Introdução
Há alguns meses, falamos do drama do atleta Gegard Mousasi, que, depois de ter o seu contratado adquirido pela PFL, estava há mais de um ano sem conseguir lutar.
O ex-campeão do Bellator e do Strikeforce alegava estar frustrado com sua situação depois que a PFL adquiriu o Bellator, já que ele não competia e não conseguia marcar lutas, alegadamente por ser “caro demais” para o evento.1
Mousasi disse ter sido informado por funcionários da PFL que eles não estavam cientes de seu contrato quando adquiriram o Bellator e por isso não haviam lhe oferecido uma luta.
Sem opções diante do ócio forçado no qual se encontrava, Mousasi declarou à mídia esportiva a intenção de acionar judicialmente a empresa, o que resultou em sua dispensa do contrato.2
Cumprindo sua promessa, na quarta-feira, 16 de outubro, em uma ação civil de 65 páginas apresentada no Tribunal Distrital de Nova Jersey, Mousasi alegou quebra de contrato, reivindicações trabalhistas e empregatícias relacionadas à classificação incorreta como contratado independente3, entre outras circunstâncias, por parte do Bellator depois que o evento foi comprado pela PFL.4
A situação de Mousasi no Bellator/PFL
Originalmente lutando no UFC, Mousasi assinou com o Bellator em 2017 e renovou seu contrato promocional com o Bellator em fevereiro de 2020. O acordo promocional do lutador supostamente prometia oito lutas que seriam promovidas.
Nas primeiras quatro lutas, ele deveria ganhar US$ 150.000. Depois dessas quatro lutas, ele deveria ganhar US$ 800.000 por luta, até US$ 850.000, com o aumento devido às taxas promocionais das lutas.
Mousasi completou os quatro combates iniciais de acordo com o contrato, alegando no processo que, depois de completar essas lutas, os promotores supostamente não o chamaram pra lutar por quase um ano, o “colocando na geladeira”, o que teria causado danos enormes à sua carreira. Durante esse período, ele só foi chamado para uma luta.
As alegações de Mousasi no processo
Na ação, o lutador alega que estava ativamente buscando ser chamado para lutas. De acordo com o processo, os lutadores profissionais de elite de MMA são atletas que treinam durante anos antes de competir profissionalmente, sendo remunerados para participar de uma luta de MMA profissional de elite ao vivo.
Mousasi assevera na ação que “não há esportes razoavelmente intercambiáveis” aos quais atletas da luta possam recorrer, como judô ou boxe, porque sempre haveria uma dinâmica diferente, sendo que a luta livre profissional, modalidade que é muito difundida nos EUA, não seria um substituto porque não seria um esporte de combate real.
Na ação, Mousasi aduz que, como outros esportes não são “alternativas plausíveis” para os lutadores profissionais de MMA de elite, a redução de sua remuneração abaixo dos níveis competitivos não faria com que um número suficiente de pessoas mude para outros esportes.
Nesse ínterim, o atleta afirma que o mercado geográfico relevante seria o dos EUA, Reino Unido, União Europeia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, havendo apenas duas opções para lutadores profissionais de elite de MMA: o UFC ou os demais promotores.
O atleta alega ainda que os promotores citados adquiriram, mantiveram e exerceram ilegalmente o poder de monopsônio no mercado relevante de insumos por meio de “uma série agressiva de atos excludentes e anticompetitivos”, não havendo “justificativa pró-competitiva legítima para a conduta anticompetitiva alegada”.5
O processo segue discorrendo acerca do suposto controle do mercado de insumos, que permitiria que os promotores compensem os lutadores abaixo dos níveis competitivos, também permitindo a supressão artificial da demanda e exigindo que os lutadores da Bellator/PFL celebrem contratos restritivos.
Cumpre trazer à baila a restritiva cláusula de exclusividade no contrato do atleta, que o impediria de lutar em outros eventos:
Direitos promocionais e lutas de MMA
3.1 O lutador concede à PFL o direito exclusivo, irrestrito e mundial de promover e explorar lutas de MMA a serem realizadas pelo lutador durante o prazo em toda e qualquer mídia e de qualquer maneira.
3.2 O lutador também concede à PFL um direito e licença mundial, irrevogável, livre de royalties, totalmente pago, perpétuo e sublicenciável para explorar a imagem do lutador em toda e qualquer mídia, conhecida agora ou futuramente, em conexão com: (a) projeto, desenvolvimento, produção, marketing, publicidade, promoção, distribuição, venda, licenciamento, publicação, exibição e outra exploração de qualquer Luta(s) de MMA e Atividade(s) Promocional(is), bem como todo e qualquer direito relacionado a isso; (b) marketing, publicidade e promoção da PFL, e (c) projeto, desenvolvimento, produção, marketing, publicidade, promoção, distribuição, venda, licenciamento, publicação e outra exploração de qualquer produto(s) e/ou serviço(s) da PFL (coletivamente, os “Direitos”). A PFL pode permitir que os Direitos sejam exercidos por terceiros, incluindo, sem limitação, licenciados, patrocinadores e parceiros de distribuição.6 (tradução e grifo nossos)
Na ação, há um argumento no sentido de que o controle do mercado de insumos impede que os lutadores do Bellator/PFL “exerçam sua profissão” e expropria os direitos dos lutadores do Bellator/PFL perpetuamente em níveis abaixo dos níveis competitivos. A restritiva cláusula de exclusividade evidencia haver de fato um controle amplo nesse sentido.
Há também menção na ação de que o UFC se envolveria nas mesmas práticas dos promotores citados no processo.
A intersecção com o caso Diarra
Mousasi está buscando US$ 2,55 milhões pelas lutas adicionais supostamente devidas a ele pelos promotores. O alegado monopsônio também teria custado a Mousasi uma compensação significativa por sua reputação prejudicada7 e pela consideração injusta de que ele era um lutador “aposentado”, enquanto estava supostamente “na geladeira”.
Mousasi, na ação, alega que teria provavelmente recebido ofertas substanciais para lutar, seja no UFC ou em outro lugar, no período que estava sob contrato com o Bellator/PFL. Dessa forma, o monopsônio supostamente prejudicou Mousasi em milhões de dólares, além dos US$ 2,55 milhões devidos. Agora o lutador busca uma indenização tripla pela alegação de monopsônio, como é próprio da lei norte-americana nesses casos.8
A situação de Mousasi não é diferente do que ocorreu com o jogador de futebol Lassana Diarra. Diarra, volante ex-Real Madrid, apesar de uma boa temporada com o Lokomotiv de Moscou, em 2013, em meio a uma disputa salarial, recusou-se a comparecer aos treinos de sua equipe.
O Lokomotiv rescindiu o contrato de Diarra com base nisso e entrou com uma ação na Câmara de Resolução de Disputas da FIFA no valor de 20 milhões de euros pela quebra de contrato de Diarra “sem justa causa”.
Em outubro de 2024, o ECJ - Tribunal de Justiça da União Europeia esclareceu que algumas das regras de transferência da FIFA que desincentivam a rescisão unilateral do contrato de um jogador (pelo clube ou pelo jogador) sem “justa causa” seriam incompatíveis com os arts. 45 e 101 do TFUE - Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ou seja, as regras sobre a liberdade de circulação de trabalhadores e a proibição de acordos anticoncorrenciais de não contratação dentro da UE.
Não parece que o setor esportivo europeu tenha aprendido com as décadas de litígio nos esportes americanos. As regras da FIFA são problemáticas porque não são negociadas com os jogadores. O art. 101 do TFEU - Tratado sobre o Funcionamento da Europa é funcionalmente igual à seção 1 da lei Sherman, lei norte-americana invocada no processo de Mousasi, que proíbe restrições injustificadas ao comércio entre duas ou mais partes.
Considerações finais
A ação foi ajuizada em 16 de outubro, portanto, pode-se esperar uma resposta em meados de novembro, embora a resposta provavelmente seja uma moção de recusa dos réus.
Esse é um caso convincente porque Mousasi alega que foi “colocada na geladeira” devido (pelo menos em parte) ao seu pagamento por luta. No processo, foi inferido que, se ele renegociasse seu contrato, conseguiria uma luta na PFL. Mas Mousasi queria que seu contrato fosse honrado e sua rescisão parecia um pretexto para sair do contrato.
Mousasi é um contratado independente (independent contractor), portanto, alguns dos argumentos legais da lei trabalhista norte-americana não se aplicam. Ainda assim, a PFL terá que explicar por que eles “congelaram” Mousasi e se ele não estava mesmo disposto a aceitar lutas.
Esse caso pode ser um marco nos esportes de combate. Mousasi angariou valores financeiros suficientes para manter a disputa nas cortes por um bom tempo e a repercussão causada pelo processo dos atletas contra o UFC10 coloca o armênio em uma posição aparentemente favorável diante do tribunal, já que a maior parte dos juristas norte-americanos está mais ciente do que nunca da real situação contratual dos atletas do mundo da luta.
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1 MARTIN, Damon. Gegard Mousasi lashes out at PFL over lack of communication, refusal to book him since buying Bellator. MMA FIGHTING, EUA, 19 abr. 2024. Disponível em: https://www.mmafighting.com/2024/4/19/24133795/gegard-mousasi-lashes-out-pfl-over-lack-communication-refusal-book-him-fight-since-buying-bellator. Acesso em: 20 out. 2024.
2 RIGGS, Drake. ‘We now truly see how PFL treats their fighters:’ Gegard Mousasi released from PFL amid contract dispute. MMA FIGHTING, EUA, 23 maio 2024. Disponível em: https://www.mmamania.com/2024/5/23/24163585/we-now-see-how-pfl-treats-their-fighters-gegard-mousasi-released-from-pfl-amid-contract-dispute. Acesso em: 20 out. 2024.
3 Defendemos em artigo que essa classificação é errônea, sendo o contrato possível de configurar vínculo empregatício: COSTA, Elthon José Gusmão da; COSTA, Maria Luisa Borba da. O Contrato Desportivo do Atleta de MMA à Luz do Direito Trabalhista Brasileiro. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães et al. Direito do Trabalho Desportivo: Panorama, Crítica e Porvir: estudos em homenagem aos ministros Pedro Paulo Teixeira Manus e Walmir Oliveira da Costa in memoriam. 1. ed. Campinas, SP: Lacier, 2024. p. 169-181.
4 A queixa foi apresentada no tribunal distrital federal de Nova Jersey (Mousasi v. Bellator Sport Worldwide, LLC, nº 2:24-cv-09844-EP-JBC (D.N.J. 16 de outubro de 2024)
5 Ver mais sobre a questão do monopsônio em: COSTA, Elthon José Gusmão da. A Ação civil de classe contra o UFC e seus novos andamentos. Academia Nacional de Direito Desportivo, 1 dez. 2023. Disponível em: https://www.andd.com.br/artigos-academicos/a-acao-civil-de-classe-contra-o-ufc-e-seus-novos-andamentos. Acesso em: 20 out. 2024.
6 Contrato disponível no processo ATAlc 1001036-50.2023.5.02.0462, p. 59.
7 O que seria considerado ócio forçado. Discorri sobre o assunto em: COSTA, Elthon José Gusmão da. O ócio forçado no contrato de trabalho de atletas da luta. Lei em Campo, Brasil, 23 set. 2024. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/o-ocio-forcado-no-contrato-de-trabalho-de-atletas-da-luta/. Acesso em: 21 out. 2024.
8 De acordo com a lei federal antitruste norte-americana, pessoas e empresas prejudicadas por condutas anticoncorrenciais podem buscar indenização no triplo do valor de seus danos contra uma parte que viole a lei federal antitruste..
9 COSTA, Elthon José Gusmão da. A nova proposta de acordo no processo dos lutadores x UFC. Migalhas, Brasil, 16 out. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/417450/a-nova-proposta-de-acordo-no-processo-dos-lutadores-x-ufc. Acesso em: 21 out. 2024.