Migalhas de Peso

Direito à informação nos contratos bancários: Juros simples ou compostos?

A capitalização de juros não foi pactuada de forma clara e expressa nos contratos, vale dizer, se juros simples ou compostos. Esse argumento não foi analisado pela Corte de origem. Houve omissão!

30/10/2024

Comento aqui uma decisão monocrática novíssima do STJ, no agravo em recurso especial 2669527 - RJ (2024/0218123-3), em 22/10/24.

A decisão trouxe notícia boa e ruim. Pois é.  Difícil a vida dos causídicos e das partes.

Ah, inicialmente, não se pode esquecer das barreiras para "subir" o REsp. O tribunal de origem, não admitiu, equivocadamente, o REsp, nos termos do art. 1.030, V, do NCPC - NCPC, obrigando interpor agravo.   

 Incrível: o sinal está sempre fechado para os causídicos.  

Terríveis súmulas 7 e 83 do STJ

 Pois então. O recurso especial é atropelado pelas terríveis súmulas 7 e 83 do STJ. Extremamente difícil. É sempre essa ladainha: quer rediscutir prova e o julgador esclareceu a controvérsia. Aliás, o meu vizinho Tavinho acredita em tudo que o STJ fala.

Como assim, excelências? É a jurisprudência defensiva. Copia e cola e sai "decidindo". Isso ocorre com milhares de processos. E a justiça?

Daí a correta observação de Lenio Streck1:

"Todos sabemos das dificuldades extremas de se fazer 'subir' um REsp. Atravessar um fosso de jacarés, matar um leão e, ainda por cima, desviar-se das balas dos robôs que atiram nas palavras chaves. Convenhamos, é muita coisa. A retranca é de fazer inveja à escola gaúcha de futebol, numa metáfora ludopédica."

Qual a decisão boa do STJ?

Vamos lá. A boa: A decisão monocrática, bem fundamentada, do STJ conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de, reconhecida a violação do art. 1.022 do CPC/15.

A propósito, isso é muito raro de ocorrer. A maioria dos recursos especiais são, infelizmente, logo exterminados. Vejamos:

“Já com relação aos demais pontos (necessidade de distribuição do ônus de pagamento das custas e inobservância do maior trabalho desempenhado pelo seu patrono nos arbitramentos dos honorários advocatícios de sucumbência), observa-se que, de fato, a Corte local não se manifestou e, embora o recorrente tenha provocado o Tribunal estadual através dos aclamatórios (e-STJ, fls. 967-984), este permaneceu silente, conforme se nota da ementa acima colacionada”.

“Com efeito, inarredável a conclusão de ofensa ao art. 1.022 do CPC de 2015, haja vista que, independentemente do acerto ou não das teses invocadas, elas deveriam ser analisadas pela Corte de origem”.

“Saliente-se, oportunamente, que o direito ao provimento jurisdicional claro, coerente e congruente e corolário do devido processo legal, contido no inciso LIV do art. 5º da CF/88. E, portanto, elemento do núcleo intangível da ordem constitucional brasileira, a que o julgador deve integral obediência”.

“Ante o exposto, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de, reconhecida a violação do art. 1.022 do CPC/15, determinar ao tribunal de origem que realize novo julgamento dos embargos de declaração, devendo se pronunciar, como entender de direito, sobre as relevantes questões que lhe foram submetidas pela parte embargante”.

Logo, totalmente, equivocada à Corte de origem, quando não admitiu o recurso especial, fulminado consoante art. 1.030, V, do NCPC.

Cá pra nós! O tribunal de origem, sim, errou feio!

Parte  ruim da decisão do STJ

É uma crítica epistemológica. Doutrinária. Assim, um ponto, porém, deve ficar claro desde logo: é importantíssimo ressaltar, sempre com todo o respeito, que a tese do recorrente foi a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional por parte do tribunal local, quando provocado por embargos de declaração, a se pronunciar sobre omissão apontada.

 Numa linguagem simples: o tribunal de origem fez cara de paisagem com os argumentos apresentados, sem fazer o devido enfretamento. Vejamos sempre com todo o respeito, a decisão ruim do STJ:

“Quanto a primeira omissão alegada (inexistência de pactuarão expressa da capitalização de juros), sem razão o recorrente, pois o tribunal local se manifestou de forma satisfatória sobre o ponto. Veja-se a fl. 949 (e-STJ)”

Destarte, não se verifica ofensa ao disposto no CDC, sendo certo que seu art. 52 foi observado pelos contratos firmados entre as partes, o qual trouxeram informação prévia e adequada sobre o valor contratado, o montante dos juros e taxa efetiva anual, os acréscimos legalmente previstos, o número e periodicidade das prestações e a soma total a pagar

Pois então. Vamos ao ponto: o fato é que a informação essencial sobre a forma de capitalização dos juros, ou seja, se são juros simples ou compostos os contratos não falam! Não, mesmo!

Como se vê, flagrantemente, sim, houve um vício contratual por violação de direitos básicos elencados no CDC, que é de ordem pública, podendo ser analisado em qualquer fase processual, não havendo preclusão, ainda mais que houve o prequestionamento do ponto.

De outro modo, foi violado direito básico do recorrente: à informação clara e adequada (art. 6º, III), transparência (art.4º, caput) e boa-fé objetiva, do CDC. Só se ultrapassar essa etapa pode-se examinar se a cláusula e abusiva ou não, pelos parâmetros do art.51 do CDC.

Porém, essa questão não foi apreciada e julgada pelo Egrégio Tribunal de Justiça. Esse relevante argumento, isto é, se juros simples ou compostos, invocado pelo recorrente, não foi devidamente enfrentando pela Corte.

Pergunto: o cidadão que vai tomar um empréstimo sabe das súmulas 539 e 541 do STJ? Ele domina a ciência contábil e financeira? Sabe ou é informado de que os juros simples caminham em uma progressão aritmética e os juros compostos em progressão geométrica?

 Afinal, onde está expressamente pactuada e de forma clara a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual nos contratos? ou seja: se simples ou compostos? onde?

Logo, tudo demonstra, sim, que o recorrente não tinha ciência prévia da capitalização dos juros, isto é, se simples ou compostos, ocorrendo no caso concreto violação à informação clara, boa-fé objetiva, transparência e lealdade, restando evidenciado vício de consentimento quando de sua adesão.

Há, sim, flagrante omissão!

Nota-se que há um crescimento exponencial dos juros compostos a partir do ano de amortização, enquanto os juros simples, o crescimento da dívida segue num patamar sustentável para o tomador do empréstimo.

Aqui está o cavalo de troia que os bancos escondem e não informam ao consumidor nos contratos.

Passamos a análise do outro ponto da decisão equivocada:

"No que se refere a capitalização de juros, havendo previsão no contrato de que a taxa anual de juros e superior ao duodécuplo da mensal, considera-se informado o consumidor sobre a capitalização mensal dos juros”.

"Ocorre que, os contratos de consignados e do cheque especial não têm nenhuma previsão, de que taxa anual de juros é superior ao duodécuplo da mensal.

Explico: Mesmo que existisse a previsão expressa, o que não houve, acerca da capitalização de juros nos contratos; não seria razoavelmente possível subentender, pela mera avaliação de um homem médio, que a taxa anual de juros sendo superior ao duodécuplo da taxa mensal prevista no contrato, o consumidor estaria devidamente informado

É uma ficção. É um faz-de-conta de que o Tavinho consumidor foi informado...

Por conseguinte, foi perguntado, nos embargos de declaração, então, com o devido respeito e acatamento, com escopo de aclarar e lançar luz, é claro, a partir do julgamento realizado:

“Onde nos, instrumentos contratuais, constam a forma de capitalização dos juros, isto é, se são juros simples ou compostos?”

“Onde estão, nos contratos, expressamente e de forma clara a previsão de que taxa anual de juros é superior ao duodécuplo da mensal?”

O tribunal continuou omisso! Ficou em silêncio!

Cuidado, causídico: se recorrer, pode multar !!!

Chama à atenção a parte final da decisão monocrática do STJ:

“Fiquem as partes cientificadas de que a apresentação de recursos manifestamente inadmissíveis ou protelatórios contra esta decisão ensejara a imposição, conforme o caso, das multas previstas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º

Ora, ora, respeitosamente, trata-se de uma questão de boa-fé hermenêutica. Por exemplo: os embargos de declaração são interpostos para esclarecer: obscuridade ou eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material (art. 1.022 do NCPC).

Ou seja, a parte embargante pode e deve, sim, usar mecanismos processuais previstos no NCPC para defesa de seu direito.

Prosseguimos. A palavra mágica é manifestamente “inadmissíveis" “protelatórios”? E a fundamentação, excelentíssimos?

Socorro! Como qualquer outra ciência o Direito Processual tem princípios. Um deles é o princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais. Fundamentar uma decisão envolve explicar por a + b, o porquê. O que seriam questões relevantes do processo? Quais as questões que não são relevantes

Pois é. A presunção de boa-fé é princípio geral de Direito: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. A oposição de embargos de declaração só pode ser caracterizada como má-fé se houver flagrante e escancarada deslealdade processual. Deve-se respeitar a boa-fé daquele que observou o NCPC.

Isso é uma obviedade óbvia!

Aliás, aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé (art.5º do NCPC). Porém, está incluído, também, o magistrado, não é?

Ou o inferno são os outros, como dizia Sartre?!

Conclusão

Tem coisas boas no Direito. A decisão monocrática do STJ deu uma aula de Direito Processual Constitucional à Corte de origem, reconhecendo violação do art. 1.022 do CPC/2015, pela negativa de prestação jurisdicional, determinando que seja realizado novo julgamento dos embargos de declaração.

Mas não basta!

O argumento principal do recorrente foi uma questão de ordem pública, isto é, o direito à informação. Repito:  a capitalização de juros não foi pactuada de forma clara e expressa nos contratos, vale dizer, se juros simples ou compostos.

Ou seja, esse argumento não foi analisado pelo tribunal de origem.  

À vista disso, o recorrente pode interpor embargos de declaração com efeitos infringentes ou agravo interno; pois apesar da boa decisão do STJ, ainda há negativa de resposta do órgão julgador, quando provocado a se pronunciar sobre a omissão apontada.

Renato Otávio da Gama Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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