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Injustiça tributária no trabalho temporário

O erro na interpretação tributária do trabalho temporário no Brasil onera as agências ao considerar o custo da mão de obra como receita tributável, distorcendo a legislação.

23/10/2024

A colocação de trabalho temporário no Brasil é regida pela lei 6.019 de 1974, que estabelece as normas para a contratação de mão de obra temporária e a relação entre a empresa tomadora de serviços e a agência de trabalho temporário. O modelo previsto no CNAE 7820, essencial para suprir demandas emergenciais e de curta duração nas empresas, é amplamente utilizado em diversos setores da economia. No entanto, um grave equívoco tributário tem causado distorções significativas nas obrigações fiscais relacionadas a esse tipo de contratação.

Atualmente, observa-se uma prática injusta em que o custo da mão de obra temporária, pago pela empresa tomadora à agência de trabalho temporário, está sendo considerado como receita tributável para essa última. Essa interpretação distorcida descaracteriza o fato gerador, alarga a base de cálculo e ignora o verdadeiro caráter da operação. Além disso, viola diretamente o que está previsto na lei 6.019/74 e no decreto 10.854/21, contrariando o próprio ordenamento jurídico da Justiça do Trabalho.

2 - O que diz a legislação?

A lei 6.019/74, em seu art. 2º, é clara ao estabelecer que a agência de trabalho temporário atua como intermediária na contratação de trabalhadores, sendo a pessoa física quem presta o trabalho temporário para atender as necessidades transitórias da empresa tomadora de serviços. A empresa que utiliza o trabalho temporário é obrigada a comprovar a necessidade transitória de pessoal suplementar. Dessa forma, o montante pago pela empresa tomadora à agência corresponde, em grande parte, ao custo do trabalho prestado — ou seja, salários, encargos trabalhistas e previdenciários dos empregados temporários, além das obrigações de saúde e segurança do trabalho.

Esse montante não deveria ser tratado como receita da agência de trabalho temporário, visto que ela não se apropria desses valores, pois se trata de renda da pessoa física. O papel da agência é repassar os valores ao trabalhador temporário, atuando apenas como intermediária entre a empresa tomadora e os profissionais. A finalidade da agência, credenciada pelo Ministério do Trabalho, é garantir que os direitos trabalhistas do temporário sejam respeitados, sob pena de responsabilidade solidária.

O decreto 10.854 de 2021 reforça essa lógica, consolidando as normas trabalhistas, inclusive as que envolvem as atividades das agências de trabalho temporário. A interpretação que atribui caráter de receita tributável ao valor da mão de obra repassado aos trabalhadores temporários contraria o art. 71 do decreto e desrespeita os princípios da neutralidade e da equidade tributária. O decreto expressa que o preço do serviço de colocação de temporários é a “taxa de agenciamento”, e que esta atividade não se confunde com o fornecimento de mão de obra (terceirização).

3 - O erro de interpretação tributária

O principal erro de interpretação tributária ocorre quando as autoridades fiscais tratam os valores pagos pela empresa tomadora à agência de trabalho temporário como receita bruta da agência. Na prática, isso gera uma dupla tributação: a agência de trabalho temporário acaba pagando tributos sobre valores que, na realidade, não representam sua receita efetiva, mas sim o custo da mão de obra temporária. A lei 6.019/74, em seu art. 12, determina que o trabalhador temporário deve ter remuneração equivalente à dos empregados CLT da empresa cliente. Logo, os trabalhadores temporários não são empregados da agência, já que esta não possui o poder técnico, disciplinar e diretivo sobre a pessoa física que presta o trabalho temporário.

Essa distorção é injusta, pois inflaciona artificialmente a base de cálculo dos tributos da agência de trabalho temporário, criando um ônus financeiro desproporcional e inviável. Além disso, trata-se de uma violação da natureza jurídica dos contratos temporários, nos quais a agência deveria ser tributada apenas sobre o valor que realmente constitui sua receita — ou seja, a comissão ou taxa administrativa cobrada pela prestação do serviço de intermediação. Esse abuso também desrespeita a súmula 524/05 do STJ, a súmula 331 do TST, a lei 116/03 (art. 2º) e até a lei do ISS de Curitiba (art. 13-A).

4 - Impactos na Justiça do Trabalho e no setor

As consequências desse equívoco tributário vão além do impacto financeiro sobre as agências de trabalho temporário. Afetam a competitividade do setor, que já opera com margens estreitas devido aos custos relacionados à complexa gestão da mão de obra temporária e à conformidade com a legislação trabalhista.

Além disso, ao desconsiderar o custo da mão de obra temporária como parte das despesas das empresas tomadoras de serviços, esse entendimento fiscal gera uma inversão de valores que compromete a função social do trabalho temporário, prevista no art. 170 da CF/88, como uma solução flexível e acessível para situações emergenciais ou de aumento temporário de demanda.

Por fim, a Justiça do Trabalho também é desrespeitada, uma vez que os princípios de proteção ao trabalhador e de justiça nas relações de trabalho são comprometidos. Ao onerar excessivamente as agências de trabalho temporário, há o risco de redução na oferta de empregos temporários, o que prejudica tanto as empresas tomadoras quanto os trabalhadores que dependem desse tipo de oportunidade para retornar ao mercado de trabalho.

Conclusão

A injustiça tributária no trabalho temporário representa um grave equívoco que desvirtua a correta interpretação da lei 6.019/74 e do decreto 10.854/21, além de violar a CF/88 e todo o ordenamento jurídico trabalhista. A interpretação que considera o custo da mão de obra temporária como receita tributável para as agências de trabalho temporário cria uma distorção fiscal que prejudica tanto as agências quanto os trabalhadores temporários e as empresas tomadoras de serviços.

É urgente que as autoridades fiscais se conscientizem e revisem essa prática de desrespeito ao fato gerador, ajustando a base de cálculo dos tributos às reais receitas das agências de trabalho temporário, de modo a garantir a justiça tributária e o cumprimento da legislação trabalhista vigente.

Marcos de Abreu
Presidente da Employer.

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