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O influenciador digital e sua responsabilidade na divulgação do mercado de apostas

Ascensão das apostas online no Brasil e a regulação necessária para influenciadores digitais, visando proteger consumidores e garantir responsabilidade.

26/9/2024

Com o advento das casas de aposta na modalidade virtual e a crescente concorrência decorrente da difusão desse mercado no Brasil, as casas de aposta passaram a ampliar sua variedade de mercados e opções de apostas oferecidas aos interessados, sendo que, rapidamente, a aposta esportiva se tornou a mais popular entre os brasileiros, levando o apelido de bets.

Para fomentar esse mercado, muitas das bets estabeleceram parcerias com clubes de futebol brasileiros e obtiveram o patrocínio de grandes marcas do âmbito esportivo, de modo a aumentar a visibilidade das marcas e criar uma conexão mais próxima com os fãs de esporte.

Em razão do crescimento desse mercado, em 15/8/23, foi apresentado o PL 3.915/23 (“Projeto”), que, em um primeiro momento, objetivou a proibição da divulgação, por parte de influenciadores digitais e artistas, de empresas de aposta, cassinos, jogos de azar ou quaisquer atividades relacionadas, de forma a abranger todos os meios de comunicação digital e responsabilizar os influenciadores e artistas pelo conteúdo divulgado.

A justificativa para a adoção de tal medida seria, supostamente, garantir proteção ao público contra os riscos associados às atividades de apostas, incluindo a saúde mental e financeira dos seguidores.

O projeto foi distribuído à comissão de comunicação e, uma vez aprimorado, teve seu texto substitutivo aprovado. Referido texto contou com alterações importantes, tais como a adequação da definição legal de “influenciadores digitais”, a adaptação das regras às práticas do mercado publicitário, além da exclusão do termo “artistas”.

Além disso, o projeto passou a dispor sobre a vedação da publicidade de jogos de azar não regulamentados em aplicações de internet e redes sociais. Dentre outros assuntos, ele estabelece regras para a publicidade e ações de marketing das empresas de apostas, para regulamentar a participação dos influenciadores digitais nas campanhas publicitárias das bets.

A relação entre os influenciadores digitais e as bets foi levada aos holofotes em matéria exibida pela Rede Globo, no programa “Fantástico”, em 17/12/231. A matéria explorou uma investigação de iniciativa polícia civil em face da plataforma de apostas “Blaze”, uma das responsáveis pelo “Jogo do Tigrinho”. A autoridade policial reuniu informações no sentido de que os apostadores dos jogos, que são amplamente divulgados pelos influenciadores digitais, não recebiam os prêmios que lhe seriam prometidos, levando à suspeita de crime de estelionato.

Os influenciadores digitais procurados à época apontaram que sua relação com a Blaze se resumia à publicidade, sendo que não tinham conhecimento sobre os atos ilícitos investigados.

Em recente operação denominada “Game Over”, divulgada em 6/24, a polícia civil de Alagoas teve acesso à prints de conversas por WhatsApp que detalham um esquema fraudulento, por meio do qual os influenciadores digitais que divulgavam o “Jogo do Tigrinho” e similares recebiam uma conta diferenciada, denominada "demo", manipulada por programadores para simular um falso superganho. Na prática, a “demo” era programada de forma diferente a conta divulgada ao usuário comum, que estaria programada para sempre perder. Segundo a investigação, a conduta configura a prática de estelionato.

Porém, no caso dos influenciadores digitais, a responsabilidade legal pode se estender para além da esfera penal. Isso porque a divulgação de atividades ilegais pode configurar ato ilícito civil, podendo ser objeto de ação indenizatória, sob alegação de propaganda enganosa e consequente violação do CDC.

A legislação consumerista veda a publicidade abusiva e enganosa, reconhecendo-a como crime contra o consumidor (CDC, art. 37)2, e podendo ser penalizado com multa e reclusão de 2 meses a 6 anos (CDC, arts. 63, 67, 68 e 69).

Sob esse aspecto, não se pode ignorar o fato de que os influenciadores digitais – ou influencers, como também são chamados – compõem a cadeia publicitária das bets, de modo que, sob o olhar da legislação consumerista, eles estariam sujeitos às penalidades ali previstas.

Assim, a polêmica das bets chama a atenção para outro tema que merece atenção do legislador: a necessidade de regulamentação da atividade dos influenciadores digitais.

Países como França e Austrália já contam com normas específicas para a profissão. Para a lei francesa, os influenciadores estão proibidos de promover qualquer atividade, bem ou serviço relacionados a casa de apostas, investimentos em criptomoedas ou outros ativos de risco (lei 2023-45, art. 7º3). A norma australiana, embora focada na área da saúde, dita regras que, se descumpridas, podem ser passíveis de pena de multa, ou até mesmo prisão.

CONAR - Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária divulgou um guia de publicidade para influenciadores digitais4, o qual obriga os influencers a sinalizarem os anúncios patrocinados com termos como “publicidade” ou “conteúdo pago”.

Para além disso, como forma de tornar pública a adesão às diretrizes indicadas pela entidade de autorregulação publicitária, em 5/24, as empresas anunciantes do segmento de apostas (tais como Betano, Caesar's e Rei do Pitaco) se associaram formalmente ao CONAR, demonstrando, assim, uma preocupação com a publicidade responsável.

Em casos levados ao crivo do poder Judiciário brasileiro, cujo entendimento ainda é esparso, a grande maioria influencers foi responsabilizada pela indenização dos prejuízos sofridos pelo consumidor no âmbito da aquisição de produtos, tão somente, nas hipóteses em que o influenciador assume status de dono do empreendimento.

A popularidade do tema já chegou também ao poder Legislativo, sendo que, atualmente, há inúmeros PL visando a regulamentação da atividade5. Da análise dos projetos em tramitação, chama atenção o art. 5º do PL 1547/236, que propõe que o criador de conteúdo digital deve ser responsável “pelos danos que causar a terceiros, tanto na esfera civil como na criminal, decorrentes de suas publicações”. A proposta foi encaminhada à coordenação de comissões permanentes da Câmara dos deputados.

No mesmo sentido é o PL 5864/237, apresentado em 5.12.23, que propõe a equiparação dos usuários de redes sociais ao conceito de “consumidor” do CDC, propondo a regulamentação de sua relação com os provedores, sob os ditames da legislação consumerista.

Assim, percebe-se que a evolução da internet criou novas relações jurídicas, que trazem consigo a necessidade de que poder Legislativo se adapte aos novos conflitos, trazendo, assim, uma legislação que proteja não apenas o consumidor, mas também os profissionais da nova era digital, que, além de se relacionarem diretamente com o público-alvo, possuem relações jurídicas entre si.

__________
 
1 https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/12/17/jogo-do-aviaozinho-justica-bloqueia-r-101-milhoes-de-site-de-apostas-que-promove-game-ilegal-divulgado-por-influenciadores.ghtml.

2 “Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”.

3 https://www.legifrance.gouv.fr/jorf/id/JORFTEXT000047663185

4 http://conar.org.br/index.php?codigo&pg=influenciadores

5 PL 3130/2021, PL 2347/2022, PL 1282/2022, PL 1335/2022, PL 1547/2023 e PL 3117/2023.

6 “Art. 5º O criador de conteúdo digital é responsável pelos danos que causar a terceiros, tanto na esfera civil como na criminal, decorrentes de suas publicações”.

7 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2369989&filename=PL%205864/2023

Paula A. Abi Chahine Yunes Perim
Possui vasta experiência em contencioso cível empresarial, com atuação em questões ligadas ao direito civil, comercial, consumerista e administrativo. Conduz arbitragens nacionais e internacionais, em temas relativos à aquisição de empresas, conflitos societários, infraestrutura, representação comercial, contratos de construção, entre outros. Dedica-se à área acadêmica como professora do curso de Processo Civil em renomadas instituições de ensino, e integra diversas instituições do meio arbitral. É graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especializada em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Possui Certificação Internacional em Contencioso Empresarial e Arbitragem Internacional pela London School of Economics and Political Science - LSE.

Carolina da Silva Marques
Advogada - Lobo de Rizzo

Letícia Mazini Pinheiro de Oliveira
Advogada - Lobo de Rizzo

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