Na cláusula contratual de exclusividade e não competição reside um delicado equilíbrio entre a proteção do presente e a abertura ao futuro. O “non-compete” traça, a partir da relação comercial entre duas empresas ou entre pessoa física e jurídica, os limites a serem seguidos por ambas no curso do contrato, e para além dele quando rescindidas as suas obrigações. Esta cláusula se prolonga no tempo mantendo seus efeitos entre as partes.
Decorre do exercício da autonomia privada e, sendo esta a estrutura principal do contrato, permite que os contratantes estabeleçam as formas contratuais que irão melhor se adequar a sua realidade negocial. Tendo em vista que esses contratos estão ligados a objetivos de ganho econômico, é necessário que eles sejam compreendidos de acordo com a necessidade que buscam satisfazer, ou seja, em consonância com sua função econômica, de forma que permita a efetiva capacidade de gerar lucros da organização1.
A cláusula de "non-compete" tem como natureza jurídica a obrigação de não fazer, já que limita e impede a atuação de determinadas empresas, ou agentes, para que ao fim da relação não estabeleçam pactos ou acordos comerciais com empresas do mesmo segmento. É, portanto, uma conduta comissiva, que pode ter como objeto isenções economicamente importantes como a da proibição da concorrência2.
Para estabelecer essas contenções é possível que tanto empresas quanto outros agentes limitem a sua liberdade, vinculando-se pelo contrato a compromissos que vedam práticas futuras. Partindo da autonomia da vontade, trata-se um ato pelo qual podem estabelecer, a partir disso, limitações voluntárias à própria liberdade.
Quanto à analise da validade, “são válidas as cláusulas contratuais de não-concorrência, desde que limitadas espacial e temporalmente”3. E, além do mais, nada mais são do que uma “faculdade contratada e de acordo com as respectivas normas jurídicas”4 sobre direito dos contratos, gerando, portanto, exercício regular do direito.
Porém, apesar de ocorrerem a partir da vontade das partes, as cláusulas se submetem ao exposto no artigo 114 do Código Civil, que estabelece a necessidade de interpretação restritiva à renúncia. Dessa forma, por se tratar de renúncia ao direito de livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170, caput, da Constituição Federal) e livre concorrência (artigo 170, IV, da Constituição), devem ser tratadas com cautela e necessitam de interpretação restritiva, de forma a não se tornar abusiva. Nesse sentido, “todas as obrigações negativas cerceiam a liberdade do devedor, suscitando-se o problema da sua validade sempre que o façam num grau manifestamente excessivo, em violação de uma regra de ordem pública”5.
São, portanto, medidas auxiliares ao negócio principal e que devem ser efetivamente necessárias para se atingir o objetivo do contrato, viabilizando o negócio na medida em que as partes possam obter de forma integral os bens decorrentes do contrato. Portanto, estas cláusulas são válidas na medida em que não eliminam por completo a concorrência, o que pode ser feito através de limitações que preservem a competição futura, através de limites materiais, espaciais e temporais.
“As cláusulas contratuais de disciplina da concorrência podem ou não ser válidas, de acordo com uma série de fatores, a serem especificadamente analisados. Para a análise, o critério mais relevante é o da preservação do livre mercado. Ou seja, as partes podem disciplinar o exercício da concorrência entre elas, desde que não a eliminem por completo. Em outros termos, a validade da disciplina contratual da concorrência depende da preservação de margem para a competição (ainda que futura) entre os contratantes; ou seja, da definição de limites materiais, temporais e espaciais. Em concreto, a vedação não pode dizer respeito a todas as atividades econômicas, nem deixar de possuir delimitações no tempo ou no espaço”6.
A inclusão dessas cláusulas em contratos empresariais com preocupação de “non-disclosure” ao “know-how” visa proteger o conhecimento que os parceiros comerciais detêm sobre propriedade intelectual, informações estratégicas de clientes e fornecedores, evitando que tais conhecimentos sejam utilizadas em benefício de concorrentes, o que pode prejudicar completamente a empresa.
Em consequência, a violação do compromisso de exclusividade compromete não apenas a relação contratual, mas também a sustentabilidade e eficácia dos projetos decorrentes e, em geral, enseja o pagamento de multa indenizatória e outras medidas reparatórias contratuais.
Pode-se concluir, então, que a obrigação de não competir tem como função evitar a prática da concorrência desleal e desvio de clientela, a fim de garantir que a satisfação dos interesses contratuais ocorra mesmo após a extinção do contrato, de forma a evitar condutas que possam frustrar o objetivo do contrato, reduzir as vantagens da contraparte ou causar-lhe dano[7]. Mesmo após extinta a relação contratual, alguns deveres permanecem para as partes e, na hipótese de descumprimento, dão origem a um dever de indenizar, pela denominada "culpa post factum finitum".
Abaixo, tome-se como exemplo a cláusula inserta em contrato de “Engineering, Procurement and Construction”, em que a Contratada não poderia se envolver comercialmente com atividades concorrentes aos negócios da Contratante, produtora exclusiva de etanol de cana-de-açúcar, em um raio de 100 quilômetros da Usina Alvorada, empreendimento de sua propriedade exclusiva.
“21.1. Durante o período de execução das obras e pelo período de 1 (um) ano após a assinatura do Termo de Entrega, a Contratada não podera' se envolver comercialmente, prestar serviços ou participar, direta ou indiretamente, de atividade concorrente com os negócios da Contratante, seja por meio de parcerias, joint ventures, ou qualquer outra forma que possa criar um conflito de interesses com as atividades da Contratante.
21.1.1. Não obstante o quanto disposto no item acima, não constituirá' violação ao compromisso de exclusividade e não concorrência: (i) atividade de qualquer natureza não englobada pelo Escopo da Obra; (ii) prestação de serviço de consultoria.
21.1.2 A abrangência territorial das obrigações de exclusividade e não concorrência será' limitada ao raio de 100 km (cem quilômetros) da Usina.
21.2. A Contratada declara, sob pena de responsabilidade contratual e legal, que, no momento da celebração deste contrato, não possui qualquer contrato em vigor ou compromisso futuro que viole os termos desta cláusula de exclusividade.
21.3. A violação de qualquer dos termos de não concorrência previstos nesta cláusula ensejara' o pagamento de multa indenizatória no valor de 10% (dez por cento) do Preço Global atualizado, sem prejuízo de outras medidas legais cabíveis”.
Eventual violação da cláusula pela Contratada, caso firme relação comercial com terceiros concorrentes da Contratante, resulta na necessidade primária de aferir se houve realmente violação e qual sua extensão. Se, por exemplo, viesse a ser firmada uma nova relação comercial com empresa que utiliza a mesma matéria prima (cana-de-açúcar), porém, em vez de etanol, produz “whisky”, haveria violação dos termos pactuados? Neste caso, o elemento da concorrência direta entre as empresas reside na matéria prima ou no produto final?
É, de fato, questão que demanda uma análise mais aprofundada dos elementos centrais que caracterizam a concorrência no mercado em questão. Para tanto, deve-se levar em consideração não apenas a identidade ou similaridade da matéria-prima utilizada, mas, sobretudo, a destinação e finalidade do produto final, bem como os impactos comerciais que tal relação possa gerar. Ademais, é necessário avaliar se o novo empreendimento ou contrato celebrado pela Contratada tem o potencial de afetar diretamente a competitividade da Contratante no setor de etanol.
Como já visto, a interpretação da cláusula de “non-compete” deve equilibrar a proteção legítima dos interesses comerciais dos contratantes com a liberdade empresarial e com a preservação da livre iniciativa, assegurando que as limitações impostas sejam claras e precisas, já que serão interpretadas restritivamente, como renúncia que é.
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1 FORGIONI, Paula Andrea. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2016, p. 73.
2 GOMES, Orlando. Obrigações. 19ª ed. São Paulo: Forense, 2019, p. 38.
3 STJ. Recurso Especial n° 1.203.109-MG, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em: 05 mai. 2015, publicado em: 11 mai. 2015.
4 TJMG. Apelação Cível 1.0000.20.548594-9/001, Relator Desembargador Ramom Tácio, 16ª Câmara Cível, julgado em: 24 fev. 2021, publicado em: 25 fev. 2021.
5 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 7ª ed. Coimbra: Almedina. 1998, p. 611.
6 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 16ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2012, p. 350.
7 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa fé no direito civil. Porto: Almedina. 2001, p. 629.