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Pescaria probatória no caso Marielle Franco

Embora nenhum direito seja absoluto, não é razoável que se admita que uma rede seja jogada sob um oceano de dados para encontrar informações que auxiliem uma investigação criminal.

24/10/2024

A Suprema Corte brasileira iniciou, recentemente, julgamento voltado a solucionar a controvérsia levantada pelo Google em torno da solicitação formulada à empresa pelo Ministério Público no âmbito do caso Marielle Franco.

O pedido direcionado ao juízo, que motivou o julgamento pelo STF do Tema 1.148 em sede de repercussão geral — o que significa que há questões relevantes para toda a sociedade em apreciação — trata de requisição para quebra de sigilo telemático “genérica”.

Isto é, o requerimento consistia na obtenção de números de IP - Internet Protocol de todas as pessoas que realizaram pesquisas relacionadas ao local em que a então vereadora Marielle Franco foi assassinada, bem como daquelas que passaram próximas à localidade.

A quebra de sigilo telemático, portanto, é o acesso a dados de usuários que estejam cadastrados em determinados serviços, possibilitando que os órgãos de persecução penal coletem informações de indivíduos envolvidos em crimes.

Requisita-se a quebra de dados telemáticos, por exemplo, quando é necessário o acesso ao registro de mensagens trocadas entre sujeitos envolvidos em uma investigação criminal.

À vista disso, é inegável a importância desta medida destinada a subsidiar a atividade persecutória do Estado por meio dos órgãos investigatórios, possibilitando que informações de grande valor para a elucidação dos fatos possam ser obtidas.

Entretanto, o ordenamento jurídico brasileiro delimita a concessão desse meio de obtenção de provas para casos em que o magistrado (autoridade judiciária) autorize, direcionando sua execução para pessoas individualizadas e em dispositivos determinados, o que se extrai da lei 9.296/96 e da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Isto porque a quebra do sigilo dos dados telemáticos, como o próprio nome sugere, é caracterizada pelo afastamento extraordinário de garantias constitucionais protegidas nacional e internacionalmente, como a privacidade das comunicações, de modo que eventual excesso na conservação desse direito pode submeter o caso à apreciação de Cortes Internacionais.

Ademais, a exigência de indicação precisa dos sujeitos e dispositivos contra os quais será efetuada a quebra é uma decorrência lógica da própria segurança jurídica inserida no ordenamento constitucional brasileiro e fundamentada como um pilar do Estado Democrático de Direito.

Contudo, não obstante todas as decorrências legais e constitucionais acerca do tema, o pedido do Ministério Público no caso Marielle Franco foi concedido pelo juízo de primeiro grau, pelo TJRJ e pelo STJ, antes de chegar ao STF.

Nota-se, portanto, uma resistência latente em aplicar os postulados normativos que deveriam guiar a atividade judiciária sob uma disciplina constitucional que eleva o sigilo dos dados ao patamar de direito humano fundamental.

Embora nenhum direito seja absoluto, não é razoável que se admita que uma rede seja jogada sob um oceano de dados com a intenção de ali, talvez, encontrar informações que auxiliem uma investigação criminal, inserindo na persecução sujeitos estranhos ao processo.

Leonardo Tajaribe Jr.
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: leonardotajaribeadv@outlook.com

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