O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, reconheceu o mandado de segurança, onde um Grupo buscava averbar um aditivo da garantia formalizada por escritura de alienação fiduciária.
O cartório de registro de imóveis competente, se recusou a firma a averbação, sob o entendimento que "tendo havido o vencimento do pacto originário, exauridos os seus efeitos, inviável estendê-lo no tempo, pois a toda evidência, já desapercebido de eficácia", de modo que não há direito líquido e certo a amparar a pretensão da impetrante.
A impetrante, que figura como credora na escritura pública de alienação fiduciária, por sua vez, sustentou que o vencimento do prazo da garantia, não significa que a dívida foi paga, nem a mora foi purgada e, portanto, ainda é exigível, acrescida de todo os consectários legais.
Sustentou ainda, que a simples alteração do prazo de vencimento da obrigação não caracteriza novação, mas sim uma liberalidade de possibilitar a continuidade do pagamento por parte do devedor.
Uma novação geraria a necessidade de um novo registro da alienação fiduciária, com novos custos e, principalmente, a perda da anterioridade e da ordem do registro anterior.
Cabe ainda, transcrever parte da decisão, que menciona o parecer do procurador de Justiça Basílio Elias De Caro, cujos fundamentos foram utilizados como base na decisão:
O impetrante se insurge contra a decisão proferida pelo Conselho da Magistratura em procedimento de Suscitação de Dúvida, que manteve o ato de recusa do registro da “Escritura Pública de Aditamento e Ratificação de Escritura Pública de Alienação Fiduciária”, por meio da qual as partes contratantes pretendiam prorrogar o vencimento das obrigações assumidas.
A recusa do Interventor Designado do Registro de Imóveis da Comarca de Itapema baseou-se na necessidade de cancelamento da alienação fiduciária já registrada e de constituição de nova garantia, tendo em vista que já havia expirado o prazo do contrato originário quando as partes formularam o pedido de aditamento, de modo que o novo contrato configuraria, na sua compreensão, uma renegociação da dívida objeto da alienação fiduciária, tratando-se de hipótese de novação.
[...]
O Conselho da Magistratura, por votação unânime, ao decidir em definitivo o procedimento de Suscitação de Dúvida, manteve a Nota de Devolução, tendo considerado, corroborando as razões da sentença e da manifestação da Procuradoria de Justiça, que, “De fato, tendo havido o vencimento do pacto, exauridos mostram-se os seus efeitos, não se desnudando, viável, de conseguinte, estendê-lo no tempo, porque, a toda evidência, já desapercebido de eficácia”.
Essa compreensão, contudo, ao que tudo indica, não se mostra a mais adequada.
O término do prazo para o pagamento das obrigações assumidas nos contratos firmados entre as partes – contrato de alienação fiduciária de imóvel, que serviu de garantia para outros contratos firmados pelo impetrante -, sem que os valores tivessem sido adimplidos integralmente, como ocorreu no caso em apreço, não extingue, por si só, a relação jurídica contratual, mas constitui o devedor em mora, já que não se trata de inadimplemento absoluto, e, sim, relativo.
Existem casos em que o descumprimento (inadimplemento) gera a resolução (extinção) da obrigação, o que se dá quando o inadimplemento é absoluto, nos casos em que há perda total ou destruição da coisa que constitui o objeto da obrigação, quando há recusa total do devedor em cumprir a obrigação ou quando a prestação se torna inútil para o credor. Nesses casos, o inadimplemento extingue a prestação obrigacional, pois a obrigação não foi cumprida, e nem poderá sê-lo, e o credor não terá mais a possibilidade de receber aquilo a que o devedor se obrigou.
O inadimplemento absoluto, no entanto, diferencia-se do inadimplemento relativo, que se dá na hipótese de mora. Namora, o descumprimento da obrigação não é definitivo, mas sanável, porque a obrigação ainda pode ser cumprida com utilidade para o credor. Tanto é assim que a mora é passível de purga, conforme se depreende do art. 401 do Código Civil, segundo o qual:
Art. 401. Purga-se a mora:
I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;
II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.
Se a mora pode ser purgada, razoável concluir, até por conta da inexistência de óbice legal, que os contratantes podem, mesmo depois de extinto o prazo de cumprimento da obrigação, sem que ela tenha sido adimplida integralmente, pactuarem o aditamento desse prazo, mantendo as mesmas características da relação jurídica, notadamente porque essa possibilidade está amparada no princípio da autonomia privada, que confere às partes o poder de criarem suas próprias regras, desde que respeitados os limites impostos pelo ordenamento jurídico.
Na hipótese em apreço, valendo-se da sua autonomia privada, as partes houveram por bem, mesmo depois de expirado o prazo para o pagamento, sem que tivesse sido cumprida integralmente a obrigação, não resolver a relação jurídica, mas aditar o período do vencimento, mantendo a mesma contratação.
Essa negociação não pode ser considerada como novação, ou seja, substituição da obrigação primitiva, que ficaria extinta, por uma nova obrigação, mediante a mudança do objeto ou do sujeito, eis que, além de as partes, que continuaram as mesmas, terem manifestado expressamente na escritura pública que não se trata e novação, foram ratificadas as cláusulas, os termos, as relações e os dizeres do contrato originário, com exceção da alteração do prazo de vencimento.
A propósito, o art. 361 do Código Civil dispõe que “Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira”. Na hipótese em apreço, não ficou demonstrado, independentemente da manifestação das partes, o ânimo de novar, pois claramente não houve a intenção de extinguir a relação primitiva por meio da contratação de uma nova obrigação, mas a de manter os contratos originários, alterando apenas os prazos de pagamento, não tendo surgido uma nova dívida em substituição à anterior.
A respeito dessa questão, o Interventor Designado do Registro de Imóveis de Itapema, ao formular a petição inicial do procedimento de Suscitação de Dúvida, consignou que:
As partes pactuaram por meio do instrumento, a alteração das condições originárias da escritura de alienação fiduciária e, portanto, dos contratos que lhe deram origem. Como se sabe poderiam fazê-lo, a teor do art. 29,§42, da Lei n. 10.931/04. Até aí, não se controverte.
Porém, ao fazê-lo, e está claro no aditamento e ratificação mudaram a base do negócio, novando a dívida. Da leitura do instrumento vê-se, claramente, que houve: alteração do prazo de vencimento das parcelas pactuadas oque por certo ocorreram alterações do valor da dívida e alteração das parcelas e dos juros. Os contratos informados na escritura de aditamento e ratificação são claros desta ocorrência.
Vale dizer, tratando-se de um empréstimo garantido por alienação fiduciária de imóvel, modificaram-se elementos essenciais, constituindo-se novo negócio. Ou seja, novação.
Ocorre que as alterações do prazo de vencimento das parcelas e a renegociação do valor da dívida e dos encargos incidentes não gera novação, pois se trata de mudança de elementos acessórios do negócio jurídico, não tendo surgido uma nova obrigação em substituição à anterior.
Todas essas circunstâncias, somadas, também, à inexistência de prejuízo a terceiros, eis que se está diante de obrigações restritas ao âmbito jurídico de interesse das próprias partes contratantes, revelam que a exigência imposta na Nota de Devolução foi indevida, o que é corroborado, ainda, pelo fato de se ter condicionado o registro da nova constituição de garantia à apresentação de termo de quitação da alienação fiduciária, exigindo das partes que manifestassem um fato inverídico.
A controvérsia, a bem da verdade, foi bem sintetizada pela 1ª Promotora de Justiça da Comarca de Itapema no primeiro grau. Embora não tenha se manifestado sobre o mérito da questão, a Promotora identificou que a questão não diz respeito necessariamente à possibilidade ou não de prorrogação do prazo contratual, mas de pagamento de custas e emolumentos decorrentes do tipo de ato. Nesse sentido, consignou que, “In casu, denota-se que a procedência ou a improcedência da presente suscitação de dúvida não trará qualquer risco ou insegurança ao sistema registral imobiliário, nem mesmo eventual prejuízo a terceiros. Ao contrário, pois, se for julgada improcedente, o gravame de alienação fiduciária constante no R-3 da inscrição tabular permanecerá inalterado. Se for procedente, os apresentantes do título terão que constituir nova alienação fiduciária, idêntica à existente às margens da matrícula 25.709 do ORI de Itapema, devendo, todavia, arcar com o custeio dos emolumentos para a sua constituição. Resta clarividente, portanto, que o objeto em discussão, é a necessidade ou não do pagamento de emolumentos”.
Portanto, ao que tudo indica, não há impedimento legal ao registro da “Escritura Pública de Aditamento e Ratificação de Escritura Pública de Alienação Fiduciária”, afigurando-se descabida a exigência da Nota Devolutiva n. 5052/2018,do Ofício de Registro de Imóveis de Itapema.
Corroborando com a decisão, foi destacada a jurisprudência administrativa do TJSP:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de aditivo de retificação e ratificação de instrumento particular de alienação fiduciária – Documentos acostados aos autos que permite concluir, na hipótese em análise, pela ocorrência de mera atualização do débito, com a incidência dos encargos previstos no contrato anteriormente registrado – Repactuação da dívida para pagamento em maior prazo - Ausência de animus novandi –Novação não configurada – Óbice afastado, a ensejar a prática de ato de averbação – Solução adotada a partir do caso concreto – Ausência de atribuição de força normativa ou caráter vinculante ao acórdão – Recurso provido, com observação.
(TJSP, Apelação Cível 1132901-47.2016.8.26.0100, rel. Pinheiro Franco (Corregedor Geral), Conselho Superior daMagistratura, j. 11/12/2018; DJe 21/1/2019).
Nesta linha, o Tribunal reconheceu o direito do credor de averbar a escritura pública de aditamento na matrícula do imóvel, garantindo a manutenção e a validade da sua garantia já registrada. Decisão importante para o setor que opera com garantias pelo instituto da alienação fiduciária.