Foram destaque na mídia as manifestações do ministro Flávio Dino em torno da terceirização e “pejotização”, por ocasião do julgamento da Reclamação Constitucional (Rcl) 67.348, em 22/10 passado. Inegável que são modelos de prestação de serviços que há muito tempo vêm criando confusão nos seus conceitos mesmo entre juristas. Mas no conceito o ministro andou bem, pois conseguiu identificar do que se tratam a terceirização e a “pejotização”, expressão que tem características pejorativas e que insinua, pela caricatura que faz, mal uso jurídico da contratação de serviços. Pessoalmente, acho a expressão horrorosa e tendenciosa, utilizada em geral por quem tem preconceito no modelo de contratação.
Todavia, com todo respeito, Sua Excelência, para supor a prevalência da aplicação da CLT, para sustentar o perigo da contratação de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica, trouxe argumento previdenciário de conteúdo sofismático.
Afirmou o ministro que o trabalhador que está vinculado à terceirização tem condição melhor que aquele da pessoa jurídica porque é empregado da empresa prestadora de serviços e tem seus direitos trabalhistas e previdenciários reconhecidos. Mas, diriam alguns, a dignidade da pessoa humana estaria prejudicada. Talvez fosse mais adequada uma crítica severa à terceirização que precariza e funciona como instrumento de exclusão de direitos, fruto de um sindicalismo de categoria que insiste no tratamento separatista de trabalhadores. Não é mais razoável que, nos dias de hoje, os trabalhadores se dividam em categoriais e subcategorias que negociam direitos em escala de exclusão descendente no mesmo ambiente de trabalho. São iguais enquanto trabalhadores, mas desiguais quanto aos direitos porque pertencem a categorias diferentes.
Ao se referir ao que chamou de “pejotização”, afirmou Sua Excelência que o trabalhador, nestas condições, não teria direito à aposentadoria e que, em caso de acidente ou gravidez, estaria desamparado. Supôs o ministro que o vínculo de emprego é a única forma de assegurar, nos momentos de incapacidade laboral, direitos aos trabalhadores. Não é verdade! Os períodos de emprego não são contínuos e, com frequência, paira a ameaça do desemprego, o que torna a aposentadoria uma desesperança e uma conquista de poucos.
É certo que o sistema de previdência social, desde sua criação, baseou-se exclusivamente na folha de pagamento de salários como forma de obtenção de fonte de custeio dos benefícios que oferecia aos segurados, especialmente assalariados.
A previdência social era o regime de seguro dos assalariados. Todavia, ao longo dos anos, caminhando para um modelo de seguridade social, a previdência teve seu campo de aplicação e sua base de proteção ampliadas para outros benefícios e tipos de trabalhadores tais como avulsos, autônomos, rurais, domésticos, incluindo sócios de empresas, todos eles vinculados como contribuintes obrigatórios à previdência social. Bref, participariam do sistema de seguridade social e teriam assegurados seus direitos, inclusive o de se aposentar, após preenchidos os requisitos de idade, tempo de serviço e de contribuição.
Custeio da previdência social
Deixaram de avisar o ministro que o trabalhador, titular da pessoa jurídica, pela qual presta serviços, também recolhe, como segurado obrigatório, para os cofres da previdência social e que, deste modo, poderá obter a aposentadoria, preenchidos os requisitos de idade, tempo de serviço e contribuição para o sistema.
Da mesma forma, o trabalhador titular da empresa poderá, em caso de acidente ou doença, beneficiar-se de auxílio-doença, calculado com base no recolhimento que estiver enquadrado na previdência social.
Igualmente, se for titular da empresa uma mulher e se for gestante, também vai se beneficiar da licença e terá o período de salário maternidade pagos pela previdência social. Aliás o STF publicou decisão da corte no sentido de excluir a carência para autônoma receber salário-maternidade.
Portanto, é sofismático dizer que o contrato de pessoa jurídica para a prestação de serviços é excludente de benefícios sociais previdenciários e, ainda, que a previdência social deixa de receber contribuições para a manutenção de seu custeio. Com certeza, em relação aos direitos trabalhistas, a condição da liberdade contratual da pessoa jurídica gera ganhos que superam em muito a condição de assalariado.
Deste modo, o custeio da previdência social estará sempre assegurado pelas contribuições dos segurados obrigatórios nos termos do artigo 12, da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991. Aliás, o custeio da previdência social, com base exclusiva em folha de pagamento, é coisa do passado porque privilegia empresas de grande faturamento que utiliza pouca mão-de-obra e prejudica empresas que geram empregos e que se utilizam de maior número de empregados. Na atualidade, a seguridade social moderna se sustenta pela contribuição sobre faturamento de empresas, criando modelo de custeio mais solidário.
Vale neste momento lembrar Alain Supiot que, em artigo publicado na Revista LTr, 83-10/1189, “Para além do emprego: os caminhos de uma verdadeira reforma do Direito do Trabalho”, prólogo da 2ª edição do livro Au-delà de L’emploi. Les Voies d’une Vraie Reforme du Droit du Travail, afirmara da necessidade de que “reformar o Direito do Trabalho exige considerar a extrema complexidade e as transformações profundas da divisão do trabalho no mundo contemporâneo, e imaginar, com base nisso, categorias jurídicas novas, próprias para favorecer a liberdade, a segurança e a responsabilidade de todos os trabalhadores”.
Finalmente, parece que o STF está sendo invadido por informações equivocadas e simplistas, de raciocínio pouco jurídico, de saudosistas e oportunistas apegados a um modelo de relação de trabalho que já é passado. O vínculo de emprego não é a única forma de proteção social como se viu, nem o modelo de contrato de trabalho por meio de pessoa jurídica ameaça as finanças da previdência social, cujos benefícios encontram-se devidamente cobertos por forma de custeio definido em lei.