Com o advento do CC/02 e a consequente redução da multa para inadimplentes, que caiu de 20% para 2%, houve um aumento natural da inadimplência. Isso ocorreu porque, para muitos condôminos em dificuldades financeiras, tornou-se mais vantajoso pagar outras dívidas, como as de cartão de crédito, que possuem juros maiores, em vez de priorizar as obrigações com o condomínio. Assim, começaram a surgir iniciativas para combater essa inadimplência, entre elas, o PL 446/04 apresentado pela deputada Maria Lúcia Amary, que originou a lei 13.160, promulgada pelo então governador paulista José Serra em 21/7/08.
Essa lei alterou as notas explicativas da tabela IV dos tabelionatos de protestos de títulos, permitindo que, além das certidões de dívida ativa, o tabelionato de protesto de títulos também pudesse recepcionar dívidas de condomínio. Conforme previsto no item 7 da referida tabela, o protesto poderia incluir "... o crédito do condomínio decorrente das quotas de rateio de despesas e da aplicação de multas, na forma da lei ou da convenção do condomínio, devidas pelo condômino ou possuidor da unidade. O protesto poderá ser feito não apenas contra o devedor principal, mas também contra qualquer codevedor constante do documento, inclusive fiadores, desde que solicitado pelo apresentante”.
É importante lembrar que a dívida de condomínio não era considerada título executivo extrajudicial, como ocorre atualmente, de acordo com o art. 784, X, do CPC de 2015. As cobranças eram feitas por meio do procedimento sumaríssimo, previsto no art. 275, II, do CPC anterior.
Dessa forma, a legislação paulista representava uma solução inovadora, permitindo que o condomínio pressionasse o inadimplente sem recorrer à morosidade das ações judiciais.
No entanto, considerando que o crédito referente às contribuições ordinárias e extraordinárias do condomínio edilício são títulos executivos extrajudiciais (inc. X, art. 784 do CPC), ainda vale a pena correr os riscos do protesto?
Essa reflexão é necessária, pois as cotas condominiais atualmente podem ser cobradas por meio de ação executiva – procedimento célere, em que o devedor é citado para pagar ou garantir o crédito – e não mais por meio do procedimento sumaríssimo moroso e desgastante para o condomínio.
Outro ponto crítico para os condomínios é a dificuldade em manter o cadastro atualizado de moradores. Muitos condomínios não sabem, por exemplo, se o ocupante de uma unidade é proprietário, inquilino ou usufrutuário, o que pode resultar em protestos indevidos e, consequentemente, em ações indenizatórias. Vejamos:
“Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais. Protesto indevido. Boletos de taxas condominiais emitidos em nome do autor e, posteriormente, levados a protesto. Autor que, apesar de residir de forma gratuita no imóvel, não pode ser considerado condômino. Débitos condominiais que devem ser cobrados do promitente comprador ou do promitente vendedor. Comportamento ilícito do réu, que causou dano moral. Indenização devida, que deve ser mantida na importância de R$10.000,00, por ser compatível com as circunstâncias do caso em exame, sem impor gravame excessivo ao agente ou gerar vantagem desproporcional à vítima”. (TJSP- Apelação Cível nº 100062308.2021.8.26.0650 – 34ª Câmara de Direito Privado – rel. Desembargador GOMES VARJÃO – j. 19 de março de 2024).
Destacou em seu voto o ilustre desembargador relator:
“Não merece prosperar as alegações feitas pelo recorrente, que tenta justificar sua conduta na valoração do comportamento do recorrido, o qual supostamente se portava como proprietário do imóvel.
Isto porque, para a emissão dos boletos, deveria ter sido observada a documentação pertinente, como a matrícula do imóvel ou contrato de compra e venda, a fim de que os débitos fossem cobrados do real proprietário da unidade condominial”.
Importante ressaltar que o STJ já firmou entendimento de que o protesto indevido, por si só, gera dano moral, sem necessidade de prova adicional de prejuízo.
Além disso, muitos condomínios incluem, em um único boleto, tanto as despesas ordinárias quanto as multas aplicadas aos condôminos. Isso pode aumentar significativamente o risco de protesto indevido, pois o inciso X, do art. 784 do CPC trata apenas das contribuições ordinárias ou extraordinárias como título executivo extrajudicial, não incluindo as multas por infrações ao regulamento interno do condomínio.
Outro aspecto que merece cautela é a inclusão de honorários advocatícios nas despesas de protesto. Mesmo que a convenção do condomínio preveja a cobrança extrajudicial por meio de advogado, posto que essa condição não é satisfeita no caso do protesto.
É fundamental que a convenção do condomínio preveja expressamente a possibilidade de protesto das dívidas. O saudoso advogado Nelson Kojranski, em artigo publicado na revista Tribuna do Direito, conclui que "por ser imperativa a exigência legal de que a convenção condominial preveja as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou possuidores (art. 1.334, IV do CC), o protesto representa uma verdadeira sanção, considerando as consequências negativas que traz à vida do devedor". Kojranski ainda observa que, "se o condomínio não pode cobrar juros moratórios acima de 1%, salvo quando previsto na convenção (conforme §1º do art. 1.336 do CC), com maior razão não pode protestar despesas condominiais sem prévia autorização convencional".
Por outro lado, em termos práticos, os tabeliães não deveriam aceitar o protesto de despesas condominiais sem a comprovação dessa previsão convencional. No entanto, eles geralmente exigem apenas a exibição da ata de eleição do síndico, que assina uma declaração atestando a legitimidade do ato e a exatidão do valor da cota aprovada em assembleia.
Por fim, mesmo que haja expressa autorização convencional, o uso do protesto deve ser feito com extrema cautela, assegurando-se de que a composição da dívida e a identificação do devedor estejam corretas, para evitar riscos de protesto indevido e possíveis ações judiciais.