Diferentemente de alguns países vizinhos da América do Sul, como a Argentina, que regulamentou de forma expressa a responsabilidade penal da pessoa jurídica por meio da lei 27.401/17, denominada régimen de responsabilidad penal para las personas jurídicas por delitos cometidos contra la administración pública y cohecho transnacional, o Brasil ainda se encontra em um debate constante sobre o tema. A legislação argentina responsabiliza empresas por crimes já previstos no Código Penal, quando praticados, direta ou indiretamente, com a intervenção da pessoa jurídica ou em seu nome, interesse ou benefício. As penas incluem multa de duas a cinco vezes o benefício indevido que poderia ter sido obtido; suspensão total ou parcial das atividades por um período não superior a 10 anos; suspensão da participação em licitações públicas ou de contratos com o Estado; dissolução e liquidação da pessoa jurídica quando criada para a prática de crimes ou quando essas atividades constituem sua função principal; além da perda ou suspensão de benefícios estatais e publicação do extrato da condenação.
No Chile, outro exemplo latino-americano, a ley sobre la responsabilidad penal de las personas jurídicas atribui responsabilidade penal à pessoa jurídica nos casos em que crimes são cometidos no seu interesse ou para o seu benefício, por proprietários, controladores, administradores ou executivos que exerçam atividades de administração e fiscalização. Nesses casos, a prática criminosa deve ser consequência do descumprimento dos deveres de gestão e fiscalização. As sanções são semelhantes às da Argentina, incluindo a proibição de contratação com a administração pública, perda da personalidade jurídica e multas calculadas em dias-multa, com um mínimo de 200 dias, dependendo da infração.
No Brasil, com exceção dos crimes ambientais, não há previsão legal que responsabilize penalmente a pessoa jurídica de forma geral. Esse tema, no entanto, permanece em pauta, ressurgindo constantemente no cenário jurídico. A defesa da responsabilização penal das pessoas jurídicas tem grandes referências no direito penal moderno, ainda que alguns doutrinadores, com certa razão, sustentem que essa proposta seria incompatível com a dogmática penal e traria embaraços conceituais.
Contudo, a legislação brasileira, por meio do direito administrativo sancionador, introduziu em 2013 a lei anticorrupção (lei 12.846/13), que estabelece sanções civis e administrativas para atos lesivos ao patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra os princípios da administração pública ou contra compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Essa norma, porém, pode ser analisada sob duas óticas. A primeira, da qual já fui adepto, defende que o Estado acerta ao não criminalizar as pessoas jurídicas, uma vez que a lei anticorrupção já seria suficiente para regular essa matéria, respeitando o caráter fragmentário do direito penal como ultima ratio. O raciocínio subjacente é o de que, se uma conduta pode ser sancionada sem a intervenção do direito penal, melhor assim.
Entretanto, o que se observa, na realidade, é uma manipulação de conceitos. A própria denominação "lei anticorrupção" traz um viés penal implícito, induzindo a concepção pública de que se trata de uma norma criminal. As penalidades previstas são semelhantes àquelas dos países que criminalizam as condutas em questão, mas, ao classificar o sistema como direito administrativo sancionador, algumas garantias processuais são flexibilizadas ou até mesmo omitidas.
Por exemplo, a responsabilidade da pessoa jurídica prevista na lei anticorrupção é objetiva, ou seja, não há a necessidade de comprovação de dolo ou culpa, o que representa uma afronta à dogmática penal brasileira. Muitas das condutas descritas na referida lei também estão previstas no ordenamento criminal, o que implica na responsabilização simultânea dos gestores, sócios e CEOs tanto na esfera penal quanto na administrativa. Assim, a empresa e seus gestores acabam respondendo em esferas distintas.
À primeira vista, a lei anticorrupção pode transmitir a sensação de que o Brasil está no caminho certo ao evitar a criminalização direta da pessoa jurídica. No entanto, esse "jogo de máscaras", ao retirar o direito penal e classificar as sanções como administrativas, acaba por suprimir garantias fundamentais dos acusados. Isso resulta em uma espécie de "garantia à la carte", em que ora são utilizados princípios e procedimentos típicos do direito penal, ora não, sob o argumento de se tratar de uma lei administrativa. Vale lembrar que o Brasil ainda não definiu de forma clara os critérios a serem aplicados nos processos de direito administrativo sancionador. Mas essa é uma discussão para outro momento.
A lei anticorrupção, na verdade, se revela como uma norma punitivista com características penais, ainda que travestida de lei civil.