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Da limitação à rescisão unilateral de plano de saúde coletivo empresarial com menos de 30 beneficiários

Operadoras de planos de saúde estão realizando cancelamentos unilaterais de contratos empresariais, afetando pacientes em tratamento contínuo. Isso viola direitos previstos no CDC e normas da ANS.

23/10/2024

Recentemente, tem sido divulgado em diversas mídias que as principais operadoras de plano de saúde seguem notificando as pessoas jurídicas, ora contratantes de plano de saúde coletivo na modalidade empresarial, com a mera alegação que não possuem mais interesse em manter referidos contratos ativos e que optaram pelo cancelamento unilateral, entendendo para tanto que, basta a mera notificação, pois estariam supostamente seguindo as normas da ANS - Agência Nacional de Saúde, gerando diversas autuações contra as mesmas.

Ocorre que, as notificações destinadas aos cancelamentos geralmente estipulam o prazo de 60 dias para o término automático da vigência, inclusive abrangendo contratos com menos de 30 beneficiários de maneira imotivada, o que é vedado.

Insta destacar que o contrato de plano de saúde resta albergado pela interpretação do CDC: 

STJ - Súmula 608 – Aplica-se o CDC aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Na realidade está ocorrendo a rescisão unilateral dos contratos que estavam supostamente causando “prejuízo financeiro” às operadoras, especificamente de beneficiários que estão em tratamentos médicos inclusive contínuos, em vias de cirurgias e mormente dos que utilizam reembolso. 

Não obstante, as operadoras tentam induzir que não haveria irregularidade, posto que o contrato coletivo empresarial prevê que o cancelamento unilateral após a vigência de 12 meses, com a única exigência de que a outra parte seja notificada por escrito com antecedência mínima de 60 dias e que somente o beneficiário em tratamento teria direito à continuidade no plano até o término, vez que o STJ, ao julgar o tema 1.082 dos Recursos Repetitivos, formulou a seguinte tese: 

“A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento”

Pois bem, a regra de “continuidade dos cuidados assistenciais” dever-se-ão estender aos pacientes em tratamentos, inclusive para portador de TEA, cujo plano seja inferior a 30 vidas sem “motivação idônea”, como temos visto em alguns julgados, de modo que a eventual rescisão unilateral somente seria admitida se devidamente motivada e restrita aos termos da lei.

No entanto, nos deparamos com a rescisão imotivada, vez que na maioria das vezes os beneficiários seguem adimplentes com as suas obrigações, inclusive de natureza financeira e com integral cumprimento das carências, sem qualquer óbice para realizar todos os procedimentos prescritos.

Conforme preceitua o parágrafo único do art. 13 da lei 9.656/98, em relação ao contrato de plano de saúde coletivo, a operadora somente poderá rescindir de maneira unilateral e imotivada, desde que cumpridos alguns requisitos, dentre os quais destacamos: fraude de qualquer natureza e a inadimplência do beneficiário, obrigatoriamente por 60 dias, sendo eles consecutivos ou não. 

Logo, não merece vingar a pretensão do envio da notificação no intuito de forçar o cancelamento imotivado e a migração de operadora, que ora causam imensuráveis danos, vez que a rede credenciada ou particular mediante reembolso muitas vezes não será a mesma que já presta os devidos atendimentos geralmente há anos.

Desse modo, não ocorre apenas defeito na prestação de serviços pela operadora, mas principalmente um descaso com o direito à saúde e à dignidade humana, sendo inconteste que a rescisão imotivada refletirá diretamente nas condições de tratamento contínuo.

No entanto, muitas vezes as tratativas administrativas diretamente com a operadora não surtem efeitos, sendo necessário ingressar com a medida judicial de urgência, para assegurar através de tutela ou liminar a continuidade do plano, do tratamento contínuo e para coibir reajustes abusivos das mensalidades, ou seja, quem estejam em desacordo com a limitação imposta e divulgada pela ANS.

Ademais, referida situação ultrapassa o mero aborrecimento ou desacordo comercial, de modo que o pedido judicial de dano material e moral também se mostra cabível, inclusive visando a restituição dos valores pagos em excesso, sendo de suma relevância que a empresa contratante esteja assistida por assessoria jurídica.

É consabido, outrossim, que as cláusulas contratuais atinentes aos planos de saúde devem ser interpretadas em conjunto com as disposições do CDC, de sorte a alcançar os fins sociais preconizados na CF/88.

Não há de olvidar que a preservação à vida consistente na saúde dos beneficiários é imensuravelmente superior às questões financeiras derivadas das vastas gamas de lucros pelas operadoras, ultrapassando os limites da dignidade humana, colocando em risco a suspensão dos tratamentos contínuos com prescrições médicas.

Atualmente a lei 9.656 de 3/6/98 que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde se limita em proibir a suspensão ou rescisão unilateral do contrato durante a internação. 

Todavia, a situação é tão crítica e  relevante em relação às rescisões que, tramita o projeto de lei do Senado Federal (PL 3.264/24) propondo alterações para proibir a rescisão ou qualquer suspensão unilateral durante o tratamento contínuo e para que seja mantida uma rede credenciada compatível com as necessidades e demandas dos beneficiários, nos termos da proposta de alteração que segue em análise:

(PL 3.264/24)

O Congresso Nacional decreta: 

Art. 1º A lei 9.656 de 3/6/98 passa a vigorar com as seguintes alterações:     

“Art. 13. 

 III - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação ou tratamento médico contínuo do beneficiário.” (NR)  

“Art. 32-A. As operadoras de planos de saúde privados devem manter uma rede credenciada que atenda adequadamente à demanda dos beneficiários, assegurando-lhes o acesso a tratamentos contínuos sem a necessidade de recorrer aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) para seu atendimento. 

§ 1º Na ausência de rede credenciada no município em que houver demanda, caso o beneficiário precise arcar com os custos do atendimento, a operadora deverá reembolsá-lo integralmente em até trinta dias, contados a partir da data da solicitação de reembolso. 

§ 2º A insuficiência da rede credenciada será considerada infração sujeita às penalidades previstas no art. 25 desta lei.” (NR)

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Os beneficiários devem buscar não somente o cumprimento contratual (muitas vezes com cláusulas abusivas), como também o respaldo da legislação consumerista, que ora coibe a abusividade frente às necessidades dos beneficiários em rogo, sendo inequívoco o cabimento do afastamento da rescisão unilateral imotivada. 

Assim, não basta a operadora entender pelo mero cancelamento automático, se acaso não estiver pautada na boa-fé objetiva, na segurança jurídica, função social do contrato e na dignidade da pessoa humana, o que permite concluir que, ainda que haja motivação idônea, a suspensão da cobertura ou a rescisão unilateral do plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do beneficiário, especialmente que esteja tratamento contínuo e em situação de extrema vulnerabilidade.

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Vanessa Laruccia
Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil do Massicano Advogados.

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