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Um olhar crítico sobre o impacto das indenizações aos investidores

Responsabilizar corporações por atos ilícitos de gestores, em vez dos próprios administradores, pode desproteger credores e fragilizar a saúde financeira da empresa, afetando o mercado.

31/10/2024

O debate sobre a responsabilidade das corporações em atos ilícitos cometidos por seus administradores levanta importantes questões sobre as consequências dessa prática para os acionistas minoritários (ou melhor, “acionistas não-controladores”), os credores e o mercado de capitais. Em casos de fraudes ou má gestão, há uma tendência (ou tentativa) de responsabilizar a própria corporação, com a indenização de investidores por meio de seu patrimônio, o que pode acarretar um efeito colateral grave: a desproteção dos credores e a deterioração das finanças corporativas, ampliando riscos sistêmicos.

Ao observar o cenário das ações de classe (class actions) nos Estados Unidos, podemos identificar paralelos que ajudam a entender o possível impacto desse tipo de responsabilização. No sistema norte-americano, as class actions visam proporcionar um mecanismo para que grandes grupos de investidores possam buscar reparação judicial por danos sofridos, geralmente como consequência de informações enganosas ou omissões por parte das empresas. No entanto, essas ações, além de frequentemente resultarem em indenizações vultuosas, têm efeitos diretos sobre o caixa da empresa, diminuindo sua capacidade de operar e afetando, consequentemente, outros stakeholders, como os credores.

Esse ponto encontra eco no recente PL 2.925/23 no Brasil, que pretende reformar a lei das sociedades anônimas (lei 6.404/76). Embora o projeto busque aperfeiçoar a proteção aos acionistas minoritários, ele levanta a questão de se é realmente justo que as corporações sejam diretamente responsabilizadas por atos ilícitos de seus administradores, sobretudo quando essas ações prejudicam não apenas os acionistas, mas também os credores. Se alguma lei vier a responsabilizar as companhias em vez dos administradores seria criada uma forma equivocada de reparação de danos, já que a empresa seria duplamente penalizada: primeiro pela má conduta administrativa e, depois, pela necessidade de indenizar acionistas lesados.

Assim como nas class actions norte-americanas, a indenização dos investidores em casos de fraude no Brasil poderá gerar um “círculo vicioso” de transferências financeiras, em que o patrimônio da empresa é esvaziado em nome da reparação, mas às custas de sua própria sustentabilidade econômica. Esse esvaziamento pode resultar na diminuição da capacidade da empresa de pagar seus credores, criando um ambiente de insegurança financeira e jurídica que prejudica o mercado como um todo.

Os credores, em particular, são vulneráveis nesse contexto. Quando a empresa utiliza seu capital para indenizar investidores, aqueles que têm crédito a receber podem ficar em segundo plano, sendo obrigados a disputar os limitados recursos remanescentes. Essa situação é agravada em companhias com dívidas significativas, nas quais a priorização de indenizações pode levar a insolvência, comprometendo a viabilidade da empresa e deixando credores com poucas ou nenhuma garantias.

No caso das class actions norte-americanas, o efeito desse modelo é amplamente discutido. Embora ofereça um mecanismo de justiça coletiva para investidores lesados, esse sistema também é criticado por muitas vezes incentivar ações judiciais sem mérito substancial, que acabam onerando as corporações e diminuindo a confiança no mercado de capitais. O resultado é um encarecimento do capital, pois as empresas se tornam mais relutantes em abrir capital ou emitir novas ações, temendo o impacto financeiro de futuras ações judiciais.

Analogamente, a adoção de medidas semelhantes no Brasil, onde ações são movidas não com o intuito de corrigir injustiças reais, mas de obter compensações financeiras.

Os ônus de eventuais prejuízos causados por administradores têm de recair sobre estes e não sobre a companhia sob pena de a empresa pagar duplamente pelos males causados pela gestão.

Francisco Petros
Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB - Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.

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