Migalhas de Peso

4ª turma do STJ autoriza a utilização do e-mail para constituição em mora do devedor fiduciante

O STJ decidiu que para as operações de crédito inadimplidas garantidas por alienação fiduciária de bem móvel, pode ser utilizado o e-mail para constituição em mora do devedor fiduciante, requisito indispensável para propositura de busca e apreensão.

24/9/2024

Em decisão recente do STJ a 4ª turma entende pela possibilidade de constituição em mora do fiduciante mediante correio eletrônico, suprindo exigência legal, dada a devida hermenêutica da alteração introduzida pela lei 13.043/14, art. 2º, § 2º, do decreto-lei 911/69, que rege o procedimento especial de busca e apreensão, divergindo de entendimento anterior de seus congêneres da Terceira Turma.

Nos contratos que possuem garantia real de bem móvel na modalidade de alienação fiduciária o devedor transmite ao credor a propriedade do bem até o efetivo cumprimento de sua obrigação. Enquanto perdurar a obrigação, o credor possui a propriedade e a posse indireta da coisa, ao passo em que o devedor possui sua posse direta, assumindo todas as responsabilidades e encargos decorrentes da execução do contrato, de acordo com a lei civil e penal.

No caso de inadimplência por parte do devedor, uma das medidas para o credor recuperar o crédito consiste no ajuizamento de busca e apreensão, com o fito de reaver o bem. Este procedimento é disciplinado pelo decreto-lei 911/69, sendo imprescindível o cumprimento dos requisitos legais para a concessão da medida liminar na propositura da ação.

O juízo ao analisar o pedido inicial verifica se estão presentes os pressupostos processuais, as condições da ação, bem como a existência de circunstâncias que possibilitam a regularidade processual.

Além da juntada dos documentos necessários para a propositura da demanda em geral, o requisito indispensável e principal para a efetividade do procedimento previsto no DL 911/69, é a constituição em mora do devedor, que consiste na notificação extrajudicial das parcelas inadimplidas, podendo ser comprovada por carta de aviso de recebimento (ARMP) e/ou através de Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Recentemente, e diante das diversas discussões acerca da validade da constituição em mora, em julgamento pelo Colegiado, foi publicado o Tema repetitivo 1.132, em que o STJ firmou o entendimento que a entrega da notificação no endereço indicado no contrato por ARMP é suficiente para a propositura da ação, dispensando que o recebimento e assinatura seja pelo devedor.

Por se tratar a constituição em mora, requisito mais importante para o ajuizamento da busca e apreensão, e, especialmente pelo avanço tecnológico, em 12/6/24 a 4ª turma do STJ em julgamento acerca da possibilidade de envio da notificação por meios eletrônicos firmou o entendimento de que o credor pode usar e-mail para fins de notificação extrajudicial do devedor fiduciante com o intuito de cumprir o requisito legal de para ajuizamento da ação de busca e apreensão.

Isso se dá com o objetivo de promover modernização e inovação processual, alinhando o posicionamento da segunda corrente minoritária dos Tribunais Superiores, a 4ª turma do STJ validou o uso do e-mail para notificação extrajudicial do devedor fiduciante.

O fundamento é de que o art. 2º, parágrafo 2º do decreto-lei 911/69 traz como requisito da busca e apreensão a notificação extrajudicial para constituição em mora do devedor, porém a norma diz que “poderá” ser por aviso de recebimento (ARMP), assim, o uso de outros meios para a efetivação do ato não é impeditivo.

Inclusive, ao proferir a decisão o relator frisa a impossibilidade de o legislador prever todas as situações relacionadas a notificação em razão da evolução tecnológica, por isso ressalta a sua faculdade.

Para maior assertividade no envio da notificação através do e-mail é necessário considerar que o endereço eletrônico do devedor esteja expresso no contrato. Ou seja, ao constar explicitamente o endereço eletrônico fornecido pelo próprio devedor no momento da contratação, é razoável inferir que ele tem plena ciência de que as comunicações entre as partes serão realizadas por esse meio.

Seguindo esse condão, necessária breve análise dos princípios que norteiam o Direito Contratual, especialmente a boa-fé e probidade contratual, além do princípio da instrumentalidade das formas.

Os dois primeiros princípios, boa-fé e probidade, estão interligados por suas questões interpretativas e também no tocante ao interesse social de segurança das relações jurídicas, os quais se tornam ainda mais relevantes e ponto fundamental ao se tratar de concessão de crédito, até porque a inadimplência influencia diretamente os juros remuneratórios, vez que quanto maior for sua taxa, proporcionalmente maior é a taxa de juros necessária para cobrir a perda com essa operação, influenciando a economia em um contexto geral.

Evidente a intenção do legislador em possibilitar o atingimento da finalidade de comunicação do devedor quanto a sua inadimplência pela constituição em mora que pode ser feita via ARMP, mas que por ele não é obrigada. Contudo, mesmo se assim não fosse havendo delimitação legal quanto ao procedimento ocorrer por ARMP e/ou através de Cartório de Registro de Títulos e Documentos, o credor atingiria a mesma finalidade, mas por outro caminho, como preconiza o princípio da instrumentalidade das formas, haja vista que o ato processual não constitui um fim em si mesmo.

Apesar do posicionamento da 4ª turma, ainda se discute quanto a admissibilidade da notificação extrajudicial por meio eletrônico para comprovação da mora e se este pode ser meio considerado para fins de substituição do ARMP, além de se questionar se cumpre a regulamentação disposta no art. 2º, §2º do decreto-lei 911/69.

As alegações de irregularidades consistem na premissa de não haver regulamentação que garanta que as informações contidas no texto do e-mail correspondam efetivamente ao que se afirma estar contido na mensagem.

Também se expressa a incerteza quanto a real comunicação ao devedor, pois a ciência inequívoca do recebimento exigiria a consideração de vários fatores, como a existência do e-mail, o uso efetivo da ferramenta pelo devedor, além da estabilidade e segurança, sendo esse os motivos de que a jurisprudência profere julgamentos inadmitindo diversos recursos interpostos por instituições financeiras perante os Tribunais.

Por essas questões é que se faz necessário que a parte notificante empregue meios que visem assegurar a validade e licitude da constituição em mora, como por exemplo, confirmação de leitura, mas principalmente a previsão contratual de que o notificado dá ciência e declara como válida a sua notificação mediante correio eletrônico.

Portanto, em relação à validade da notificação extrajudicial para constituir o devedor em mora por meio de correio eletrônico, a decisão da 4ª turma do STJ esclarece que é admitido, desde que enviada para o endereço eletrônico especificado no contrato de alienação fiduciária pelo devedor e comprovado o seu recebimento efetivo, seguindo os mesmos requisitos exigidos para uma carta registrada com aviso de recebimento, obtendo efeitos legais demonstra o avanço do entendimento jurisprudencial quanto a matéria, e, faz com que os credores alienantes possam ter maior segurança jurídica em caso de eventual inadimplência, mas que para tanto deverá ser observados alguns cuidados específicos para que não haja eventual alegação de nulidade.

Paulo Bernardino
Advogado.

Eliza Segatelli Cichella
Advogada bancária.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência

19/12/2024

5 perguntas e respostas sobre as férias coletivas

19/12/2024

A política de concessão de veículos a funcionários e a tributação previdenciária

19/12/2024

Julgamento do Tema repetitivo 1.101/STJ: Responsabilidade dos bancos na indicação do termo final dos juros remuneratórios

19/12/2024