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Temas atuais envolvendo animais de estimação e família multiespécie

Doutrina e jurisprudência têm atuado no sentido de reconhecimento do da proteção da afetividade que se estabelece entre membros humanos de uma família e os seres sencientes.

24/10/2024

O CC está em fase de mudanças e uma delas cria uma quarta categoria na parte geral (hoje temos das pessoas, dos bens e dos negócios jurídicos) passaremos a ter os seres sencientes (aí se inserirão os pets, sem sombra de dúvidas), já havendo, há muito tempo, uma tendência de serem assim considerados.

Pela tradição do direito civil herdada do CC de 1.916 e do direito romano que muito o inspirava, os animais seriam bens semoventes, parte do patrimônio de seu titular1, o que numa visão fria, longe da concretude, foi mantida pelo CC vigente que, neste aspecto, em sua forma original, ainda estava mais próximo da visão patrimonialista, com pouca atenção a aspectos como este da afetividade em torno dos “não humanos” que rodeavam as famílias (inequívoco que o CC vigente foi avançado em adaptar valores de personalidade – mas não ao ponto de passar a prever este viés no trato de que animais despertariam sentimentos a serem igualmente tutelados pela ordem jurídica, na mesma medida – situações que se espera, passem pelo crivo legislativo na publicação de um novo código).

No entanto, com a evolução dos valores sociais e a dinâmica do conceito de família, que passou a ser modificada pelos costumes – admitindo proteção a famílias informais, homoafetivas, monoparentais e não conjugais e sem laços de consanguinidade (v.g. família anaparental) – observando-se uma mudança paradigmática estatisticamente relevante, detectada pela sociologia, que seria a de que um grande número de famílias com pets, muitas vezes com mais pets que filhos e até mesmo sem filhos, mas com pets.

Assim, na prática, muito antes de se cogitar de alteração legislativa ou normativa, inúmeras ações passaram a tramitar nos Tribunais, e não raro, se tem disputado a guarda de animais de estimação em ações de direito de família. Num primeiro momento, a proteção de que aqui se trata se daria no âmbito dos animais de estimação – que nos despertam a afetividade num sentido apto a merecer o status de membro da família.

Obviamente que existem animais que se destinam a atividades disciplinadas pelo agronegócio, que também não podem ser tratados como simples coisas – mas se partilham de outro modo – sem custódia ou tutor ou visitação – caso, por exemplo, de rebanhos que ainda se dividem – em casos de rupturas familiares, como bens dotados de valor econômico e que não necessariamente despertam a afetividade pelos membros da família. Nesse sentido:

TJ-MT - 10014155220188110013 MT Acórdão publicado em 18/02/22 Ementa APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS – DIVISÃO DE SEMOVENTES –EVOLUÇÃO DO REBANHO – POSSIBILIDADE – LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – PRETENSÃO DE INCLUSÃO DE IMÓVEIS RURAIS CUJA PROPRIEDADE NÃO RESTOU MINIMAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS – INVIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Comprovada a união estável no período reconhecido na sentença, devem ser partilhados de forma igualitária todos os bens adquiridos a título oneroso na constância da vida em comum, pouco importando qual tenha sido a colaboração prestada individualmente pelos conviventes. Inteligência do art. 1.725 do CC . A verificação da divisão patrimonial dos semoventes deve ser apresentada pela evolução do rebanho, por se tratar de acréscimo financeiro ao patrimônio das partes, a ser apurado mediante liquidação de sentença. É inviável a partilha de bem imóvel na ação de dissolução de união estável quando ausente prova de direito sobre o bem2.

No caso dos animais de estimação, tais questões se tornaram tão frequentes, que atingiram a seriedade necessária para envolverem a propositura de proposta legislativa.

Em primeiro lugar se destaca o projeto de lei que tramitava pelo Senado Federal de autoria do senador Antônio Anastasia do PSDB/MG que visava criar uma categoria diferenciada na parte geral do CC (hoje temos três categorias disciplinadas: das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos) que inicialmente buscaria adequar nosso ordenamento ao tratamento normativo mais atual (direito europeu) e tendem a fazer com que os animais constituam uma categoria nova, diversa de coisa (bem exclusivamente patrimonial).

Pode parecer uma norma aparentemente inócua, mas não é. Ao asseverar que animais não são coisas, mas bens móveis, abre-se oportunidade para a exegese no sentido de que seriam bens diferenciados, ou seja, não mais objetos ou coisas que possam ser submetidas a quaisquer condições a que seu dono possa pretender submetê-los.

Isso pontua que estaria sendo reconhecido que animais seriam categoria diferente dentro das dos demais bens – afinal, não podem ser tratados com crueldade, em antítese à visão patrimonialista do direito civil do Estado liberal que conferia ao jus utendi decorrente da propriedade dos demais bens inanimados, um caráter absoluto.

Vale ainda pontuar o sentido de que o meio ambiente seja voltado para a satisfação das necessidades humanas. Todavia, de forma alguma impede que ele proteja a vida em todas as suas formas, conforme determina o art. 3º da política nacional do meio ambiente lei  6.938/81.

Se a Política Nacional do Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e não é só o homem que possui vida, então todos que a possuem e podem sofrer devem ser tutelados e protegidos pelo direito ambiental, na medida em que são essenciais à sadia qualidade do Planeta, em face do que determina o art. 225 e seus consectários CF.

Nesse sentido ainda seria relevante apontar que a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto lei 27/2018, que confere aos animais não humanos a natureza jurídica “sui generis”, sendo sujeitos de direitos despersonificados, reconhecendo também que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento. O projeto foi ao Senado, onde sofreu emenda e retornou à Câmara. Ainda aguarda votação em plenário.

Outro movimento legislativo que merece destaque é o projeto de lei 145/21 altera o CPC, para permitir que animais não-humanos possam ser, individualmente, parte em processos judiciais, sendo representados pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por associações de proteção dos animais ou por quem detenha sua tutela ou guarda.  tramita na Câmara dos Deputados.  

Ele destaca que a presença de animais não-humanos no polo ativo de demandas judiciais, reivindicando em juízo os seus direitos individuais, já é uma questão processual debatida em dezenas de países. No Brasil, segundo ele, esse fenômeno tem sido reconhecido pela doutrina como judicialização terciária do Direito Animal: “Exemplos como o da orangotango Sandra e o da chimpanzé Cecília na Argentina, o do urso Chucho na Colômbia, o dos chimpanzés Hiasl e Rosi na Áustria, Tommy e Kiko nos Estados Unidos, o dos chimpanzés brasileiros Suíça, Lili, Megh e Jimmy, entre tantos outros casos mundo afora, demonstram que existe uma omissão relevante em muitos ordenamentos jurídicos que dificultam a proteção individual de determinados seres vivos”3.

Malgrado ainda existam Cortes no país que continuem tratando animais de estimação como meros bens semoventes ainda4 - malgrado há quase dez anos, no ano de 2015, uma Corte no Estado Americano do Oregon tenha decidido que senão humanos podem ser vítimas de crime (corporações etc) com maior razão animais também deveriam sê-lo eis que não seriam mais meros semoventes ou bens de propriedade privada5.

Pelo projeto, os animais seriam, assim, destacados dos bens, constituindo categoria própria, diferenciada. Mas, até aí (antes da alteração legislativa) não haveria muita novidade, afinal de contas, desde há muito se tem entendido que toda propriedade deve atender a um fim social (princípio da socialidade como antevisto por Miguel Reale).

No caso do Projeto do Senado, não se parece querer fazer voltar aos tempos do direito romano clássico, jus quiritum, como se teria o célebre caso da biga de Alfenus, em que o praetor peregrino condenou o cavalo pelo acidente de bigas, como se no Digesto de Justiniano.

Não se cuida, aqui, de se deferir a personalidade ao animal (como se tem no direito argentino o conceito de pessoa não humana – aqui haveria um tertius genus – o ser senciente – que não tem capacidade jurídica própria – mas não é um objeto que possa ser destruído ou tratado com crueldade impunemente – como se teria em relação a coisas inanimadas.

A verdadeira novidade está em outro projeto legislativo que tramitou perante a Câmara dos Deputados (PL 1365/15) e se convolou em lei que foi além disso. Tal diploma se destina a disciplinar a questão da guarda dos animais em caso de disputa em ações de família como, ademais, já vinha sendo autorizado pelo STJ – no início, timidamente, com fincas em situações excepcionais6 e depois admitindo até mesmo o compartilhamento de tal guarda7 - não apenas entre cônjuges e companheiros, mas mesmo entre namorados (há situações mesmo de namoro qualificado), noivos e isso certamente alcançará famílias anaparentais em breve lapso de tempo.

Hoje tramitam na casa legislativa inclusive, medidas para que, em casos de violência doméstica, o agressor não fique como tutor do animal de estimação quando da ruptura. 

Além de não serem mais bens, ao menos os animais de estimação estariam sujeitos à guarda e seus responsáveis são ditos tutores (até então prerrogativa de filhos menores – erra o legislador ao atribuir o nome de guarda ao instituto dos animais de estimação)8.

O conceito de familia multiespecie (humanos e outros nem tão ou talvez mais humanos) já vem sendo reconhecido para que o Estado pague tratamentos veterinários para animais que despertam em seus donos sentimentos de afetividade. Isso ganhará relevo num ambiente de novo CC que está na linha de prestígio de conceito de admitir as sunset clauses (correntes na Common Law com ampla liberdade no que diz respeito ao modo de organizar uma família) se falando em famílias não conjugais que englobarão também os pets (alguns pretendem ir além - plantas, inteligência artificial e por aí vai - porque não manter um relacionamento sério com a Siri ou com a Alexa ?- em sede de afeto a tendência é admitir novas formas de arranjos – a Revista Galileu fez reportagem que relatam pessoas que se dizem em relacionamento sério com plantas – E por que não ?)

Em tese as pessoas devem ter liberdade no direcionamento de seus afetos e interesses pessoais – desde que não se vise fraudar a lei e usar essas situações como subterfúgios para lesarem a outrem (vale aqui observar que atos que fraudam normas imperativas se tem como absolutamente nulos – art. 166, inciso VII CC – enquanto não se quiser casar com uma espada de São Jorge para esconder patrimônio partilhável ou blindagens indevidas aparentemente não haveria como se querer impedir a busca da felicidade pessoal que não viole direitos de outrem).

Nas relações familiares os pets já encontraram seu espaço, não são mais tratados com bens móveis sujeitos à partilha - ensejam tutores (não há mais a custódia latina mas a ideia de tutela própria dos menores de idade no ordenamento), ensejam direito de visitas - não se pode impedir de ingressarem em vôos se forem para fins terapêuticos e certamente não parará por aí (há caso nos Tribunais em que uma clínica entrou com pedido em nome de um shitzu vítima de maus tratos - haveria aí a ideia de criação de um custus animalis ? - Advogados podem aí descobrir novos nichos.

Há de ficar claro que se isso se tem dado, não porque estejamos concedendo algum privilégio ao animal de estimação, mas ao revés, estamos protegendo a afetividade que se agrega à personalidade de seu dono - e o texto constitucional, como sabemos, tutela a afetividade como valor do Estado democrático de Direito - essa, aliás, a base do reconhecimento das uniões estáveis, anaparentais, homoafetivas, parentesco socioafetivo, etc. Então, por que não estabelecer o mesmo critério em relação aos animais de estimação?

Ter um animal de estimação é ato de grande responsabilidade – além deles terem sensibilidade aguçada, seus proprietários e demais membros da comunidade desenvolvem por eles laços de afetividade, o que justifica que o ordenamento jurídico passe a tutelar de modo mais efetivo a integridade dos animais e demais objeto de afeto.

Não se perca de vistas que não se cuida mais de uma questão jurídica sobre propriedade de um animal da família (o que não se confunde com os rebanhos, por exemplo, como se pontuou acima) – não há mais espaço para a ideia de se ter o animal apenas como bem semovente – tanto que, de modo mais ou menos uniforme se tem definido que a competência para tais discussões seria a das Varas de Família. Sobre o tema (e ainda se valendo do termo custódia – sobre o que se ponderou acima):

TJ-MG - Conflito de competência 27112597420238130000 acórdão publicado em 19/03/24 Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO - FAMÍLIA MULTIESPÉCIE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA - CONFLITO ACOLHIDO, PARA DAR PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. A ação destinada a determinar a custódia de animal de estimação é de competência do juízo da Família

Tais propostas legislativas que passaram a dar contornos claros a esse tipo de questão, cada vez mais frequente em demandas judiciais, não obstante o termo guarda revele falha de técnica legislativa a questão tem mesmo que ser disciplinada por lei, facilitando a vida dos donos em caso de dissolução de uma entidade familiar, mormente quando há filhos pequenos que agregam afeto ao seu pet.

Insisto, no entanto, num ponto que parece estar passando despercebido: O Juiz deve estar atento ao fato de deva existir evidência de afetividade do dono em relação ao animal. E isso porque não se pode admitir que a “guarda” do animal seja disputada por conta de abusos no direito de demandar. E atos abusivos (emulativos) são atos ilícitos (art. 187 CC). É a teoria dos atos próprios.

Não raro a pessoa, numa situação de ruptura de relacionamento, movida por sentimentos como mágoa, tenda a buscar a guarda do animal apenas no intuito de atormentar a outra parte. Isso, inclusive, pode levar a situações aflitivas e angustiantes que possam gerar danos morais. Seria interessante que o legislador já cuidasse também desse tipo de questão, pacificando eventuais dissensos que a jurisprudência possa ter em relação a esse tipo de questão.

Por ora, se tem tido notícias de que juízes tem levado tais dados a perícia por equipe multidisciplinar. Isso porque, como igualmente sabido, a questão da culpa na ruptura do vínculo matrimonial se torna questão com reflexos cada vez menores no âmbito das relações familiares.

Mas ainda assim existe a corrente que defende como possível a imposição de indenizações por danos morais em caso de violação a deveres próprios da união familiar - autores como Maria Berenice Dias (Manual das Famílias), inclusive, defendem a ideia de acordo com a qual cada pessoa tenha uma função social dentro de uma união familiar, com um papel a se desempenhar, cuja ruptura possa gerar consequências jurídicas.

Assim, abusos de direito (todo ato em abuso de direito é ilícito por expressa previsão legal – art. 187 CC – em regime de apuração de responsabilidade civil objetiva – Enunciado 37 das jornadas de Direito Civil) na hora de disciplinar com quem ficará o animal de estimação e como será eventual visitação, se for o caso, podem levar à caracterização de situações vulneradoras de direitos de personalidade, viabilizando até mesmo, indenizações se for o caso.

Tudo isso em tempos atuais deve ser analisado em julgamentos sob perspectiva de gênero, como vem sendo pontuado pelo Conselho Nacional de Justiça (em análise combinada, por exemplo, com as jornadas da lei Maria da Penha promovidas pelo STJ) inclusive.

Mais ainda existe para se refletir eis que existem pessoas vulneráveis no bojo de quaisquer relações, como por exemplo, pessoas idosas e pessoas com deficiências de quaisquer tipo – malgrado em casos de deficiência mental ou sensorial isso faça um sentido maior (não obstante agora sejam capazes ainda tem tutela jurídica diferenciada) sendo certo que seria razoável reconhecer que, entre um idoso e um não idoso, aquele tenha preferência para ficar com o animal - o risco de entrar em depressão, por exemplo, seria maior - justificativa para fator de discrimen legal (Celso Antônio Bandeira de Mello). O legislador poderia aproveitar a propícia oportunidade para disciplinar todos esses tipos de polêmicas. Fica a dica.

O tema pode até parecer banal, mas as implicações que dele se extraem podem ser graves, aliás, o universo daquele que visa prestar concurso público, deve-se estar preparado para tudo, já que, hoje, tudo se normatiza, autores como Edgar Morin tem discutido o desafio da complexidade enquanto novo paradigma a ser observado (tudo se relaciona em termos globais o que leva à interpenetração de campos e interdisciplinariedade, fazendo surgir a necessidade de que tudo seja disciplinado pelas normas jurídicas – a complexidade seria um conceito marginal que veio, pouco a pouco, ganhando espaço em discussões científicas).

Mas neste ambiente de complexidade, não se pode deixar correr à latere a discussão a respeito da existência de aspectos não patrimoniais envolvendo o tema proposto, eis que a par dessa patrimonialidade se agrega à questão, o aspecto da afetividade que se agrega, aos animais em geral, mormente aqueles ditos de estimação.

Estatisticamente há um número cada vez maior de pessoas que opta por adotar um animal ao invés de ter filhos, animais de estimação são objeto de afeição de crianças, adultos e idosos, muitas vezes sendo utilizados para o tratamento de doenças com o mal de Alzheimer, na diversidade devemos respeitar até mesmo convicções filosóficas daqueles que, por razões religiosas, por exemplo, comunidade Kardecista ou filosóficas como os veganos e vegetarianos devem ser tidas em conta em questões deste jaez – afinal, desde tempos imemoriáveis, antes mesmo do surgimento da escrita, animais integram o ideário da família do homo sapiens.

E, afinal de contas, desde há muito, tem-se entendido que o direito civil deve ser repersonalizado (decorrência da constitucionalização do direito civil) toda propriedade deve atender a um fim social (princípio da socialidade. Antevê-se, aí, a gênese de uma função social da propriedade do animal de estimação (revela-se que há interesses sociais relevantes que devem ser tomados em consideração ao se avaliar o tratamento que possa ser conferido a um animal).

Em nome dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, valores de nossa ordem constitucional, de se proteger a afetividade que as pessoas agregam aos animais (valores humanos) diretrizes contra os maus tratos. Até então nos resumíamos, nos estudos universitários, ao exame da lei das contravencoes penais, no que tange à vedação de crueldade contra animais.

Mas o fato é que a questão é cada vez mais complexa. Há resoluções do CFMV que tem trazido normatização aos cuidados mínimos que se deva ter em relação a qualquer animal (a par de ser uma questão de saúde pública, observa-se a preocupação com condições dignas de tratamento a ser reservado aos mesmos). Em vários Municípios e Estados da Federação tem se constatado iniciativas legislativas que cuidam da questão do tratamento mínimo a ser conferido a animais, inclusive os de estimação (há detalhes como espaço mínimo para criação e manutenção de animais, vedação de situações como falta de comida ou água e vedação de mantença de animais em presença de elementos ambientais que possam prejudicá-los – falta de aeração, luminosidade, alimentação, água etc.).

Quanto aos animais silvestres, diga-se, apenas en passant eis que este não é o objetivo do presente art., não se esqueça de inúmeras restrições penais no que tange à caça ou cativeiro dos mesmos, sem prejuízo de aplicação de multas administrativas (pelo IBAMA).

Vale lembrar, em decisão do TJ-GO – Ap. 104598-27.2012.8.09.0044, uma mulher foi condenada a pagar danos morais coletivos por ter espancado um cão até à morte, sem prejuízo de sua condenação pela contravenção penal (como cediço, em regra geral – art. 955 CC – a responsabilidade civil é independente da responsabilidade penal).

Muito há que ser discutido ainda – há muitas questões que dividem a população – como dito animais não detém personalidade, mas seriam um quarto gênero (seres sencientes) na teoria geral do direito civil - mas observe-se, por exemplo, discussões culturais em torno do tema: Animais podem abatidos para fins de consumo? Em fatores culturais os orientais têm hábitos culinários que envolvem cachorros. Como resolver a tudo isso?

Há que se falar em jornada mínima para animais de trabalho (por exemplo, animais de carga, cães guia, animais terapêuticos, cães farejadores etc)? Quem deteria legitimidade para a fiscalização e defesa desses interesses? Haveria legitimidade em encarcerar quem abusa de um animal para lançá-lo num ambiente carcerário cruel e sem o mínimo de condições de dignidade? O uso de penalidades administrativas e danos morais coletivos seria suficiente?

Não se anteveem propostas legislativas para a solução destes dilemas a curto prazo – mas certamente a jurisprudência já começará a trilhar na solução desses desafios. Testamentos poderão (já se tem notícias de alguns firmados e em cumprimento) disciplinar sobre o encargo de cuidar de um animal em caso de falecimento do dono e até mesmo impondo encargos para tais tutores, estabelecimento de rendas para tal finalidade, critérios com cuidado etc.

Seria conveniente apontar outros aspectos sobre os quais o legislador deva se manifestar evitando discussões em Tribunais, eis que, por exemplo, existem animais de estimação de alto valor patrimonial (como se observa em consulta a sites de gatis e canis do país há animais que custam o equivalente a veículos), o que resta como aspecto patrimonial para efeito de partilha (o que talvez não aflija os proprietários dos conhecidos animais SRD – sem raça definida – vulgarmente “vira-latas”, o que não afasta o valor agregado pelo afeto).

Novamente, aqui, seria conveniente analisar questões como avaliar a boa ou má-fé daquele que induza ou não o outro a um gasto de grande magnitude por exemplo, já pensando em se separar.

Vale ainda apontar no sentido de que, se ambos tiverem afetividade pelo animal e se a lei estabelece direito de visitas, pela perspectiva da simples incidência do vetusto brocardo ubi commoda ibi incommoda – que em tradução literal e livre implica na ideia de acordo com a qual quem aufere as vantagens deve se encarregar dos ônus de determinada situação – não se podem esquecer as despesas de manutenção de um animal de estimação (veterinário, vacinas, ração, banho e tosa etc.).

Não se trata, obviamente da busca de alimentos para o pet, eis que alimentos, em termos técnicos são reconhecidamente um conceito humano que se fixa em torno de um regime jurídico gravoso (como por exemplo na exceção de garantias constitucionais como a de não ser preso por dívidas – com regramento para além da CF/88 – ou supraconstitucional tal como se observa por prelados do Pacto de San Jose).

Nesse sentido, inclusive o STJ no julgamento do REsp 1.944.228, em julgamento da 3ª turma abordou o tema ao analisar controvérsia sobre a divisão de despesas com os animais de estimação após o fim do relacionamento de um casal em caso em que, o Tribunal de origem (TJSP) reconheceu haver enriquecimento sem causa se na separação apenas um dos donos tiver que arcar com tais despesas.

No voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado, o ministro Marco Aurélio Bellizze considerou ser necessário compatibilizar as regras sobre o regime de bens da união estável com a natureza particular dos animais de estimação, "concebidos que são como seres dotados de sensibilidade". Para ele, com base na atual legislação sobre o tema, não seria possível falar no custeio das despesas com os animais no contexto do instituto da pensão alimentícia – típico das relações de filiação e, portanto, regido pelo direito de família.

Segundo Bellizze, as despesas com o custeio da subsistência dos animais são obrigações inerentes à condição de dono, ainda mais relevantes no caso dos bichos de estimação, que dependem totalmente dos cuidados de seus donos. Essa característica, apontou, torna fundamental analisar como as partes definiram o destino dos animais ao término da relação.

"Se, em virtude do fim da união, as partes, ainda que verbalmente ou até implicitamente, convencionarem, de comum acordo, que o animal de estimação ficará com um deles, este passará a ser seu único dono, que terá o bônus – e a alegria, digo eu – de desfrutar de sua companhia, arcando, por outro lado, sozinho, com as correlatas despesas" – em solução que, ao que parece não admite a responsabilização automática pelas despesas sob o pálio da vedação de enriquecimento sem causa9.

Acresço aí, no entanto, que há que se ponderar o modo como, de modo continuado, o casal fazia isso – nem que seja para que se apliquem cláusulas como as da surrectio e suppresio, vedação de comportamentos contraditórios e tu quoque – dentro da ideia de função social, bem como que os pets dependam inteiramente seus donos para subsistirem. Acresço ainda no sentido de que assoberbar apenas um para que fique sem condições de cuidar do animal poderia gerar discussão em torno da ideia de solidariedade constitucional levando um, por exemplo, a um gueto de marginalização e exclusão social (em contrariedade com a orientação do art. 3º e consectários CF).

Malgrado acenda a discussão em torno da constitucionalidade o fato de haver julgados do STJ que constitucionalizam a questão do animal de estimação a luz da proteção ao meio ambiente prevista no art. 225 e consectários CF10.

Pelo óbvio que animais geram despesas perenes por longos anos, cujos proprietários devam estar convenientemente alertados e que devem orientar uma decisão responsável como a de ter um animal de estimação em casa – mas a partilha de despesas de seres sencientes não parece autorizar a flexibilização de garantias constitucionais – o que pareceria demandar análise em uma emenda constitucional ante todo o exposto.

E muitas outras questões podem ser antevistas ai e já poderiam ser resolvidas – não raro se discutem exigências de preenchimentos de dados cadastrais (alguns falam em RGA – registro geral de animal) para efeitos de vigilância e controle (o que não pode, obviamente, ser convertido, de modo oportunista numa fábrica de taxas para abastecer os cofres públicos – de modo a elitizar inconstitucionalmente a posse de animais de estimação).

Conveniente que o legislador passe a uma análise mais completa destas questões isso por que, rememorando-se: O conceito de família multiespecie (humanos e outros nem tão ou talvez mais humanos) já vem sendo reconhecido para que o Estado pague tratamentos veterinários para animais que despertam em seus donos sentimentos de afetividade.

Isso ganhará relevo num ambiente de novo CC que está na linha de prestígio de conceito de admitir as sunset clauses (correntes na Common Law com ampla liberdade no que diz respeito ao modo de organizar uma família) se falando em famílias não conjugais que englobarão também os pets (alguns pretendem ir além - plantas, inteligência artificial e por aí vai).

Como também dito, não há mais a custódia latina, mas a ideia de tutela própria dos menores de idade no ordenamento, ensejam direito de visitas - não se pode impedir de ingressarem em vôos se forem para fins terapêuticos11 e certamente não parará por aí12.

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1 Entendendo-se por patrimônio a noção de Pontes de Miranda de acordo com a qual esse seria um conjunto de posições jurídicas ativas e passivas, atinentes a um dado titular, sendo passíveis de avaliação econômica e consequente expressão monetária.

2 No mesmo sentido: TJ-GO - 610258020168090081Acórdãopublicado em 06/05/2019 Ementa EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL E DISSOLUÇÃO, CUMULADA COM SEPARAÇÃO DE CORPOS, ALIMENTOS E PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS DURANTE A UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO PELO PERÍODO DETERMINADO NA SENTENÇA. ALIMENTOS. DESCABIMENTO. PARTILHA DE SEMOVENTES. INDENIZAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. I - Para a configuração da união estável como entidade familiar, devem estar presentes, na relação afetiva, os seguintes requisitos: (a) publicidade; (b) continuidade; (c) durabilidade; (d) objetivo de constituição de família; (e) ausência de impedimentos para o casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato ou judicial; (f) observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência. II - O ônus da prova incumbe a quem alega o fato, de modo que à parte autora cabe a prova dos fatos constitutivos e ao réu, a prova dos fatos extintivos, impeditivos ou modificativos. III- A autora não se desincumbiu do ônus de demonstrar que manteve com o requerido um relacionamento duradouro, público e contínuo, com o objetivo de constituir família após 2010. IV- O pensionamento entre ex-cônjuges tem caráter excepcional e deve orientar-se pelo contexto probatório dos autos acerca do binômio necessidade/possibilidade, nos termos do § 1º do art. 1.694 do CC. Não restou comprovado nos autos a necessidade da autora em perceber auxílio material do requerido, mormente porque não restou demonstrada a necessidade ou a incapacidade laborativa. V- Quanto aos semoventes, deverão ser partilhados aqueles existentes à época do rompimento do vínculo matrimonial, referenciados no documento expedido pela Agrodefesa. VI - Constatado que cada litigante é em parte vencedor e vencido, deve ser reconhecida a sucumbência recíproca, nos termos do art. 86, caput, do CPC . APELAÇÕES CONHECIDAS. PRIMEIRA DESPROVIDA. SEGUNDA PARCIALMENTE PROVIDA.

TJ-MG - Apelação Cível: AC 10106130007623002 MG Acórdão publicado em 02/09/2014 Ementa APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - PARTILHA - ONUS DA PROVA - DISTRIBUIÇÃO - SEMOVENTES - EXISTÊNCIA CONFIRMADA - PROPRIEDADE DE TERCEIROS - COMPROVAÇÃO - AUSÊNCIA - INCLUSÃO NO ACERVO PARTILHÁVEL - SENTENÇA MANTIDA. O ônus da prova, "prima facie", incumbe ao autor. Todavia, é patente a transferência do encargo ao réu quando este assevera existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito contra si pleiteado, consoante regra do art. 333 inc. II do CPC. Deve ser mantida a sentença que inclui no acervo partilhável os bens semoventes, cuja existência foi confirmada pelo requerido que, no entanto, não se desincumbiu do ônus de comprovar que parte destes é de propriedade de terceiros.

TJ-MG - Apelação Cível: AC 57801020168130878 Acórdão publicado em 19/09/2022 Ementa EMENTA: APELAÇÃO - DIREITO DE FAMÍLIA - DIVÓRCIO - PATRIMÔNIO COMUM - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE PARTILHA DE BENS CUJA POSSE OU PROPRIEDADE COMUM NÃO FOI COMPROVADA - HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA - NECESSIDADE DE FIXAÇÃO EM RECONVENÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO - PROVIMENTO PARCIAL DE AMBOS OS RECURSOS. 1. Não comprovada a venda regular do imóvel comum antes do encerramento do sociedade conjugal, necessária a sua partilha. 2. Não estando o imóvel quitado e/ou registrado em nome do casal, não há como partilhá-lo na inexistência de prova da propriedade, sendo necessária a partilha somente dos valores quitados anteriormente. 3. Havendo prova de que os veículos se encontram em nome do cônjuge varão, impõe-se que sujam partilhados. 4. Não comprovada a aquisição do bem móvel na constância do casamento, ou sequer sua negociação antes de encerrada a união conjugal, não há como partilhá-lo. 4. Os honorários devem ser fixados em reconvenção e, havendo sucumbência recíproca, ambos devem ser condenados, não sendo possível a compensação. Inteligência do art. 85, § 14 do CPC 

3 (TRF-4 - AG: 50243720720224040000 5024372-07.2022.4.04.0000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 01/06/2022, TERCEIRA TURMA).

4 TJ-RJ - APELAÇÃO: APL 3222020188190055 Acórdão publicado em 19/08/2021 Ementa EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA PARTE AUTORA CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A ANTERIOR RECURSO DE APELAÇAO E MANTEVE A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO QUE APONTA A EXISTÊNCIA DE OMISSÕES E CONTRADIÇÕES NO JULGADO, DIANTE DA COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DO ANIMAL POR PARTE DA DEMANDANTE, SENDO DESCONSIDERADO QUE NÃO OCORREU A PARTILHA DE BENS QUANDO DA SEPARAÇÃO DE CORPOS DO CASAL, QUE INSTA RESSALTAR ENCONTRASSE NOVAMENTE JUNTOS. OUTROSSIM, NÃO FOI LEVADO EM CONSIDERAÇÃO O DEPOIMENTO DE TESTEMUNHAS, AS QUAIS DEIXARAM CLARO QUE OS CÃES ERAM DE PROPRIEDADE DA EMBARGANTE. A PRÓPRIA AUTORA RECORRENTE DEIXOU CLARO QUE OS ANIMAIS INTEGRAVAM O PATRIMÔNIO DO CASAL. ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. ANIMAIS SÃO CLASSIFICADOS COMO BENS SEMOVENTES (ESPÉCIE DE BEM MÓVEL) E A AQUISIÇÃO DE SUA PROPRIEDADE SE DÁ PELA SIMPLES TRADIÇÃO, OU SEJA, PELA SIMPLES ENTREGA DO BEM. ACLARATÓRIOS QUE NÃO PROSPERAM, ESPECIALMENTE PORQUE INEXISTEM NO JULGADO OS VÍCIOS APONTADOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

E, indeferindo a petição inicial por negar o conceito em testilha e se apegando ao direito civil tradicional de base romano canônica: TJ-DF - 7142753520238070001 1747876 Acórdão publicado em 04/09/2023 Ementa APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DE PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. DESCABIMENTO. INSTITUTO DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E DA PESSOA DOS FILHOS. INAPLICABILIDADE A BENS SEMOVENTES. HIPÓTESE DE COMPOSSE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A guarda é instituto jurídico cujo escopo precípuo é o de assegurar a proteção da criança e do adolescente conforme o melhor interesse do menor, instituto esse que encontra previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente (art.s 33 a 35) e no CC (art.s 1.583 a 1.590), convergindo, em regra, com o exercício do poder familiar a que alude o art. 1.634 desse último diploma. 2. A proteção integral da criança e do adolescente e da pessoa dos filhos no curso da sociedade conjugal e da união estável e após sua dissolução tem, entre seus fundamentos, o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. Muito embora sejam os animais de estimação reconhecidos como seres sencientes, não se mostra pertinente a aplicação, por analogia, de princípios e institutos de direito constitucional e de direito civil que dizem respeito à proteção de crianças e adolescentes à custódia de bichos de quaisquer espécies. 4. A despeito dos novos contextos sociais observados nas últimas décadas, nos quais a entidade familiar ganhou novos contornos, somados à queda das taxas de natalidade e ao inequívoco afeto que pauta o convívio entre tutores e animais de estimação, certo é que os ?pets? ainda são enquadrados juridicamente como bens semoventes, a teor do art. 82 do CC , circunstância que direciona a discussão sobre sua custódia para os institutos da propriedade e da posse. 5. Assim, procedeu o magistrado da origem com acerto ao reputar inadequada a via eleita pelo autor da ação para discutir seus direitos sobre cadela de estimação com amparo no instituto da guarda compartilhada, pois eventual exercício compartilhado de poderes sobre a cachorra deve ser dar nos limites da composse, ex vi do art. 1.199 do CC . 6. APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA.

5 TRF-4 - AG: 50243720720224040000 5024372-07.2022.4.04.0000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 01/06/2022, TERCEIRA TURMA.

6 RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade?). 2. O CC, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO , Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2018).

7 AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE GUARDA - ANIMAL DE ESTIMAÇÃO - AQUISIÇÃO DURANTE A CONSTÂNCIA DA RELAÇÃO HAVIDA ENTRE AS PARTES - TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA - PEDIDO DE CONVIVÊNCIA COM O

ANIMAL - DECISÃO DE INDEFERIMENTO - INSURGÊNCIA RECURSAL - FAMÍLIA MULTIESPÉCIE - VÍNCULO AFETIVO ENTRE SERES HUMANOS E ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO - SERES SENCIENTES - APLICAÇÃO ANALÓGICA DAS REGRAS RELATIVAS AO INSTITUTO DA GUARDA NO DIREITO CIVIL - ENUNCIADO Nº 11 DO IBDFAM - PRESENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA DE URGÊNCIA - VÍNCULO AFETIVO ENTRE ANIMAL E DEMANDANTE EVIDENCIADOS - RISCO DE DANO NA IDADE AVANÇADA DO ANIMAL, CONSIDERADO IDOSO POR LAUDO VETERINÁRIO - BAIXA EXPECTATIVA DE VIDA - AUSÊNCIA DE RISCO ÀS PARTES OU AO ANIMAL COM A CONCESSÃO DA MEDIDA - DECISÃO AGRAVADA REFORMADA.1. Família multiespécie é a atual denominação concedida ao vínculo afetivo constituído entre seres humanos e animais de estimação. Seguindo interpretação doutrinária acerca do tema, os animais de estimação deixaram de ser tratados como ‘semoventes’, regra incidente na doutrina tradicional, e passaram a ser denominados seres sencientes, ou seja, aqueles que têm sensações, capazes de sentir dor, angústia, sofrimento, solidão, raiva etc.2. Consoante interpretação doutrinária recente, aos animais de estimação, na condição de seres sencientes, são atribuídas por analogia as regras relativas ao instituto da guarda no Direito Civil.3. No caso concreto, uma vez presentes os requisitos autorizadores da tutela de urgência, deve-se estabelecer o período de convivência entre o demandante e o animal de estimação, adquirido ainda durante a relação conjugal havida entre as partes. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 12a C.Cível - 0019495- 77.2021.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN - J. 02.08.2021) (Destaquei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. União estável. Regulamentação de visitas. Animal de estimação. Evidenciada a existência de relação de afeto entre a autora e o animal de estimação - adotando a orientação do E. STJ (REsp 1.713.167/SP) , razoável a manutenção da liminar concedida, regulamentando o direito de visitas. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP - AI: 22081144620198260000 SP 2208114-

46.2019.8.26.0000, Relator: Silvia Maria Facchina Esposito Martinez, Data de Julgamento: 10/03/2020, 10a Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/03/2020).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. POSSE COMPARTILHADA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO APÓS DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. É possível a posse compartilhada de animal de estimação após a dissolução de sociedade conjugal, que deve levar em consideração, além da co-propriedade, a capacidade das partes para a criação do animal. Capacidades estas que vão desde os fatores psicológicos, sentimentais, financeiros, tempo disponível, entre outros. 2. Uma vez demonstrado pela autora a co-propriedade e sua capacidade para criação do animal de estimação, deve ser mantida a sentença que determinou a posse compartilhada do animal. 3. Apelação cível desprovida. (TJ-DF 07031591420198070020 DF 0703159-14.2019.8.07.0020, Relator: HECTOR VALVERDE, Data de Julgamento: 23/09/2020, 5a Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 08/10/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) 

8 O Projeto do Senado, tem que ser visto com certo cuidado, devendo ser precedido de maior discussão, eis que parece querer fazer voltar aos tempos do direito romano clássico, jus quiritum, como se tem com o caso da biga de Alfenus, em que o praetor peregrino condenou o cavalo pelo acidente de bigas - Digesto de Justiniano.

9 Disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/21052023-Animais-de-estimacao-um-conceito-juridico-em-transformacao-no-Brasil.aspx

10 STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1713167 SP 2017/0239804-9 Acórdão publicado em 09/10/2018 Ementa RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional art. 225, § 1, inciso VII -"proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O CC, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido.

11 Quanto a isso, observem-se alguns dados normativos: Lei  11.126/05 e nos arts. 29 e 30 da Resolução ANAC nº 280, de 11 de julho de 2013, in verbis: Art. 29. O PNAE usuário de cão-guia ou cão-guia de acompanhamento pode ingressar e permanecer com o animal no edifício terminal de passageiros e na cabine da aeronave, mediante apresentação de identificação do cão-guia e comprovação de treinamento do usuário. § 1º O cão-guia ou o cão-guia de acompanhamento devem ser transportados gratuitamente no chão da cabine da aeronave, em local adjacente ao de seu dono e sob seu controle, desde que equipado com arreio, dispensado o uso de focinheira. § 2º O cão-guia ou o cão-guia de acompanhamento devem ser acomodados de modo a não obstruir, total ou parcialmente, o corredor da aeronave. § 3º O cão-guia ou o cão-guia de acompanhamento em fase de treinamento devem ser admitidos na forma do caput quando em companhia de treinador, instrutor ou acompanhante habilitado. § 4º O operador aéreo não é obrigado a oferecer alimentação ao cão-guia ou ao cão-guia de acompanhamento, sendo esta responsabilidade do passageiro. Art. 30. Para o transporte de cão-guia ou cão-guia de acompanhamento em aeronave, devem ser cumpridas as exigências das autoridades sanitárias nacionais e do país de destino, quando for o caso.

12 Em sentido contrário, inclusive: TRANSPORTE AÉREO - Obrigação de fazer - Animal de apoio - Pretensão da autora de embarque, na cabine, de cão cujas características não passageiros -Sentença reformada para julgar improcedente a demanda". (TJSP; Recurso Inominado Cível 0015895-08.2023.8.26.0224; Relator (a): Antonio Carlos Santoro Filho - Colégio Recursal; Órgão Julgador: 7a Turma Recursal Cível; Foro de Guarulhos - 3a Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 24/10/2023; Data de Registro: 24/10/2023)

Júlio César Ballerini Silva
Advogado. Magistrado aposentado. Professor. Coordenador nacional do curso de pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Médico.

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