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O adimplemento substancial como instrumento de convalidação dos contratos

A teoria do adimplemento substancial busca evitar a rescisão contratual em caso de descumprimento parcial, preservando o contrato se o débito não afeta sua essência.

22/10/2024

A teoria do adimplemento substancial é uma abordagem do direito contratual que tem como intuito a busca de um equilíbrio de interesses entre as partes envolvidas, quando ocorre um descumprimento parcial do contrato. Dito de outro modo, havendo o cumprimento substancial das obrigações contraídas por uma das partes, à outra parte não cabe direito à rescisão do contrato, se o descumprimento não impactou a essência da relação contratual.

Por meio desta teoria, que embora não esteja positivada na legislação brasileira, busca-se um equilíbrio do pacto contratual celebrado entre as partes, já que, o que se espera, quando se firma um contrato, é que ele seja cumprido até o seu final, a despeito da autonomia que as partes têm de querer encerrá-lo antecipadamente. A ideia é conferir maior estabilidade jurídica às relações privadas e promover uma proteção mais efetiva aos contratantes que, por razões diversas, excepcionais e imprevisíveis, não tiveram condições de cumprir, de pronto, o que outrora fora pactuado. Essa teoria tem ecoado na nossa doutrina e jurisprudência.

Segundo o próprio ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, a teoria do substancial adimplemento visa impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterido desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato (REsp 1.051.270).1

De relatoria do saudoso ministro Ruy Rosado Aguiar, do STJ, o REsp 76.362 é tido como caso paradigmático para a formação da jurisprudência do STJ sobre o assunto e porque não dizer dos Tribunais brasileiros de forma geral, tendo em vista a importância das decisões desse Tribunal para embasar as decisões de base. Vale destacar que o acórdão que decidiu o litígio elencou algumas orientações para a correta verificação da eventual existência do adimplemento substancial da dívida pelo devedor, tais como: (i) existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; (ii) o pequeno valor do pagamento faltante, diante do total devido; e (iii) possibilidade de conservação do negócio jurídico sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. Neste caso, uma seguradora negou o pagamento de indenização por acidente de carro, por conta de atraso no pagamento da última prestação do contrato de seguro.

Todavia, existem situações, seja por força de lei ou entendimento dos nossos tribunais, que não permitem a aplicação da teoria do adimplemento substancial, a saber:

  1. Débito de natureza alimentar, por constituir-se em bem jurídico indisponível e, presumidamente, no mínimo necessário à subsistência do alimentando, mesmo que decorrente de acordo entre as partes; e
  2. Alienação fiduciária em garantia regida pelo decreto-lei 911/69, já que o normativo exige a quitação integral do débito para que só então o bem alienado fiduciariamente seja entregue ao devedor.

Importa destacar, também, que a eventual aplicação do instituto deve ser feita de forma parcimoniosa, de forma a não se inverter a lógica do contrato, ou seja, desconsiderando a motivação que levou as partes a firmarem o negócio jurídico travado.

Ao contrário, o que se espera é que o contrato, uma vez firmado, seja cumprido em sua integralidade, até sua extinção, com a satisfação dos direitos e obrigações das partes. Dito de outro modo, se o cumprimento foi parcial ou defeituoso, só poderá ser convalidado se satisfizer a necessidade da parte contrária.

Portanto, não se trata de dar proteção a quem, deliberadamente, descumpriu o contrato, mas garantir a manutenção do negócio, quando houver o descumprimento de parcela ínfima da(s) obrigação(ões) contraída(s), se comparada ao montante total da dívida. É analisando o caso real que se poderá chegar a um veredicto sobre a eventual possibilidade de aplicação do instituto, a depender do tipo de obrigação e tamanho do descumprimento. 

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1 REsp 1.051.270

Samuel Souza Rodrigues
Advogado do escritório do Braga & Garbelotti - Consultores Jurídicos e Advogados

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