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O que é insubordinação no serviço público

A insubordinação no serviço público gera insegurança e arbitrariedade, permitindo punições abusivas. Definições claras são essenciais para proteger servidores.

25/9/2024

O tipo administrativo insubordinação, infinitamente aberto, presente nos estatutos disciplinares, sem dúvida, viola o direito fundamental do servidor, pois gera insegurança jurídica e, acaba se transformando em arbitrariedade; com isso, ocasionado punições abusivas.

É preciso ser mais crítico sobre o que seja insubordinação no serviço público. Por quê? Porque este tipo administrativo, no estatuto disciplinar, é infinitamente aberto. A ficha ainda não caiu para a doutrina. Está sempre atrasada. A doutrina pouco doutrina. Precisa, sim, discutir o assunto com seriedade.

Em consequência, milhões de servidores públicos, no Brasil, sofrem com essa insegurança jurídica; pois, ficam reféns, das maldades jurídicas infinitas do Estado-Administração.  

É muita maldade! O Direito não vale mais nada!

Por exemplo: a lei 8112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da união, no art.132, VI, diz que:  demissão do servido será aplicada em caso de insubordinação grave. 

No mesmo sentido, o velho decreto-lei 220/75, que é o estatuto dos servidores do Estado do Rio de Janeiro, no art. 52, VII, fala que a pena de demissão será aplicada em razão de insubordinação grave em serviço. 

O curioso é que outros Estados e municípios, nos seus estatutos- onde estão os direitos e deveres dos servidores, copiam e colam que a demissão será aplicada em caso de insubordinação grave. 

Pois é. Faltou combinar com a lei e dizer o que seja insubordinação... 

Um caso concreto

Ca pra nós: recentemente, no exercício da profissão, soube de um caso em que o gestor alegava que o servidor “questionava” muito às ordens superiores. Por isso, era “insubordinado” e “tumultuava” o serviço”.  

Misericórdia! Como assim?   

Tome-lhe sindicância! 

Ora, perguntar não ofende!  

Por sinal, perguntar, indagar e solicitar informações, significa “insubordinar”

Há tipicidade na conduta do servidor que faz perguntas, com urbanidade e sede de saber, ao superior hierárquico, a fim de informar-se das rotinas necessárias ao desempenho de suas atribuições?

Vale lembrar de que a lei 3921/02, no art. 2º, §, único v, prevê que se considera assédio moral: 

“sonegar informações que sejam necessários ao desempenho das funções ou úteis à vida funcional do servidor”.

Com efeito, com o tipo insubordinação extremamente aberto, há um espaço abissal de discricionaridade dada a Administração Pública que, no dia a dia, acaba se transformando em arbitrariedade; desse modo, ocasionado punições abusivas aos servidores. 

Por falar em discricionaridade, infelizmente, a discricionaridade à brasileira é sinônimo de arbitrariedade! Os donos do poder, que se apropriam do Estado-Administração ou Estado-juiz, criam o direito que lhes é aplicável. 

Há um drible à Constituição e desrespeito à lei.  

Não se decide segundo o Direito. Não há pudor para decidir: decido, depois fundamento! O direito continua assim: prisioneiro da discricionariedade à brasileira. 

Não pode dar certo! 

Logo, temos que tomar muito cuidado com o tipo administrativo, “insubordinação”, para que não haja perseguição ao servidor, pois ele é exageradamente aberto, ocasionando, sim, insegurança jurídica ao administrado.           

Direitos fundamentais e processo administrativo disciplinar

É evidente, porém, que o Direito Administrativo Sancionador tem que estar em consonância com a CF/88, a qual incorpora direitos fundamentais, vale dizer, legalidade, juricidade, tipicidade, devido processo legal, contraditório, presunção de inocência, imparcialidade, direito à ampla defesa e culpabilidade.

Todos sabemos, que o ônus da prova é sempre da acusação. Nunca da defesa. É claro que o princípio constitucional da presunção de inocência incidi no processo administrativo disciplinar. 

É importante destacar, nesse ponto, de que não foi recepcionado pela CF, o velho instituto da “verdade sabida” que é o conhecimento pessoal e direto da suposta falta pela autoridade competente para aplicar a pena, atropelando o contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos.

É a lição do professor Renato Ferraz1

"O administrador público não tem vontade. Não tem desejo. Ele é um mero executor do ato. Mero executor da lei, vale dizer, sua conduta tem que ser pautada na legalidade constitucional."

Pois então. Se o Direito for a vontade de quem decide, vai tender para a arbitrariedade.  

Sigo. Não se pode esquecer do princípio da imparcialidade, no processo administrativo disciplinar. É essencial a qualquer atividade processual.  

É de uma obviedade óbvia de que o agente público que acusou não deve participar do julgamento de mérito e aplicar a sanção, para, assim, resguardar direitos fundamentais do servidor.

Ou seja, ninguém pode ser juiz em causa própria. Quem acusa, não julga, não é? 

Prosseguimos. O princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso é imprescindível no processo administrativo disciplinar.

Verifica-se, pois, que, o ideal de proporcionalidade determina a proibição em face do Estado de punir em excesso. A propósito, o exercício do poder disciplinar ostenta um fim, de modo que a sanção se deve mostrar: adequada, necessária e proporcional a essa finalidade. 

Os direitos fundamentais, por sua vez, balizam o poder disciplinar.

Aliás, a lei de introdução às normas do direito brasileiro, prevê no art.22 § 2º:

“Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”.

Por fim, não se pode esquecer da obrigatoriedade da motivação (art.93 X, CF c/c com art.50 da lei 9784/99), que é a fundamentação, a explicação do ato administrativo, pois no Estado democrático de direito, que tem a cidadania como princípio fundamental, todos têm direito de saber o porquê da decisão, até para saber do que recorrer. 

Logo, não há atos administrativos secretos ou sem fundamentação, sendo obrigatória a motivação nos atos administrativos vinculados e discricionários. 

O entendimento majoritário da doutrina, porém, é de que mesmo no ato discricionário, é necessário a motivação para que se saiba o caminho adotado pelo administrador.2

Outro imbróglio

Tem mais.  Por sinal, teve um caso em que atuei, o qual trago à baila pelo simbolismo. É uma crítica epistemológica. Doutrinária. Aconteceu o seguinte: a magistrada que instaurou a portaria de sindicância em desfavor do servidor, também, foi a julgadora, aplicando pena de advertência.    

Pode isso, excelência?  É o direito fundamental a imparcialidade?  

Não é fácil. Vejam a que ponto chegamos. Sim, é isto mesmo que você está pensando: a decisão foi parcial!     

Reparem: a sindicância, após instaurada, deveria ser encaminha para o juiz auxiliar da Corregedoria- Geral de Justiça, o qual iria presidir e dirigir os trabalhos, apurando a suposta infração disciplinar. 

Clique aqui para ler a íntegra do artigo.

Renato Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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