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A prática do instituto do calendário processual e a celeridade processual

A eficácia do calendário processual no CPC, destacando sua importância para a celeridade judicial e a necessidade de mudança cultural no Judiciário.

17/10/2024

O atual CPC trouxe, como inovação, o chamado "calendário processual", previsto no art. 191. Vejamos o artigo:

“Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.

§ 1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

§ 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.”

Percebe-se que o calendário processual é instituto derivado dos negócios processuais, o que demanda uma mudança de cultura de todos os agentes envolvidos nas lides forenses. Trata-se de um agendamento dos atos processuais, de comum acordo entre juízes e partes, visando principalmente a celeridade processual.

Os autores deste artigo têm buscado, nos casos em que atuam, a aplicação do referido instituto, com a finalidade de diminuir os prazos processuais comumente utilizados e previstos na lei processual.

É de se destacar que, recentemente, foi requerido pelos autores, em comum acordo com advogados da outra parte, a aplicação do calendário processual em dois processos de natureza idêntica, na mesma comarca. Trata-se dos autos 5001536-62.2023.8.13.0439, que tramita na 2ª vara Cível da comarca de Muriaé/MG e autos 5001486-36.2023.8.13.0439, que tramita na 1ª vara Cível da mesma comarca. Todos processos de desapropriação.

O rito do calendário foi acordado e homologado da seguinte forma:

2) Após homologação do calendário processual a parte autora tem 05 dias para impugnar a contestação;

3) Após o prazo para impugnação, o Juiz terá o prazo de 30 dias para designação do perito;

4) Após designação do perito, as partes terão 05 dias para apresentação de quesitos e assistente técnico;

5) O perito terá 30 dias corridos para apresentação do laudo pericial.

6) Após a apresentação do laudo, as partes poderão requerer, no prazo comum de 15 dias, esclarecimentos ao perito e apresentar quesitos complementares ou requerer a designação de audiência de Instrução e julgamento;

7) Havendo pedido de AIJ, esta será realizada em até 30 dias;

8) Caso não haja pedido de AIJ, as partes terão prazo comum de 10 dias, para apresentação de alegações finais na forma de memoriais;

9) Os Requeridos, pelo presente, anuem com a imissão provisória na posse em favor do Requerente, renunciando ao recurso de agravo interposto, caso ocorra a homologação, ainda que parcial, do presente calendário processual.

10) Por fim, após alegações finais: prolação de sentença em até 60 dias.

Esclarece-se que, os termos do calendário processual homologado pelo juízo da 2ª vara Cível da comarca de Muriaé, nos autos 5001536-62.2023.8.13.0439, foram exatamente os mesmos do calendário proposto na 1ª vara Cível da comarca de Muriaé.

Em ambos os casos os calendários processuais foram homologados pelos Juízes responsáveis. Entretanto, o desfecho de cada caso, em relação a tramitação processual, foram bem diversos.

O processo que tramitou na 2ª vara Cível, autos 5001536-62.2023.8.13.0439, tramitou por pouco mais de 18 meses até o trânsito em julgado. Iniciou-se com a peça inaugural em 24/02/23, o calendário processual foi homologado em 09/05/23, foi realizada a perícia em 23/08/23 sendo sentenciado em 12/04/24. Interposto recurso de apelação, transitou em julgado na data de 06/09/24, iniciando-se o cumprimento de sentença em 18/09/24.

Destaca-se a diligência e a cooperação do Magistrado da 2ª vara Cível da Comarca de Muriaé e dos servidores da secretaria na condução firme no sentido de conduzir o feito, respeitando o calendário. Isso fez toda diferença para o trâmite da ação. Passou-se do prazo previsto no calendário, mas o feito tramitou na primeira e segunda instância em apenas 18 meses.

Já o processo que tramita na 1ª Vara Cível da Comarca de Muriaé, sob o 5001486-36.2023.8.13.0439, sequer foi prolatada a sentença até a presente data, 19/09/2024.

Até os despachos homologatórios foram muito divergentes, conforme podemos observar:

DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DA 2ª VARA CÍVEL

DECISÃO

Vistos.

Tendo em vista que a calendarização dos atos processuais, como negócio jurídico processual, é perfeitamente possível na sistemática processual vigente – art. 190 e 191 do CPC - cuidando-se de direitos que admitem autocomposição, sendo as partes dotadas de plena capacidade de exercício de direitos na ordem civil, legais efeitos, o calendário processual estabelecido pelas partes HOMOLOGO , para que produza seus jurídicos e , nos termos do constante às páginas de ID: 9795600914.

Ressalta-se, por oportuno, que eventuais prazos poderão ser modificados excepcionalmente, sendo certo, ainda, que eventual pedido de produção de prova, a exemplo da oral, será objeto de análise por parte desse Juízo ulteriormente, que poderá indeferir sua produção caso esta se revele absolutamente desnecessária ao desate da lide.

 Os prazos estabelecidos para esse Juízo, além de terem início somente quando os autos estiverem efetivamente conclusos, poderão ser dilatados em situações específicas e devidamente justificadas. Por conseguinte, cancelo a audiência de conciliação designada para o dia 13/06/2023, às 13h, devendo a Secretaria proceder com as cautelas legais.

No mais, observem-se os prazos convencionados entre as partes.

Muriaé, data da assinatura eletrônica. 

DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DO CALENDÁRIO PROCESSUAL – 1ª VARA CÍVEL

DECISÃO

Vistos, etc.

Cuida-se de AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO COM DECLARAÇÃO DE URGÊNCIA, movida por ---------------------------------------------------------., em face de ---------------------------, nos termos da inicial.

A decisão de ID: 9745987808 deferiu o pedido de tutela de urgência, determinando a imissão na posse.

Contestação, ID: 9761936927.

Os requeridos interpuseram o agravo de instrumento de ID: 9761979016.

A decisão proferida no agravo de instrumento deferiu o pedido de efeito suspensivo e determinou a intimação da parte agravada para apresentar resposta, ID: 9766472690.

O despacho de ID: 9766942159 determinou fosse aguardado o trânsito em julgado do acórdão a ser proferido.

À ID: 9784178945, as partes peticionaram requerendo a homologação do calendário processual por elas proposto.

Os autos vieram conclusos para apreciação.

É O RELATÓRIO. SEGUE A DECISÃO.

Trata-se de pedido de homologação de calendário processual, aviado pelas partes nos autos da presente AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO COM DECLARAÇÃO DE URGÊNCIA, conforme petição de ID: 9784178945.

O calendário processual constitui um negócio processual, caracterizado pela elaboração de um cronograma pelo juiz e as partes, de comum acordo, fixando prazos para a realização dos atos processuais, ou seja, é o agendamento dos atos processuais que serão praticados no processo.

Referido instrumento processual está previsto no art. 191 do CPC, que assim dispõe:

Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.

§ 1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

§ 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.

Assim, havendo previsão legal e tendo em vista o princípio da efetividade da prestação jurisdicional, defiro, em parte, o pedido de homologação aviado pelas partes.

Ante o exposto, HOMOLOGO, parcialmente, o calendário processual ajustado na ID: 9784178945, somente no que tange aos prazos relacionados aos atos das partes, nos termos do art. 191 do CPC.

Os prazos estipulados e ora homologados fluirão independente de intimação, nos termos do art. 191, §2º, do CPC.

Cumpra-se, com as cautelas legais.

P. R. INTIMEM-SE.

MURIAÉ, data da assinatura eletrônica.

O que é possível observar das decisões acima são posturas diferentes dos magistrados para o mesmo problema. Uma decisão proativa, aceitando, mesmo que parcialmente, os prazos para as decisões judiciais e a outra, defensiva, retirando prazos para a decisão judicial.

Do exposto acima, conclui-se que o instituto do calendário processual pode, sim, gerar celeridade processual, como objetivou o CPC. No entanto, se não houver uma mudança cultural e uma gestão específica do Poder Judiciário nestes casos, nada mudará. O novo instituto precisa ser tratado de forma específica.

Nesse sentido, sugere-se a edição de uma normativa do CNJ para que a gestão dos casos onde houver homologação do calendário processual, sejam tratados com destaque e urgência pelo Poder Judiciário, garantindo a celeridade almejada pelas partes.

Leonardo Pereira Rezende
Advogado, sócio diretor do escritório Leonardo Rezende Paola Araújo Advogados Associados. É autor de vários livros.

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