1. Panorama geral
Em 10 de outubro de 2024, a SRE/MF - Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda divulgou o relatório “Plataformas Digitais: Aspectos Econômicos e Concorrenciais e Recomendações para Aprimoramentos Regulatórios no Brasil” com propostas para aprimorar a defesa da concorrência nos mercados digitais.
As propostas foram elaboradas a partir do sesultado da tomada de subsídios 1/24 conduzida pela SRE/MF, por meio da plataforma Participa + Brasil, entre janeiro e maio deste ano. Foram registradas 72 contribuições, sendo que somente 59 foram consideradas dentro do escopo e incluídas nas análises quantitativas e qualitativas do relatório. Foram 7 pessoas físicas e 52 pessoas jurídicas. A maior parte dos respondentes pessoa jurídica se refere a empresas estrangeiras (foram 32 participantes estrangeiros e 20 brasileiros), sendo que o destaque foi para os EUA, com o maior número de respondentes. As principais categorias de atores consideradas foram (1) academia, (2) indústria (plataforma digital [GAFAM e outras plataformas], telecomunicações, usuários profissionais e outros), (3) pessoa física, (4) setor público e (5) sociedade civil (profissionais, direitos difusos e think tanks, entre eles o IBRAC -Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional).
O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica submeteu uma contribuição no contexto da tomada de subsídios em abril de 2024. Outras autoridades como a ANATEL -Agência Nacional de Telecomunicações e o MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, bem como empresas como o Google, Facebook e Amazon também contribuíram.
2. Escopo do relatório do Ministério da Fazenda
A publicação do Relatório da SRE/MF acontece em um momento de intenso debate sobre a necessidade de regulamentação dos mercados digitais no Brasil e sobre qual seria a autoridade adequada para a regulação do tema. De acordo com o Ministério da Fazenda, a falta de um arcabouço regulatório adequado para os mercados digitais é um problema que impacta diretamente a economia do país, inibindo inovação e prejudicando a produtividade em relação a outras economias. Por outro lado, a concentração de poder econômico em grandes plataformas configura uma nova e complexa estrutura de poder de mercado que os instrumentos tradicionais de análise antitruste têm dificuldade para identificar e remediar de forma adequada e tempestiva.
Assim, visando fomentar o desenvolvimento de negócios digitais e o empreendedorismo no país, o relatório oferece propostas e recomendações que buscam aprofundar a compreensão dos aspectos econômicos e concorrenciais das plataformas digitais com o objetivo de aprimorar o SBDC - Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, indicando o CADE como ente regulador adequado para lidar com as novas dinâmicas competitivas nos mercados digitais.
3. Limitações do direito antitruste
Em meio às complexidades e inovações introduzidas pelas plataformas digitais, o Relatório destaca os desafios das ferramentas e metodologias do antitruste tradicional para lidar com determinadas dinâmicas de plataformas digitais, incluindo:
- Limitações relacionadas aos processos de definição de mercado relevante;
- Problemas na identificação de poder de mercado;
- Insuficiência na identificação e avaliação de riscos competitivos;
- Dificuldades para desenhos de remédios;
- Demora na conclusão dos procedimentos;
- Contextos em que a concorrência pode ser inviável ou ineficiente.
4. Recomendação do CADE como ente regulador
O Relatório indica o CADE como autoridade responsável pela regulação do tema e apresenta dados da tomada de subsídios que demonstram que a maioria dos respondentes da pesquisa realizada entendem adequado delimitar o tema da defesa da concorrência à autarquia.
Conforme ilustrado abaixo, de 29 contribuições, 16 preferiram a autarquia antitruste.
5. Propostas e recomendações
Inspirado nas experiências estrangeiras de jurisdições como a do Reino Unido, Alemanha e Japão, o estudo recomenda duas frentes de aperfeiçoamento do SBDC.
O primeiro grupo de recomendações dá enfoque na introdução de novos instrumentos pro-competitivos por meio de reforma na lei de Defesa da Concorrência (lei 12.529/2011), direcionados exclusivamente a “plataformas sistemicamente relevantes”.
Nos termos da regulação europeia (Digital Markets Act), o relatório também recomenda a implementação de uma regulação prévia (ex ante), que identifica e impõe obrigações específicas às plataformas com relevância sistêmica, com o intuito de evitar o exercício de práticas abusivas por esses agentes de mercado.
O segundo eixo propõe a adaptação dos instrumentos e procedimentos de análise de condutas e atos de concentração para a realidade dos mercados digitais por meio de medidas infralegais.
6. Pontos a serem refletidos
Alguns pontos das propostas do relatório merecem ser analisados e refletidos, entre os quais:
- Para que o CADE estruture uma unidade altamente especializada, será necessário a realização de um concurso público direcionado para tal objetivo?
- Qual será o papel de supervisão que o Tribunal do CADE exercerá sobre as decisões que essa nova unidade tomar?
- O critério de faturamento é adequado para definir quais empresas serão alvo de uma regulação mais severa ou criaria um safe harbour para empresas locais com baixo faturamento, mas elevado poder de mercado?
- A aplicação de uma única regra ex ante, desenhadas para lidar com agentes que seguem modelos de negócio semelhantes, poderia afetar negativamente o mercado ao impedir a identificação individualizada de falhas de mercado?