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Natureza jurídica dos benefícios fiscais do Reintegra

A controvérsia sobre o Reintegra envolve sua natureza jurídica como subvenção econômica, permitindo ao governo fixar percentuais de devolução de tributos sobre exportações, variando de 1% a 3%.

24/9/2024

Há uma grande controvérsia jurídica quanto à possibilidade ou não da redução dos benefícios fiscais do Reintegra.

Primeiramente há que se definir a sua natureza jurídica para o exame dessa questão.

Descarta-se, desde logo, a sua natureza de imunidade, que tem sede apenas na constituição, representando um obstáculo à instituição de tributo sobre bens, serviços, e patrimônios declarados imunes.

E os benefícios do Reintegra estão previstos no nível infraconstitucional, qual seja, na lei 13.043, de 13 de novembro de 2014.

E o  art. 21 dessa lei prescreve que

“fica reinstituído o Regime tributário para as Empresas Exportadoras – REINTEGRA, que tem por objetivo devolver parcial ou totalmente o resíduo tributário na cadeia de produção de bens importados”.

O objetivo do reintegra é, pois, o de devolver parcial ou totalmente os resíduos tributários na cadeia de produção de bens exportados.

Prescreve, ainda, o art. 22 que:

“no âmbito do Reintegra, a pessoa jurídica que exporte os bens de que trata o art. 23 poderá apurar crédito, mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo, sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior.”

E, conforme prescreve o seu §1º, o percentual do crédito variará de 0,1% a 3%, admitindo-se a diferenciação por bem.

A primeira conclusão é a de que o montante do valor a ser devolvido fica na dependência de fixação do percentual dessa devolução nos limites entre 0,1% e 3%, admitindo-se a diferenciação por bem.

O Poder Executivo fixa discricionariamente o percentual do incentivo incidente sobre a receita de exportação entre 1% e 3%, podendo adotar percentual diferente para cada tipo de bem exportado, com vistas a estimular a exportação e superar o mercado de concorrência internacional.

Resta examinar o sentido da expressão “resíduo tributário” a que alude o art. 21 da lei sob exame.

Resíduo tributário outra coisa não é senão aquela tributação que não transparece, porque os tributos vão se acumulando ao longo do ciclo produtivo sendo, afinal, incorporados nos preços de mercadorias e serviços.

Um preço de um automóvel, por exemplo, incorpora tributos incidentes sobre a compra de rodas, de câmbios, sobre os serviços de montagem de peças, de funilaria, de pintura etc.

Só que a devolução desses tributos, no caso do reintegra, incide apenas sobre um percentual calculado pela receita de exportação.

Fenômeno semelhante acontece com a imunidade da receita de exportação que não abarca as operações que antecedem à efetiva exportação.

Essa faculdade de o executivo fixar o valor do benefício fiscal entre 1% e 3% da receita de exportação, visando à formulação de uma política tributária voltada para o comércio exterior, corresponde a uma subvenção econômica, que outra coisa não é senão um instrumento conferido ao governo para incentivar determinado segmento da economia, dentro dos limites e condições fixados em lei.

Subvenção econômica tem, portanto, natureza político-econômica para implementar a política de crescimento econômico de certos setores da atividade econômica reputados essenciais ou necessários em determinada conjuntura. A proibição de o Poder Público conceder ajuda financeira a empresas de fins lucrativos encontra exceção na parte final do art. 19 da lei 4.320/64, “salvo quando se tratar de subvenções econômicas cuja concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial”.

É, portanto, matéria que escapa do controle do Judiciário em seu mérito.

A delegação legislativa é clara: cabe ao governo fixar o valor do beneficiário fiscal entre 1% e 3% da receita de exportação, bem como diferenciar esses percentuais em função da natureza dos bens exportados, privilegiando com percentual maior este ou aquele tipo de produto destinado ao mercado exterior.

A subvenção econômica sempre tem em vista o incremento da atividade econômica, nos termos e limites da lei.

Episódio semelhante ocorreu nos idos de 2011, quando o STF declarou a inconstitucionalidade de nada menos que onze diferentes incentivos fiscais do ICMS concedidos sem a intermediação do Confaz, como exige a Constituição.

Os beneficiários desses incentivos fiscais foram colhidos de surpresa, após mais de dez anos de fruição dos benefícios, vendo-se repentinamente na situação de devedores de valores expressivos com que foram beneficiados ao longo do tempo.

O Congresso Nacional ensaiou uma saída permitindo que uma lei complementar autorizasse o Confaz a permitir que cada Estado concedesse por ato próprio essa remissão.

Mas, o Confaz decretou diretamente a remissão dos créditos tributários que surgiram com a anulação dos incentivos fiscais unilateralmente outorgados pelos diferentes Estados.  O STF declarou a sua inconstitucionalidade.

Finalmente, o Congresso Nacional aprovou a lei complementar 160, de 7 de agosto de 2017, autorizando o Confaz, por meio de convênio, a promover a remissão decorrente de isenções inconstitucionalmente concedidas por diferentes Estados. Disso resultou no convênio 190/2017 regulando os créditos apropriados indevidamente, conferindo-lhes a natureza de subvenção econômica, isto é, indo ao encontro do mesmo objetivo que norteou as isenções unilaterais e inconstitucionais, qual seja, de aumentar o incremento de atividades econômicas nos respectivos territórios.

Concluindo, o Reintegra é uma subvenção econômica; é um ato de governo visando incentivar a exportação de produtos para o exterior mediante incentivos fiscais representados pela concessão de créditos sobre as receitas auferidas com a exportação em percentuais que podem variar de 1% a 3%, facultada a revisão desses percentuais pelo governo a qualquer tempo.

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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