As fraudes corporativas representam um grande desafio para as autoridades públicas, especialmente pela dificuldade de detectá-las ou preveni-las antes que gerem grandes prejuízos ao mercado, consumidores e investidores. Muitas vezes, é somente por meio da iniciativa de pessoas internas à empresa que os ilícitos são descobertos, mas ainda não há legislação no Brasil tratando do tema.
Esse cenário, porém, poderá ser alterado nos próximos meses. Na primeira semana de junho, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou o projeto de lei 2.581/23, que “disciplina instrumentos de proteção, incentivo e recompensa a informantes que noticiem crimes ou atos ilícitos no mercado de valores mobiliários ou em companhias abertas”.
O “informante que noticia crimes” é conhecido como o whistleblower e é bastante comum no mercado dos EUA. Trata-se de alguém que, tendo conhecimento de irregularidades ou fraudes praticadas dentro de uma empresa, apresenta uma denúncia e provas para as autoridades, a fim de auxiliar na investigação e punição dos culpados.
O projeto de lei traz mecanismos para proteger a identidade do informante, a fim de evitar ameaças ou intimidações. Além disso, para evitar que denúncias anônimas sejam realizadas de maneira leviana, será necessário que o relato do informante que não se identifica seja comprovado por outros meios de prova, proibindo que a condenação se dê exclusivamente com base na palavra do whistleblower anônimo.
Além disso, são estabelecidas regras para preservar o informante de eventuais retaliações, uma providência importante para que não haja desestímulo às denúncias por medo de sofrer posterior perseguição do empregador ou de colegas de trabalho.
O grande atrativo da regulamentação do whistleblower é a possibilidade de entregar ao informante uma parcela dos valores recuperados graças à sua denúncia. Segundo o projeto apresentado, essa recompensa será entre 10% a 30% da multa aplicada ou dos valores recuperados, com as exceções previstas no projeto. Essa recompensa pode atingir um montante bastante expressivo: em 2023, a Securities and Exchange Commission (a “CVM dos EUA”) autorizou o pagamento a um whistleblower no valor histórico de US$ 279 milhões, em razão da qualidade da denúncia e das provas fornecidas e que permitiram a aplicação das punições apropriadas.
Porém, independentemente da aprovação deste projeto de lei, as empresas já podem adotar providências para o recebimento de denúncias que auxiliem na apuração de infrações. Nesse ponto, o decreto 11.129/22, que regulamenta a lei anticorrupção, já inclui a exigência de um canal de denúncias de irregularidades como requisito para um bom programa de compliance. Este canal de denúncias deve ser aberto a empregados e a terceiros, e garantir que os fatos relatados serão devidamente investigados e que a identidade do denunciante será preservada.
Assim, as boas práticas de compliance (inclusive na legislação) recomendam que as empresas estabeleçam programas de integridade que tenham condições de realizar o adequado tratamento das denúncias, uma medida para auxiliar na prevenção da corrupção e reduzir as perdas financeiras provocadas por atos de desvio de conduta corporativos.