A busca pelo corpo-perfeito e padrões físicos “instagramáveis” tem levado pacientes a se submeterem de forma cada vez mais frequente a procedimentos com finalidade estética, levando o Brasil ao segundo lugar no ranking mundial de cirurgias.1
Todavia, os casos de lesões – danos estéticos – tem elevado a busca por tratamentos médicos corretivos e reparadores, enquanto os médicos mantêm-se receosos quanto a forma de atender e, até mesmo, se devem prestar atendimento a tais pacientes.
O aumento de complicações decorrentes de procedimentos estéticos realizados por profissionais sem a devida capacitação (competência) é uma realidade preocupante no Brasil.
Recentemente, inclusive, houve uma intervenção decretada no Conselho Regional de Odontologia do Estado de Minas Gerais decorrente, justamente, da leniência do órgão fiscalizador com relação a cirurgias estéticas realizadas por odontólogos dentro do Estado, sem a devida fiscalização.
Evidentemente que muitos pacientes, em busca de resultados rápidos e preços acessíveis, acabam se submetendo a intervenções por profissionais de saúde não qualificados para prática do respectivo procedimento.
Decorrência lógica desse caos instaurado é o número de pacientes que sofrem complicações estéticas ter aumentado significativamente, tanto em decorrência de procedimentos realizados por profissionais não capacitados quanto, até mesmo, por médicos habilitados.
Essas complicações variam de reações adversas leves a deformidades graves, afetando a autoestima e a qualidade de vida dos pacientes, iludidos pelas promessas de corpos esteticamente perfeitos.
Diante deste cenário, médicos são frequentemente procurados para intervir de forma reparadora, independentemente de quem realizou o procedimento inicial. Desta forma, é essencial que, ao atender esses pacientes, o médico atue com cautela, seguindo protocolos que garantam tanto a segurança jurídica quanto o melhor suporte ao paciente.
1. O Dever de Atender o Paciente
O Código de Ética Médica e os princípios fundamentais da medicina impõem ao médico o dever de atender qualquer paciente com complicações estéticas, mesmo quando causadas por outros profissionais, sejam eles médicos ou não.
Recusar atendimento a esses pacientes pode ser considerado uma violação ética, na medida em que “A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.” (Princípio I do Código de Ética Médica).
Assim, o médico deve acolher o paciente para avaliação e tratamento, tomando medidas preventivas para resguardar sua atuação, especialmente quando a complicação não foi causada por ele.
2. Relatório Detalhado do Quadro Clínico
Ao receber o paciente, o primeiro passo, ao realizar a anamnese, é documentar detalhadamente seu estado. O médico deve elaborar um relatório clínico minucioso que inclua, não apenas, mas essencialmente:
- Queixas do paciente;
- Procedimento estético realizado previamente, data e os dados do profissional que o executou;
- Complicações observadas, como infecções, assimetrias, necrose, cicatrizes, entre outras;
- Imagens fotográficas das áreas afetadas, com autorização do paciente.
Além disso, é crucial que o paciente assine este relatório, confirmando estar ciente das informações documentadas, concordando com os próximos passos do tratamento. Essa anamnese, em forma de relatório detalhado, devidamente assinado pelo paciente, deverá ser arquivada junto ao prontuário.
3. Registro Minucioso no Prontuário
A evolução do caso no prontuário médico é um aspecto fundamental no tratamento de complicações estéticas.
O prontuário deve ser preenchido com precisão, registrando todas as etapas do tratamento proposto, desde a primeira consulta até os procedimentos corretivos realizados.
O prontuário deve conter, não apenas, mas principalmente:
- Avaliação inicial do paciente;
- Opções terapêuticas discutidas;
- Consentimento do paciente para o tratamento;
- Intervenções realizadas e a resposta do paciente;
- Evolução fotográfica do caso;
- Complicações adicionais ou respostas inesperadas.
O prontuário médico é o principal documento do histórico de saúde do paciente, e servirá como ferramenta de defesa do médico em casos de litígios judiciais, tendo a característica de presunção de veracidade quanto ao seu conteúdo.2 Sua correta e detalhada manutenção protege o profissional e aprimora o atendimento ao paciente.
4. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Ao propor qualquer intervenção corretiva, o médico deve obter um TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo paciente, de forma consciente e devidamente orientado quanto a situação. Esse termo deve esclarecer, essencialmente, que:
- O paciente reconhece o dano estético, resultado de procedimento realizado por outro professional;
- O tratamento proposto tem caráter corretivo, reparador e não estético, buscando minimizar os danos sofridos;
- O paciente está ciente dos riscos e limitações do procedimento corretivo, incluindo a possibilidade de não atingir o resultado desejado e discutido;
- Nos termos da resolução CFM 1.641/02, quando a lesão for causada por um profissional não médico, o médico assistente deve orientar o paciente para que busque o serviço médico legal e a autoridade policial para eventual investigação.
Importante destacar que o termo de consentimento sempre deve ser claro e compreensível, elaborado por um advogado especialista em Direito Médico e da Saúde, e o paciente deve ter a oportunidade de fazer perguntas antes de assinar.
5. Compliance no Consultório: Um Diferencial de Segurança.
A adoção das práticas acima protege o médico legalmente e pode ser parte de uma estratégia de compliance no consultório. O compliance, quando bem aplicado, envolve medidas preventivas e de gestão de riscos, garantindo que o consultório opere de forma ética e segura.
Essas precauções são fundamentais no atual cenário da atuação médica, com finalidade estética, em que as complicações estão em ascensão e as expectativas dos pacientes são cada vez mais elevadas.
O médico que adota um protocolo rigoroso de documentação e consentimento, além de oferecer atendimento ético e de qualidade, tende a atrair mais pacientes em busca de soluções para complicações de procedimentos estéticos de forma humanizada e sensível.
Além disso, pacientes que sofreram complicações com outros profissionais podem recomendar médicos que seguem esse padrão elevado de cuidado, fortalecendo a reputação do consultório.
Conclusão
O atendimento a pacientes com complicações estéticas exige do médico uma postura cautelosa, diligente, humanizada e sensível. Independentemente do dano ter sido causado por outro profissional, é crucial documentar corretamente o quadro clínico, obter consentimento informado e manter um prontuário atualizado. Essas práticas garantem a segurança jurídica do profissional, reforçam a confiança do paciente e podem se tornar um diferencial competitivo na medicina estética.
___________
1 https://radios.ebc.com.br/revista-brasilia/2023/09/brasil-e-o-segundo-pais-que-mais-realiza-cirurgias-esteticas#:~:text=O%20Brasil%20é%20o%20segundo,por%20procedimentos%20estéticos%20mal%20sucedidos.
2 AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EXCLUSÃO DE COBERTURA E AGRAVAMENTO DE RISCO - EMBRIAGUEZ - BOLETIM DE OCORRÊNCIA E PRONTUÁRIO MÉDICO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS EXPRESSAS - DESOBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO CONFIGURADA - AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL INDEVIDA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO - SENTENÇA MANTIDA.
2 O estado de embriaguez advém das informações constantes do Boletim de Ocorrência e prontuário de atendimento hospitalar, que possui presunção de veracidade. (TJ-MS - AC: 08268168020178120001 MS 0826816-80.2017.8.12.0001, Relator: Des. Geraldo de Almeida Santiago, Data de Julgamento: 17/11/2020, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 19/11/2020)