1. Introdução
Tive a grata oportunidade de ler a entrevista do ministro Moura Ribeiro do STJ acerca de um tema que tenho grande apreço, qual seja, a possibilidade de responsabilizar filhos maiores que abandonam afetivamente seus genitores.
Neste pequeno artigo, passo a tecer algumas importantes considerações sobre o tema.
2. Cenário
Com o envelhecimento da população brasileira, surgem novas questões jurídicas, especialmente no âmbito do direito de família. Uma delas é o abandono afetivo inverso, situação em que filhos maiores e capazes deixam de cumprir seus deveres de cuidado, amparo e atenção para com os pais idosos. Este artigo propõe uma reflexão sobre a possibilidade de responsabilização civil desses filhos por essa omissão, à luz da legislação brasileira, em especial a lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), e do PL 3.145/15, que visa reforçar a proteção aos idosos.
3. O conceito de abandono afetivo inverso
O abandono afetivo inverso ocorre quando filhos maiores deixam de prestar assistência, seja ela material, emocional ou afetiva, aos pais que, devido à idade avançada, necessitam de cuidados. Diferente da discussão sobre o abandono afetivo entre pais e filhos menores, aqui o cenário se inverte: são os filhos que negligenciam seus pais, não cumprindo os deveres impostos pela convivência familiar e pelo afeto que deve permear as relações entre ascendentes e descendentes.
Essa negligência pode causar profundos danos psicológicos aos idosos, que, além de enfrentarem as limitações físicas da idade, veem-se privados do apoio afetivo de seus filhos, sentindo-se muitas vezes abandonados e desamparados em um momento de grande vulnerabilidade.
4. A previsão legal no Estatuto do Idoso (lei 10.741/03)
O Estatuto do Idoso, em seu art. 3º, estabelece que é dever da família, da comunidade e do poder público assegurar ao idoso a efetivação dos direitos fundamentais à vida, saúde, alimentação, dignidade, respeito e convivência familiar. No mesmo sentido, o art. 229 da CF/88 determina que "os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".
O abandono moral, ao qual o afeto está intimamente ligado, configura uma violação desses princípios. A falta de cuidados por parte dos filhos pode ser interpretada como uma infração aos direitos do idoso, que se reflete na possibilidade de sanções tanto na esfera civil quanto na criminal. O art. 98 do Estatuto prevê medidas de responsabilização para aqueles que deixarem de cumprir seus deveres de assistência ao idoso, o que pode servir de base para fundamentar pedidos de indenização por abandono afetivo.
5. A responsabilidade civil e o dano moral no abandono afetivo inverso
A responsabilização civil dos filhos por abandono afetivo inverso pode ser fundamentada nos arts. 186 e 927 do CC, que determina a reparação de danos causados por ato ilícito, seja por ação ou omissão. Quando os filhos, que possuem o dever legal de assistir e cuidar de seus pais, se omitem, deixando de prestar o necessário apoio emocional e material, essa omissão pode causar dano moral, uma vez que o abandono afeta diretamente a dignidade e o bem-estar do idoso.
Entretanto, a aplicação da responsabilidade civil por abandono afetivo ainda é um tema controverso na doutrina e na jurisprudência. Embora já existam precedentes que reconheçam a omissão dos pais em relação aos filhos menores como causa de indenização por dano moral, o abandono afetivo inverso, envolvendo pais e filhos maiores, ainda é uma questão recente. A dificuldade, nesse contexto, reside na demonstração do nexo causal entre a omissão dos filhos e o dano sofrido pelos pais, além de outros critérios, como a gravidade e a extensão do dano.
6. O PL 3.145/15: Ampliando a proteção aos idosos
O PL 3.145/15 busca reforçar a proteção aos idosos, incluindo expressamente o abandono afetivo entre as formas de violência contra essa população. A proposta do PL sugere alterações no Estatuto do Idoso, prevendo punições para filhos que, de maneira negligente, deixem de oferecer o cuidado necessário aos seus pais.
Se aprovado, o PL trará uma inovação importante ao prever o abandono afetivo como uma modalidade de violência, equiparando-o a outras formas de negligência que já são reconhecidas pelo ordenamento jurídico. Tal medida poderá facilitar a responsabilização civil dos filhos omissos, além de ampliar as formas de proteção ao idoso, que passaria a ter mais instrumentos jurídicos para reivindicar seus direitos.
7. Jurisprudência e análise de casos
Embora a jurisprudência brasileira sobre o abandono afetivo inverso ainda seja escassa, existem precedentes que indicam uma possível abertura para a responsabilização dos filhos por omissão. Em algumas decisões, os tribunais reconheceram o abandono de idosos por seus filhos como causa de dano moral, com base nos deveres impostos pela CF/88 e pelo Estatuto do Idoso.
Esses casos tendem a analisar o abandono de maneira objetiva, observando o desamparo emocional e material sofrido pelos idosos. Em muitas situações, o fato de os filhos terem deixado de oferecer cuidados básicos e companhia tem sido suficiente para configurar a ofensa aos direitos da personalidade dos genitores, principalmente quando o abandono resulta em isolamento social e sofrimento psicológico.
8. Conclusão
O abandono afetivo inverso é um fenômeno que, infelizmente, vem crescendo à medida que a população brasileira envelhece. Os filhos maiores, que possuem o dever legal e moral de cuidar de seus pais, podem ser responsabilizados civilmente pela omissão de afeto e cuidado, conforme estabelecem a legislação brasileira e os princípios constitucionais que protegem a dignidade da pessoa idosa.
Embora a jurisprudência ainda esteja em construção, o fortalecimento das leis, especialmente com o PL 3.145/15, tende a consolidar o entendimento de que o abandono afetivo pode gerar indenização por dano moral. O reconhecimento dessa responsabilidade é uma medida necessária para garantir que os idosos recebam o amparo e a atenção que lhes são devidos, preservando sua dignidade e bem-estar.