É muito comum na praxe forense a definição inadvertida de liminar e tutela provisória como sendo sinônimos, contudo, existe uma diferença bastante sutil que precisa ser destacada antes de prosseguirmos.
Tutela provisória - sentido amplo - significa o requerimento formulado perante o juízo com a finalidade de acautelar ou antecipar os efeitos da decisão de mérito que se busca ao final do processo.
Já a liminar, que está dentro do bojo das tutelas provisórias, significa o requerimento para a obtenção dos mesmos efeitos acautelatórios ou antecipatórios, todavia, sem a oitiva prévia do réu - inaudita altera pars.
Esclarecida esta sutil e importante diferença, passemos a analisar o que é a audiência de justificação, para que ela serve, quando requerer e alguns questionamentos pertinentes a respeito do contraditório e o protagonismo do requerente durante o ato processual.
O que é audiência de justificação e para que serve?
A audiência de justificação prévia é uma técnica processual à disposição de quem requer a tutela provisória, especificamente quando a prova documental da qual dispõe não é suficiente para convencer o juiz de que os requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo estão presentes no caso concreto.
Verificado esse cenário - insuficiência de prova documental, pode o requerente pugnar pela designação da referida audiência, arrolando testemunhas, com a finalidade de produzir prova oral e, diante do magistrado(a), demonstrar que os requisitos autorizadores da tutela provisória estão preenchidos.
Ela está prevista nos arts. 300, §2º e 562, ambos do CPC:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
(...)
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Dos dispositivos legais acima transcritos, percebe-se que esta importante ferramenta processual está prevista tanto para o procedimento comum (art. 300, §2º, do CPC) quanto para o procedimento especial das tutelas possessórias (art. 562, do CPC).
A participação do réu na audiência é obrigatória? De quem é o protagonismo?
Há certa discussão em torno da (im)prescindibilidade de participação do réu na audiência de justificação. Os que defendem a imprescindibilidade, argumentam no sentido de que a não participação - do réu - acarreta a nulidade do ato, em razão de violação ao contraditório e à ampla defesa.
Doutro lado, há quem defenda que a participação do réu nesta audiência é plenamente dispensável e limitada, visto que o protagonismo neste ato processual é daquele que requer a tutela provisória, sobretudo pela finalidade do ato processual. Esta é a posição adotada por este artigo, conforme será delineada doravante.
O argumento de que a imprescindibilidade de participação do réu se daria em razão dos princípios do contraditório e da ampla defesa não parece suficiente, visto que o sistema processual vigente admite plenamente o exercício do contraditório dilatado ou postergado, consoante expressa previsão do art. 9º, do CPC:
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;
III - à decisão prevista no art. 701 .
Ademais, em muitos casos práticos, a participação prévia do réu poderá acarretar na inutilidade da tutela provisória pretendida, a exemplo da dilapidação de patrimônio, justificando a importância das medidas liminares - inaudita altera pars.
Se o ordenamento jurídico admite a concessão de liminares - sem ouvir o réu - nos casos em que a prova documental já é suficiente - e não se discute nulidades em razão disso, por que se falar em violação ao contraditório e ampla defesa pela simples não participação do réu nesta audiência? Trata-se de simples coerência sistêmica (art. 926, do CPC).
Outro ponto que merece atenção é justamente a finalidade da audiência de justificação, qual seja, a de o requerente produzir prova oral em audiência para demonstrar ao juiz que os requisitos autorizadores da tutela provisória estão presentes naquele caso. É uma situação jurídica-processual da parte requerente.
O ônus da prova de que os requisitos estão preenchidos é de quem está requerendo a tutela provisória, portanto, é deste o protagonismo na audiência, não devendo ser admitido que o réu, quando citado ou intimado, arrole testemunhas em seu favor, podendo, quando acompanhado de advogado, fazer perguntas e contraditar as testemunhas do requerente.
A participação da parte requerida nesta audiência, portanto, é limitada e facultativa, podendo até deixar de comparecer, visto que se destina única e exclusivamente à parte requerente - quem requereu a tutela provisória.
Merece destaque um precedente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais neste exato sentido:
EMENTA: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - LIMINAR REINTEGRATÓRIA - REQUISITOS DO ART. 561 DO CPC - ESBULHO - COMPROVAÇÃO - AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO - FALTA DE CITAÇÃO DO RÉU - INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. Nos termos dos artigos 560 e 561 do CPC, o magistrado deverá deferir, sem ouvir o réu, ordem liminar de reintegração de posse em favor do autor quando a petição inicial estiver instruída com a comprovação da posse, do esbulho e sua data, a continuação da posse turbada, caso contrário deverá designar audiência de justificação prévia, com a citação do réu para comparecer (art. 562, CPC). 2. O comparecimento do réu à audiência é facultativo e sua participação é limitada, podendo somente, se acompanhado de advogado, fazer perguntas e contraditar as testemunhas do autor, sem arrolar testemunhas próprias. 3. Não se declara a nulidade da audiência de justificação ou da liminar de reintegração de posse concedida com base nos elementos ali colhidos sem a demonstração de prejuízo efetivo para o réu, advindo da falta de sua citação. 4. Não tendo o réu trazido aos autos com sua contestação documentos capazes de desconstituir a demonstração dos requisitos que autorizaram a concessão da liminar aos autores, deve essa ser mantida.
(TJ-MG - AI: 10267180009594001 Francisco Sá, Relator: Claret de Moraes, Data de Julgamento: 05/10/21, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/10/21) [grifo nosso].
Importante não olvidar também que, para o CPC/15, somente se pode falar em nulidade quando demonstrado o efetivo prejuízo decorrente do ato, conforme importação do princípio do pas de nullité sans grief - que decorre do direito francês.
Logo, em regra, deve-se permitir a participação - limitada - da parte requerida na audiência de justificação, todavia, sua ausência não pode ser utilizada como motivo para declarar eventual nulidade ou até mesmo a não realização do ato processual, visto que o sistema jurídico-processual admite perfeitamente a concessão de tutelas provisórias de forma liminar - sem a participação prévia da parte adversa, em absoluto prestígio ao postulado hermenêutico da integridade (art. 296, do CPC).
Conclusão
Dessa forma, conclui-se que a técnica de requerimento da audiência de justificação prévia é uma excelente ferramenta processual à disposição de quem pretende obter uma tutela provisória, sobretudo quando não possuir prova documental suficiente para demonstrar o preenchimento dos requisitos autorizadores.