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Os efeitos da recuperação judicial sobre as ações de despejo: O conflito entre o interesse do credor proprietário e da empresa em reestruturação

Entenda os limites para retomada do imóvel e as implicações para locadores e empresas em recuperação judicial.

5/11/2024

Em não raros os casos, o imóvel locado por uma empresa em recuperação judicial pode ser determinante para o sucesso ou para o fracasso do processo de reestruturação. Salvo casos excepcionais, o processo de recuperação judicial não impede o despejo da empresa em recuperação. Nos diversos conflitos de competência julgados pelo STJ é possível distinguir alguns critérios para a ocorrência ou não da excepcionalidade.

A recuperação judicial é um mecanismo essencial para a preservação da empresa e manutenção de empregos, permitindo que sociedades empresariais em dificuldades financeiras reestruturem suas dívidas e continuem operando (art. 47 da LREF). No entanto, a convivência entre a recuperação judicial e as ações de despejo levantam questões complexas sobre a competência dos juízos e a proteção dos direitos dos credores. O STJ tem se debruçado sobre essa temática de forma frequente, proferindo decisões com critérios para definir a competência para o julgamento das ações de despejo.

Em um destes casos, no CC 122.440-SP, julgado pela segunda seção do STJ, trouxe à tona a discussão sobre a competência para processar ações de despejo contra sociedades empresariais em recuperação judicial. Segundo o relator, ministro Raul Araújo, “a lei da recuperação judicial não prevê exceção que ampare a locatária que tenha obtido o deferimento de recuperação judicial” e que “o credor proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial”

Segundo o voto proferido, “a melhor interpretação a ser conferida aos arts. 6º e 49 da lei 11.101/05 é de que, em regra, apenas os credores de quantia líquida se submetem ao juízo da recuperação, com exclusão, dentre outros, do titular do direito de propriedade”. Como a empresa em recuperação é titular de uma cessão temporária e onerosa de uso do imóvel, isso não impede que o locador busque a retomada do imóvel em virtude do inadimplemento contratual. Note-se que nesta parte do julgamento o ministro fez distinção entre os créditos líquidos e ilíquidos para fins de critério de submissão dos efeitos da recuperação judicial.

No CC 123.116-SP, sob a relatoria do ministro Raul Araújo, ratificou a posição anterior, no sentido de que a retomada da posse do imóvel locado não se submete à competência do juízo universal da recuperação, já que o credor proprietário não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial (§3º do art. 49 da LREF). Neste sentido, não há óbice à ação de despejo. Na medida em que o credor proprietário, ao buscar a retomada do imóvel, age em defesa de seu direito de propriedade, a pretensão deve prevalecer sobre as restrições impostas pela recuperação judicial. Contudo, a retomada do imóvel locado não deve implicar, necessariamente, na falência da empresa, ou seja, deve ser garantido à empresa a possibilidade de sua reestruturação e de adimplemento de suas obrigações.

Por outro lado, a ministra Nancy Andrighi, em seu voto vencido, fez críticas à decisão. Isto porque a retomada do imóvel, durante o processo de recuperação judicial, poderia comprometer a viabilidade da empresa, levando à convolação da recuperação em falência. A recuperação judicial deve ser entendida como um mecanismo de proteção ao devedor, e a retomada do imóvel poderá inviabilizar a continuidade das atividades empresariais. Assim, a preservação da empresa deve ter prioridade. A ação de despejo, neste contexto, poderia ser considerada uma medida extrema. Parte do fundamento do voto está no art. 6º da LREF, ou seja, a recuperação judicial suspende o curso de ações e execuções em face do devedor. Desta forma, a continuidade da ação de despejo implica em violação à norma e prejudica a eficácia do plano de recuperação.

Já no mais recente conflito de competência (CC 170.421-PR), o relator, ministro Marco Buzzi reafirmou os entendimentos que prevaleceram nos votos vencedores das decisões anteriores. O acórdão foi uníssono em determinar que a ação de despejo não se insere na competência do juízo universal e autoriza o locador a pleitear a desocupação do imóvel. Como a recuperação judicial não é oponível a todos os credores e existem situações em que a proteção dos direitos proprietários de imóveis devem ser preservados, tal como previsto no §3º do art. 49 da LREF, a recuperação judicial não é um obstáculo para a efetivação dos direitos dos credores e para a retomada do imóvel.

Pois bem! As decisões proferidas nos conflitos de competência demonstram a complexidade da relação jurídica que existe entre as ações de despejo e a recuperação judicial. A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que a ação de despejo não se submete à competência do juízo universal, permitindo que os locadores busquem a desocupação de imóveis locados a empresas em recuperação. Porém, é preciso lembrar, a posição consolidada pelas decisões tomadas possuem ressalvas bastante pontuais em relação ao reconhecimento da essencialidade do bem (parte final do §3º do art. 49 da LREF), bem como sobre a submissão do crédito decorrente do contrato de locação na recuperação judicial (crédito líquido x crédito ilíquido). 

A posição do STJ suscita questões sobre a proteção dos direitos dos credores e a viabilidade das recuperações judiciais. A interpretação restritiva da competência do juízo universal pode levar a um cenário em que os direitos dos locadores sejam desconsiderados, comprometendo a segurança jurídica das relações locatícias. Por outro lado, a defesa da competência do juízo da recuperação, como sustentado pelos votos vencidos, aponta para a necessidade de um equilíbrio entre a proteção dos direitos dos credores e a preservação da empresa. A recuperação judicial deve ser um espaço seguro para a reestruturação das dívidas, e ações que possam comprometer esse processo devem ser cuidadosamente avaliadas.

Os locadores devem estar cientes de que, em caso de inadimplemento, têm o direito de buscar a desocupação do imóvel, independentemente do processo de recuperação judicial. Por outro lado, as empresas em recuperação devem estar atentas às suas obrigações contratuais e à importância de manter a regularidade nos pagamentos de aluguéis, já que a inadimplência pode resultar em ações de despejo que comprometam o processo de recuperação e a continuidade das operações.

Daniel Fioreze
Advogado do núcleo cível no escritório Silva e Silva Advogados Associados. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria - RS (UFSM). Possui pós-graduação em Direito Tributário e Aduaneiro pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus (CEDJ). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - RS (FADISMA).

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