O Marco Legal das Garantias entrou em vigor em 2023, através da lei 14.711 e veio com o objetivo de modernizar e fortalecer o sistema de garantias e recuperação de crédito no Brasil, proporcionando mais segurança e previsibilidade na relação entre credores e devedores.
Todos os envolvidos em empréstimos e garantias, como credores, devedores e agentes de garantia se beneficiam das disposições legais do Marco Legal. Mas será que foram muitas as expectativas e poucas as repercussões? O que de fato mudou?
O Marco Legal das Garantias teve por objetivo desburocratizar o processo de obtenção do crédito, reduzir a inadimplência e por outro lado aumentar a recuperabilidade dos valores disponibilizados, flexibilizar o uso de garantias e a revitalização do uso da hipoteca.
Em linhas gerais, o marco legal ampliou o uso de garantias reais, o que permite que as empresas ou pessoas físicas possam oferecer novos tipos de ativos, como veículos, patentes, direitos autorais, bem como utilizar um imóvel em mais de uma garantia, até o limite do débito, tanto para obter crédito como para assegurar o cumprimento de uma obrigação.
Resumindo, a lei 14.711 objetiva (i) facilitar o acesso ao crédito, equilibrando as condições para empresas e indivíduos; (ii) aumentar a segurança jurídica com mecanismos mais eficientes, especialmente referentes à redução de incertezas e riscos associados às garantias e à execução de créditos e; (iii) integrar novas tecnologias e simplificar os processos, no intuito de tornar a gestão e a execução das garantias mais eficientes.
Dito isto, importante verificar a ampliação da lista de bens aceitos. Isso porque, além dos bens tradicionais como imóveis e veículos, agora é possível utilizar:
- Patentes, marcas, direitos autorais e outros ativos intangíveis;
- Equipamentos e maquinários que não precisam estar imobilizados para servirem como garantias;
- Recebíveis e fluxos de caixa;
- Hipoteca;
- Resgate antecipado de letra financeira, a alíquota de imposto de renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificadas que envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior e o procedimento de emissão de debêntures.
Essa ampliação permitirá que empresas ofereçam garantias mais alinhadas à sua realidade e aos ativos disponíveis e, como garantia de recebimento de crédito, o agente tem maior segurança de que em caso de inadimplência, não ficará no prejuízo.
Nesta toada veio a alteração do CPC, com a inserção do art. 853-A que dispõe que qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por agente de garantia.
Este agente será designado pelos credores da obrigação garantida para esse fim e atuará em nome próprio e em benefício dos credores, inclusive em ações judiciais que envolvam discussões sobre a existência, a validade ou a eficácia do ato jurídico do crédito garantido, vedando-se qualquer cláusula que afaste essa regra em desfavor do devedor ou, se for o caso, do terceiro prestador da garantia.
Pontua-se, também que, a teor do art. 853-A, §3º do CC, o agente de garantia poderá ser substituído, a qualquer tempo, por decisão do credor único ou dos titulares que representarem a maioria simples dos créditos garantidos.
Para tanto, é preciso decisão em assembleia, mas a substituição do agente de garantia somente será eficaz após ter sido tornada pública pela mesma forma por meio da qual tenha sido dada publicidade à garantia.
Esse marco trouxe também a possibilidade de um banco de dados centralizado para o registro de garantias e isso torna-se bastante positivo porque os credores podem verificar a existência e a situação das garantias, o que reduz o risco de fraudes e sobreposição de garantias para além do valor dos créditos concedidos, havendo maior transparência e eficiência nas análises de crédito ou realização de negócios jurídicos.
Neste contexto, em uma situação prática, imagine que um cliente oferece recebíveis de vendas futuras como garantia. Com a lei 14.711/23, pode-se aceitar recebíveis provenientes de contratos futuros de vendas como garantia para o crédito concedido.
Já para o caso de utilizar o mesmo imóvel como garantia de mais de uma operação de crédito, prevista no marco legal, o Banco Central recentemente propôs a obrigatoriedade de contratação de um seguro que cubra os riscos de morte e invalidez, danos físicos ao imóvel, no caso de empréstimos a pessoas físicas, norma que deve ser publicada ainda em 2024.
Imagine agora que uma empresa de roupas esportivas precisa de capital de giro para expandir suas operações e aumentar o estoque para o período de vendas de fim de ano.
Antes do marco, a empresa tinha dificuldade de acessar crédito porque seus ativos fixos (imóveis e equipamentos) não eram suficientes. Agora, a empresa pode usar o estoque de roupas como garantia em um empréstimo, registrado e gerido pelo SGEG.
Já considerando uma operação internacional em que uma empresa brasileira de exportação de café deseja obter crédito de um banco estrangeiro para expandir suas vendas no exterior, mas o banco internacional tem receio em relação à execução de garantias em outro país, o que pode ser feito?
A empresa agora com o marco legal pode registrar recebíveis futuros de exportação como garantia, de forma que o credor estrangeiro tenha mais segurança por conta da unificação do registro e das novas regras de execução de garantias, válidas também para operações com credores internacionais.
Por fim, imagine que um cliente não conseguiu honrar suas dívidas e a empresa precisa executar a garantia. A nova lei torna o processo de execução mais rápido e menos burocrático, simplificando os procedimentos para proceder à execução, reduzindo o tempo necessário para recuperar o crédito e minimizando custos administrativos e judiciais.
O cartório de notas assume um papel crucial neste momento, com a função de registrar a inadimplência, oficializar as notificações e supervisionar o processo de execução da garantia. O credor pode, assim, contar com um meio extrajudicial eficaz e acessível para executar a dívida, principalmente em relação a garantias de bens móveis e imóveis, trazendo mais confiança para o mercado de crédito.
E dependendo da natureza da garantia, o bem dado como garantia pode ser alienado ou vendido diretamente, sem a necessidade de intervenção judicial.
Apesar de não ser possível a retomada dos bens pelo próprio credor fiduciário, lembrando das famosas cenas em filmes americanos em que o carro é levado pelo Banco, algumas estratégias interessantes, podem ser utilizadas, inclusive com análises dos contratos para atualização e inclusão de novos tipos de garantia, incorporando-se as mudanças nos procedimentos de execução e registro, salvo exceções legais.
Os efeitos neste mercado já são sentidos, o cenário é de redução dos juros a ampliação do acesso ao crédito para aquisição de veículos, que tem ampliado as vendas de veículos financiados.
As repercussões foram muitas, tanto que a lei foi alvo de duas ADIn - Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Uma delas foi ajuizada pela AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros e outra pela FENASSOJAF - Associação Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais e pela AFOJEBRA - Associação Federal dos Oficiais de Justiça do Brasil.
Com o objetivo de incentivar a desjudicialização e simplificar a recuperação de crédito, alguns argumentam que houve uma clara violação ao princípio da reserva de jurisdição, bem como à garantia de inviolabilidade da intimidade e da vida privada, conforme estabelecido na CF/88.
Mas quais independentemente das questões controversas, quais seriam as oportunidades para o mercado de crédito?
É certo que muitas outras podem ser citadas, mas podemos considerar:
- PMEs - Expansão do Crédito para Pequenas e Médias Empresas: Com a possibilidade de utilizar garantias mais diversificadas, como estoques, recebíveis e ativos intangíveis (patentes, propriedade intelectual), as PMEs passam a ter mais chances de acesso ao crédito.
Neste contexto operadores de crédito podem desenvolver novos produtos financeiros voltados a PMEs, oferecendo condições específicas para empresas com ativos não tradicionais, utilizando a flexibilização das garantias como diferencial competitivo;
- Oferecimento de empréstimos com garantias compartilhadas: Possibilidade de compartilhamento de garantias entre diferentes credores permite que um mesmo ativo seja utilizado para cobrir várias operações de crédito, sem a necessidade de ativos adicionais;
- O novo marco permite a utilização de ativos intangíveis como garantias, como patentes, marcas e direitos autorais. Isso beneficia startups e empresas de tecnologia, que muitas vezes têm poucos ativos físicos, mas grande valor intelectual;
- O agronegócio pode se beneficiar da possibilidade de usar recebíveis futuros e produtos agrícolas como garantias para a obtenção de crédito. Assim, Bancos e cooperativas de crédito podem expandir suas operações no setor agro, criando linhas de crédito mais acessíveis para produtores rurais, facilitando o financiamento da safra e da expansão de infraestrutura agrícola;
- A hipoteca pode ser utilizada de forma mais flexível em projetos de infraestrutura, permitindo que imóveis vinculados a grandes obras sejam usados como garantias em financiamentos voltados ao setor.
Isso cria um incentivo para o financiamento de projetos de infraestrutura no Brasil, uma vez que os operadores de crédito terão mais confiança em fornecer financiamento de longo prazo com base em garantias hipotecárias sólidas.
- Operadores de crédito podem expandir suas carteiras de clientes para setores mais arriscados, como o setor de inovação, biotecnologia, fintechs, entre outros, com menos receio de inadimplência, utilizando garantias mais seguras e diversificadas.
O Marco Legal das Garantias oferece uma série de novas oportunidades para os operadores de crédito expandirem suas operações, seja pela criação de novos produtos financeiros, pela entrada em mercados antes pouco explorados, ou pelo aumento da segurança jurídica nas operações.
A chave para aproveitar essas oportunidades é adaptar-se às inovações e buscar soluções flexíveis que atendam às necessidades de empresas de todos os tamanhos e setores, especialmente aquelas que antes tinham dificuldade em acessar crédito.
A seguir, um quadro resumo com as principais alterações, sem a pretensão de aqui esgotar todos os temas e repercussões:
E ainda há expectativas em relação ao tema, em especial execução civil de títulos, sejam eles judiciais ou extrajudiciais, pois o PL 6.204/19, ainda em trâmite, promete reduzir a dependência do sistema judiciário para a execução de dívidas e títulos, tornando o processo mais ágil, eficiente e econômico.
E considerando que o sistema judiciário brasileiro tem 83,8 milhões de processos em tramitação (2023), sendo que destes, 44,3 milhões referem-se a execuções por título judicial ou extrajudicial, encontrando-se dentre estes,12,5 milhões suspensos, muitos em razão da dificuldade de encontrar bens passíveis de serem penhorados, qualquer legislação que vise proteger o credor é bem-vinda!
Em conclusão, o Marco Legal das Garantias representa um avanço significativo para o mercado de crédito no Brasil, modernizando e facilitando o uso de garantias.
A lei proporciona mais segurança jurídica, reduz a burocracia e amplia o acesso ao crédito para empresas e indivíduos. Além disso, cria oportunidades para os operadores de crédito, que podem explorar novas modalidades de garantias, como ativos intangíveis, compartilhamento de garantias e recebíveis futuros.
E, com a possibilidade de execução extrajudicial mais rápida e eficiente, o marco incentiva a desjudicialização, agilizando a recuperação de créditos.
Agora é sua vez de analisar como a lei pode beneficiar a sua empresa e procurar assessoria jurídica para adequação de contratos e assessoria em negociações extrajudiciais ou perante cartórios, alinhando as melhores estratégias para maximizar o uso de garantias disponíveis, reduzir riscos de inadimplência, otimizar o acesso ao crédito e garantir a eficiência na recuperação de valores, tudo isso de forma segura e em conformidade com as inovações trazidas pelo Marco Legal das Garantias.