O tipo administrativo insubordinação, infinitamente aberto, presente nos estatutos disciplinares, sem dúvida, viola o direito fundamental do servidor, pois gera insegurança jurídica e, acaba se transformando em arbitrariedade; com isso, ocasionado punições abusivas.
É preciso ser mais crítico sobre o que seja insubordinação no serviço público. Por quê? Porque este tipo administrativo, no estatuto disciplinar, é infinitamente aberto. A ficha ainda não caiu para a doutrina. Está sempre atrasada. A doutrina pouco doutrina. Precisa, sim, discutir o assunto com seriedade.
Em consequência, milhões de servidores públicos, no Brasil, sofrem com essa insegurança jurídica; pois, ficam reféns, das maldades jurídicas infinitas do Estado-Administração.
É muita maldade! O Direito não vale mais nada!
Por exemplo: a lei 8112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da união, no art.132, VI, diz que: demissão do servido será aplicada em caso de insubordinação grave.
No mesmo sentido, o velho decreto-lei 220/75, que é o estatuto dos servidores do Estado do Rio de Janeiro, no art. 52, VII, fala que a pena de demissão será aplicada em razão de insubordinação grave em serviço.
O curioso é que outros Estados e municípios, nos seus estatutos- onde estão os direitos e deveres dos servidores, copiam e colam que a demissão será aplicada em caso de insubordinação grave.
Pois é. Faltou combinar com a lei e dizer o que seja insubordinação...
Um caso concreto
Ca pra nós: recentemente, no exercício da profissão, soube de um caso em que o gestor alegava que o servidor “questionava” muito às ordens superiores. Por isso, era “insubordinado” e “tumultuava” o serviço”.
Misericórdia! Como assim?
Tome-lhe sindicância!
Ora, perguntar não ofende!
Por sinal, perguntar, indagar e solicitar informações, significa “insubordinar”?
Há tipicidade na conduta do servidor que faz perguntas, com urbanidade e sede de saber, ao superior hierárquico, a fim de informar-se das rotinas necessárias ao desempenho de suas atribuições?
Vale lembrar de que a lei 3921/02, no art. 2º, §, único v, prevê que se considera assédio moral:
“sonegar informações que sejam necessários ao desempenho das funções ou úteis à vida funcional do servidor”.
Com efeito, com o tipo insubordinação extremamente aberto, há um espaço abissal de discricionaridade dada a Administração Pública que, no dia a dia, acaba se transformando em arbitrariedade; desse modo, ocasionado punições abusivas aos servidores.
Por falar em discricionaridade, infelizmente, a discricionaridade à brasileira é sinônimo de arbitrariedade! Os donos do poder, que se apropriam do Estado-Administração ou Estado-juiz, criam o direito que lhes é aplicável.
Há um drible à Constituição e desrespeito à lei.
Não se decide segundo o Direito. Não há pudor para decidir: decido, depois fundamento! O direito continua assim: prisioneiro da discricionariedade à brasileira.
Não pode dar certo!
Logo, temos que tomar muito cuidado com o tipo administrativo, “insubordinação”, para que não haja perseguição ao servidor, pois ele é exageradamente aberto, ocasionando, sim, insegurança jurídica ao administrado.
Direitos fundamentais e processo administrativo disciplinar
É evidente, porém, que o Direito Administrativo Sancionador tem que estar em consonância com a CF/88, a qual incorpora direitos fundamentais, vale dizer, legalidade, juricidade, tipicidade, devido processo legal, contraditório, presunção de inocência, imparcialidade, direito à ampla defesa e culpabilidade.
Todos sabemos, que o ônus da prova é sempre da acusação. Nunca da defesa. É claro que o princípio constitucional da presunção de inocência incidi no processo administrativo disciplinar.
É importante destacar, nesse ponto, de que não foi recepcionado pela CF, o velho instituto da “verdade sabida” que é o conhecimento pessoal e direto da suposta falta pela autoridade competente para aplicar a pena, atropelando o contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos.
É a lição do professor Renato Ferraz1:
"O administrador público não tem vontade. Não tem desejo. Ele é um mero executor do ato. Mero executor da lei, vale dizer, sua conduta tem que ser pautada na legalidade constitucional."
Pois então. Se o Direito for a vontade de quem decide, vai tender para a arbitrariedade.
Sigo. Não se pode esquecer do princípio da imparcialidade, no processo administrativo disciplinar. É essencial a qualquer atividade processual.
É de uma obviedade óbvia de que o agente público que acusou não deve participar do julgamento de mérito e aplicar a sanção, para, assim, resguardar direitos fundamentais do servidor.
Ou seja, ninguém pode ser juiz em causa própria. Quem acusa, não julga, não é?
Prosseguimos. O princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso é imprescindível no processo administrativo disciplinar.
Verifica-se, pois, que, o ideal de proporcionalidade determina a proibição em face do Estado de punir em excesso. A propósito, o exercício do poder disciplinar ostenta um fim, de modo que a sanção se deve mostrar: adequada, necessária e proporcional a essa finalidade.
Os direitos fundamentais, por sua vez, balizam o poder disciplinar.
Aliás, a lei de introdução às normas do direito brasileiro, prevê no art.22 § 2º:
“Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”.
Por fim, não se pode esquecer da obrigatoriedade da motivação (art.93 X, CF c/c com art.50 da lei 9784/99), que é a fundamentação, a explicação do ato administrativo, pois no Estado democrático de direito, que tem a cidadania como princípio fundamental, todos têm direito de saber o porquê da decisão, até para saber do que recorrer.
Logo, não há atos administrativos secretos ou sem fundamentação, sendo obrigatória a motivação nos atos administrativos vinculados e discricionários.
O entendimento majoritário da doutrina, porém, é de que mesmo no ato discricionário, é necessário a motivação para que se saiba o caminho adotado pelo administrador.2
Outro imbróglio
Tem mais. Por sinal, teve um caso em que atuei, o qual trago à baila pelo simbolismo. É uma crítica epistemológica. Doutrinária. Aconteceu o seguinte: a magistrada que instaurou a portaria de sindicância em desfavor do servidor, também, foi a julgadora, aplicando pena de advertência.
Pode isso, excelência? É o direito fundamental a imparcialidade?
Não é fácil. Vejam a que ponto chegamos. Sim, é isto mesmo que você está pensando: a decisão foi parcial!
Reparem: a sindicância, após instaurada, deveria ser encaminha para o juiz auxiliar da Corregedoria- Geral de Justiça, o qual iria presidir e dirigir os trabalhos, apurando a suposta infração disciplinar.
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