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Fundamento novo no juízo de retratação e o princípio da complementariedade recursal

Se o tribunal, no juízo de retratação, manter o acórdão recorrido, mas acrescentar fundamento, não será necessário um novo recurso; deve ser assegurado o direito de complementar as razões recursais.

9/10/2024

A existência de um microssistema de formação de precedentes é realidade no CPC vigente (BRASIL 2015), que inseriu no ordenamento jurídico pátrio um regramento bem delineado, atribuindo aos precedentes qualificados enumerados em seu art. 927, incisos I a V, a obrigatoriedade de serem observados pelos juízes e tribunais.

Eis, a propósito, a redação do dispositivo legal supramencionado:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

  1. as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
  2. os enunciados de súmula vinculante;
  3. os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
  4. os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional;
  5. a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Tais precedentes, é válido consignar, irradiam efeitos em relação a todo o sistema processual brasileiro e resultam em coerência normativa, integridade sistêmica, viabilização de efetivação do direito fundamental à igualdade de tratamento dos jurisdicionados, além de possibilitar maior eficiência e celeridade à tramitação de processos.

Deveras, por vincularem obrigatoriamente juízes e tribunais, bem assim os órgãos da Administração Pública e entidades prestadoras de serviços públicos (arts. 985, §2º e 1.040, IV, do CPC), os precedentes vinculantes ostentam força de ato normativo e eficácia “erga omnes” (horizontal e vertical), que não atinge apenas as partes do processo ou processos em que se formaram, mas todos os jurisdicionados e, em tese e a princípio, os cidadãos em geral.

Por esse motivo, em razão desse novo regime jurídico, os precedentes obrigatórios assumiram o caráter de fontes primárias do Direito brasileiro, com a mesma força vinculante das normas legisladas e, consequentemente, a mesma eficácia, inclusive em relação aos efeitos em caso de descumprimento.

Nesse contexto, para resguardar esses efeitos, o próprio CPC (BRASIL 2015) veicula normas que conferem força vinculante a determinados precedentes e a outras decisões dos tribunais, e permitem ao magistrado otimização na resolução dos processos.

Dentre os instrumentos trazidos pela legislação processual, encontra-se o denominado “juízo de retratação”, previsto no art. 1.030, inciso II, que assim dispõe, com a redação lhe atribuída pela lei 13.256/16 (BRASIL 2016):

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

(...)

II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do STF ou do STJ exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;

Veja-se, portanto, que, depois de interposto o recurso especial ou extraordinário, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do STF ou do STJ (firmado, respectivamente, no regime de julgamento realizados sob o apanágio da repercussão geral ou dos recursos repetitivos), o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido encaminhará o processo ao órgão julgador para a realização do juízo de retratação.

Nesse momento, por expressa disposição do art. 1.040, inciso II, do CPC (BRASIL 2015), “o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do Tribunal Superior.”

Por outro lado, ao reexaminar o acórdão recorrido, o órgão prolator goza da faculdade de manter o entendimento outrora estabelecido, sem a modificação da respectiva conclusão (ausência de retratação), desde que, evidentemente, o faça de maneira fundamentada, mormente observando o “distinguishing”.

Em resumo, nas palavras dos professores Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (NERY 2021):

Com a publicação do acórdão paradigma, os autos do recurso serão remetidos aos respectivos órgãos competentes do tribunal a quo (Câmara, turma, Seção, Órgão Especial, Pleno), que poderão optar por uma de duas posturas possíveis: a) retratar-se e modificar o acórdão impugnado, conformando sua decisão ao entendimento do STF ou do STJ exposto no provimento do RE ou REsp representativo; b) manter o acórdão impugnado (...).

Na ausência de retratação, com a manutenção do acórdão recorrido, o art. 1.041, “caput”, do CPC (BRASIL 2015), é bastante claro ao preconizar que não há obrigatoriedade da interposição de um segundo recurso contra o acórdão proferido na fase processual do art. 1.040, inciso II, do CPC/15 (BRASIL 2015), pois a remessa dos autos ao Tribunal Superior se dá “ex vi legis”.

Essa, inclusive, é a orientação propugnada pelo Enunciado 139 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, assim redigido:

A ausência de retratação do órgão julgador, na hipótese prevista no art. 1.030, II, do CPC, dispensa a ratificação expressa para que haja o juízo de admissibilidade e a eventual remessa do recurso extraordinário ou especial ao Tribunal Superior competente, na forma dos arts. 1.030, V, c, e 1.041 do CPC.

É possível, porém, que na fase processual do art. 1.040, inciso II, do CPC/15 (BRASIL 2015), o órgão julgador, mantendo hígido o entendimento já manifestado anteriormente, agregue novos fundamentos ao acórdão recorrido, inserindo no “decisum” motivos que outrora não foram apresentados.

Em hipóteses tais, embora não seja obrigatória a interposição de um segundo recurso, não se pode negar ao recorrente a oportunidade de impugnar eventuais fundamentos novos surgidos no acórdão proferido na fase da retratação.

Com efeito, em razão do princípio da independência da magistratura, os julgadores não ficam vinculados aos fundamentos anteriormente declinados no acórdão recorrido, nada obstando que novos fundamentos sejam agregados na fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/15 (BRASIL 2015).

Porém, nesses casos, por força do princípio da dialeticidade recursal, os novos fundamentos exigem nova impugnação; e para atender essa exigência processual, torna-se necessário admitir que o recorrente complemente as razões recursais, com o fim exclusivo de impugnar os novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido.

A oportunidade de aditar o recurso anteriormente interposto, excepcionando o princípio da consumação, é abordada na doutrina processualista sob a denominação de princípio da complementariedade recursal.

Sobre o tema, o professor Nelson Nery Jr. (NERY JR. 2004) pondera que:

Pelo princípio da complementariedade, o recorrente poderá complementar a fundamentação de seu recurso já interposto, se houver alteração ou integração da decisão (...) Não poderá interpor novo recurso, a menos que a decisão modificativa ou integrativa altere a natureza do pronunciamento judicial.

Especificamente sobre a aplicação do princípio da complementariedade recursal na fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/15, cumpre trazer à baila, por sua percuciência, o escólio doutrinário do mestre Araken de Assis (ASSIS 2021), segundo o qual:

O juízo de retratação pode resultar na reiteração do julgado ou em sua retratação. Em caso de manutenção do julgado, reza o art. 1.041, caput, a autoridade competente proferirá o juízo de admissibilidade no recurso especial já interposto. Em princípio, o presidente ou vice-presidente do tribunal a quo admitirá o recurso, conquanto não se descarte a inadmissibilidade do recurso por outro motivo (v.g., a intempestividade). Disso resulta, entretanto, a tese de não caber aos julgadores externarem novos fundamentos ou destacarem as particularidades do caso concreto que, no seu modo de ver, recomendam e justificam o tratamento diferenciado da causa (art. 1.041, § 1.º). E, de fato, a economia aponta nesses rumos, bastando constar na ata da sessão de julgamento que o órgão fracionário apreciou, outra vez, o recurso originário. Não se mostrará muito diferente, por sua concisão, o ato do relator que reiterar a própria decisão.

Se, ao invés, um e outro resolverem aduzir novos fundamentos ao julgado, para arredar a aplicação do precedente do STJ, o panorama se turva e os problemas aumentam. Nessa contingência, os fundamentos do recurso especial pendente, reexaminadas todas as questões, conforme alude o art. 1.041, §1.º, talvez já não se revelem congruentes. É óbvio que, então, mostrar-se-á imprescindível incorporar tais fundamentos a um novo acórdão, substituindo ao primeiro, e, intimando-se a parte vencida, admitir a complementação das razões do recurso especial anteriormente interposto, com base no princípio da complementariedade. Se o recurso anteriormente pendente subsiste atual e congruente, o presidente ou o vice-presidente examinará a respectiva admissibilidade, independentemente de ratificação (art. 1.041, § 2.º).

Para além do campo doutrinário, o entendimento em questão também é compartilhado pela jurisprudência do STJ, conforme se infere dos seguintes arestos:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL (...) MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NA FASE DO ART. 1.040, INCISO II, DO CPC/2015. AGREGAÇÃO DE FUNDAMENTO NOVO (...) INTERPOSIÇÃO DE UM SEGUNDO RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. CONHECIMENTO COMO ADITAMENTO ÀS RAZÕES DO PRIMEIRO RECURSO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIEDADE. DOUTRINA ESPECÍFICA SOBRE ESSA QUESTÃO PROCESSUAL. INADMISSIBILIDADE DO SEGUNDO RECURSO. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO EM CONJUNTO DO PRIMEIRO RECURSO COMO PRINCIPAL E DO SEGUNDO COMO ADITAMENTO.

  1. Controvérsia acerca das seguintes questões processuais: (a) cabimento da interposição de um segundo recurso especial após a fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/2015, em caso de negativa de retratação pelo tribunal de origem, com agregação de novos fundamentos ao acórdão recorrido; e (b) consequência processual da inadmissão desse segundo recurso e admissão do primeiro, não tendo havido interposição de agravo em recurso especial.
  2. Nos termos do art. 1.041 do CPC/2015, "mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo Tribunal Superior [...]".
  3. Desnecessidade de interposição de um segundo recurso especial na hipótese de não retratação do acórdão recorrido, devendo o recurso já interposto ascender a esta Corte Superior 'ex vi legis'.
  4. Possibilidade, contudo, de complementação das razões do recurso especial, com o fim exclusivo de impugnar eventuais novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido. Doutrina sobre o princípio da complementariedade recursal.
  5. Conhecimento do segundo recurso especial como aditamento às razões do primeiro recurso (...).

Essa, aliás, foi a fala do ministro Herman Benjamin, no julgamento do AgInt no REsp 1.863.991/RJ, onde S. Excia., com a clareza que lhe é peculiar, assim registrou:

O STJ possui entendimento de que se o tribunal de origem, na fase de retratação, mantiver o acórdão recorrido, porém com o acréscimo de algum fundamento, não será necessária a interposição de um segundo REs, mas deverá ser assegurado à parte o direito de complementar as razões recursais para a impugnação do novo fundamento.

Bem se vê, portanto, que havendo agregação de fundamento novo na fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/15 (BRASIL 2015), não é necessária a interposição de um segundo recurso extraordinário ou especial, mas tão somente um aditamento das razões da insurgência excepcional outrora apresentada.

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ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos [livro eletrônico]. 4ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, Parte II, Cap. 13, tópico 94.2

BRASIL. LEI N.º 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.

BRASIL. LEI Nº 13.256, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2016. Altera a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para disciplinar o processo e o julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm#art2.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp n.º 1.946.242/RJ. Rel.: Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO. Terceira Turma. Julg.: 14/12/2021.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no REsp n. 1.863.991/RJ. Rel.: Min. HERMAN BENJAMIN. Segunda Turma. Julg.: 11/9/2023.

BRASIL. Fórum Permanente de Processualistas Civis. Disponível em: https://www.fppc.com.br/.

NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 182.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 20ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 2300/2301. 

Ygreville Gasparin Garcia
Advogado; Sócio fundador da F & G - Felini e Garcia Advogados Associados; Pós-graduado em Direito Público; Autor de artigos jurídicos.

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