omnes se apresentava diametralmente oposta à principiologia do microssistema de tutela coletiva, entre eles o princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional (arts. 103, §§ 3º e 4º do CDC). Isso porque o escopo do processo coletivo é tutelar direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme definido pelo art. 81 do CDC.

Os direitos difusos são aqueles transindividuais, de natureza indivisível, pertencentes a um número indeterminado de pessoas, ligadas por circunstâncias de fato. Exemplos incluem o direito ao meio ambiente equilibrado ou ao patrimônio cultural. Por sua vez, os direitos coletivos são transindividuais, também de natureza indivisível, mas pertencentes a um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, como, por exemplo, os direitos de uma categoria profissional ou de consumidores de um determinado serviço. Por fim, os direitos individuais homogêneos são direitos individuais com origem comum que, por isso, podem ser tratados de forma coletiva, embora mantenham sua natureza divisível. Exemplos incluem casos de consumidores prejudicados por um produto defeituoso.

Convém mencionar que tais direitos resultam do reconhecimento dos denominados direitos humanos de terceira geração, nos quais se incluem o direito a um meio ambiente equilibrado, à defesa do consumidor, dentre outros, conforme o art. 5º da CRFB e diversos dispositivos, dentre os quais o que atribuiu à ação civil pública status constitucional (art. 129, III), sendo um dos principais instrumentos da tutela coletiva.

Logo, não se depreende coerente que o sistema possua uma norma limitadora da coisa julgada, conforme previsto no art. 16 da LACP, conforme alteração legislativa. A falta de eficácia erga omnes de sentenças favoráveis a direitos coletivos lato sensu carecia de razoabilidade dentro do sistema.

Em boa hora, o STF quando do julgamento do REXT 1.101.937/SP reconheceu a inconstitucionalidade do art. 16 DA lei 7.347/85, fixando a seguinte tese:

“I - É inconstitucional a redação do art. 16 da lei 7.347/85, alterada pela lei 9.494/97, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da lei 8.078/1990 (CDC). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas”.

De qualquer modo, não se pode deixar de ter em mente que não é qualquer ação civil pública que terá efeito erga omnes a nível estadual ou nacional. É imprescindível observar as regras de competência do art. 93, II, do Código de Defesa do Consumidor, conforme o pedido do autor da ação civil pública.

Por exemplo, se há demanda versando sobre direito difuso ou coletivo que depreenda da análise de questão a nível federal, há de ser ajuizada no Distrito Federal para que sua sentença tenha efeito erga omns. Em caso de distribuição em outro juízo, cabe o declínio de ofício ao juízo competente.

Antes da pacificação do tema pelo STF, a saudosa doutrinadora Ada Pellegrini Grinover, uma das autoras do anteprojeto do CDC, apontou que existia um claro autoritarismo no art. 16, da LACP, agora inconstitucional, eis que a limitação da coisa jogada era forma de mitigar impactos econômicos advindos das decisões em ações civis públicas.

Além disso, o dispositivo tido como inconstitucional se baseia em conceitos de competência e efeitos da sentença que não eram compatíveis entre si. A imutabilidade da decisão judicial em defesa de interesses coletivos alcança todo o grupo, classe ou categoria de lesados, de acordo com a natureza do interesse defendido, o que poderá resultar em ultrapassar os limites territoriais da jurisdição.

Diversos doutrinadores apontaram para o erro conceitual acima mencionado, dentre eles Aluísio Mendes, o qual aponta que a coisa julgada é qualidade agregada à sentença de modo a se tornar imutável e indiscutível1.

Ilustrando o tema, a doutrina de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.2 Uma sentença advinda de uma ação civil pública que proíba as pessoas consumirem tabaco por queima em aeronaves, seria ineficiente quando a aeronave sobrevoasse outro estado, valendo apenas no território em que foi proferida, conforme a redação do art. 16, da LACP. Ou seja, seria claramente uma situação teratológica, contrária ao microssistema do processo coletivo.

Por essa linha de pensamento, além da violação da principiologia do microssistema já mencionada, há violação aos princípios constitucionais da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetividade da tutela jurisdicional, conforme defendido por Rodrigo Fux3.

E não poderia ser diferente, a falta de coesão do microssistema pelo limite à coisa julgada, criaria situações de iniquidade, por permitir tratamento diferentes a grupos ou coletivos com os mesmo direitos, ao mesmo tempo que desdobra-se em falta de segurança jurídica, pela limitação do instituto da coisa julgada com base em critério de competência e não observando a natureza do direito que se busca tutelar, o que por certo representa perda de efetividade do microssistema de tutela dos direitos coletivos.

Logo, andou bem o STF ao declarar a inconstitucionalidade da limitação territorial imposta pela redação do artigo 16 da lei da Ação Civil Pública, alterada pela lei 9.494/1997. Essa decisão foi crucial para garantir a coerência e a eficácia do microssistema de tutela coletiva, assegurando que as sentenças proferidas em ações civis públicas possam ter efeitos erga omnes, respeitando os princípios constitucionais da igualdade, da segurança jurídica, da eficiência, e da efetividade da tutela jurisdicional.

Com a mudança, o sistema passa a operar de forma mais coesa e justa, em alinhamento com os direitos coletivos e difusos, garantindo maior proteção e eficácia na defesa dos interesses da coletividade.

________

1 MENDES, Aluisio Gonçalvesde Castro. Ações coletivase meios deresolução de conflitosno direito comparado e nacional, 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 279

2 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo, 11ª edição. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 448.

3 FUX, Rodrigo. SANTOS, Pedro Felipe de Oliveira. “Limite territorial e coisa julgada na ação civil pública: comentários ao artigo 16 da lei 7.347/1985 à luz do julgamento do Recurso Extraordinário 1.101.937/SP”. Revista Eletrônica de Direito Processual. Ano 15. Volume 22. Número 3. Setembro a Dezembro de 2021. pp. 930-957.

Bruno da Silva Bragança
Advogado. Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduado em direito imobiliário pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Membro do Centro Para Estudos Empírico-Jurídicos (CEEJ)

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