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Pacifica: A nova ferramenta de solução extrajudicial de conflitos da AGU

A plataforma Pacifica da AGU busca facilitar a resolução consensual de conflitos administrativos, reduzindo litigiosidade e promovendo acordos extrajudiciais, especialmente na área previdenciária.

24/9/2024

A adoção de soluções consensuais para resolução de controvérsias envolvendo particulares e até a administração tem ganhado força. No âmbito do Poder Judiciário, desde a edição do CPC de 2015 e da lei 13.140/15, é comum a resolução de conflitos por meio dos inúmeros centros de conciliação e mediação judicial espalhados pelo país.

Insere-se neste cenário a iniciativa da Advocacia-Geral da União que, em julho, editou a portaria normativa AGU 144, para instituir a plataforma de autocomposição imediata e final de Conflitos Administrativos – PACIFICA.

A Pacifica é uma plataforma que visa concretizar normas e preceitos legais já existentes sobre mediação e conciliação na Administração Pública Federal. Destina-se, em especial, à celebração de acordos extrajudiciais em disputas individuais de baixa complexidade e alto volume (art. 1º parágrafo único da portaria).

A Pacifica deverá facilitar a resolução consensual de litígios e servir como instrumento para “desafogar” o sistema Judiciário; ou seja, visa evitar a proposição de ações judiciais envolvendo entes da administração federal.

Assim, alguns dos principais objetivos da Pacifica estabelecidos pela portaria 144 são (art. 2º):

  1. Fortalecer a cultura da resolução consensual de conflitos;
  2. Contribuir para a redução da litigiosidade, evitando a propositura de ações judiciais e os custos dela decorrentes, quando houver meios mais adequados à solução de conflitos;
  3. Consolidar o papel proativo da Advocacia-Geral da União na gestão de conflitos não solucionados administrativamente no âmbito dos entes representados;
  4. Proporcionar maior eficiência na gestão pública, otimizando recursos financeiros e humanos;
  5. Reduzir a burocracia na realização de tarefas administrativas e na tramitação de expedientes;
  6. Estimular a cooperação entre os órgãos de contencioso e os órgãos de consultoria da Advocacia-Geral da União, visando à solução consensual de conflitos.

Ainda, a referida portaria (art. 4º) dispõe que a plataforma será implementada por meio de um canal digital que permitirá a submissão de solicitações de composição amigável após a negativa administrativa de pleito deduzido perante os entes e órgãos representados pela AGU com potencial de judicialização; do estabelecimento de fluxo e rotina de trabalho com elevado grau de automação para a análise da solicitação e oferta da proposta de acordo; e do cumprimento do disposto no acordo extrajudicial, de preferência de forma automatizada - para a rápida e efetiva concretização em favor do cidadão.

Nesse ponto, o normativo estabelece que o canal digital, além de permitir a submissão de solicitações de composição, deverá (i) adotar ferramentas que possibilitem a transparência das informações, de forma clara e precisa; (ii) garantir a segurança dessas informações, incluindo a proteção de dados pessoais; (iii) adotar linguagem simples; (iv) permitir integração com os demais sistemas utilizados pela AGU; dentre outros termos para a construção e desenvolvimento do sítio eletrônico da Pacifica (art. 5º).

Vale destacar que, inicialmente, nos primeiros estágios de implementação da plataforma, a utilização será voltada para o atendimento de solução de conflitos de caráter previdenciário (art. 7º, § 1). Segundo informações fornecidas pela própria AGU, na primeira fase, segurados do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social cujos benefícios foram negados administrativamente poderão apresentar sua solicitação diretamente à PGF - Procuradoria Geral Federal. A PGF, por sua vez, avaliará se há normas internas que possibilitam a proposta de acordo extrajudicial para a concessão do benefício.

Essa iniciativa visa evitar a necessidade de acionamento da justiça para resolver os conflitos, acelerando a implementação dos direitos dos segurados e promovendo uma utilização mais eficiente dos recursos destinados à Administração Pública. Somente após essa etapa inicial, é que a plataforma será usada na resolução de conflitos de outras áreas.

A portaria 144/24 ainda destaca que a AGU tem o dever de fomentar a Pacifica junto aos órgãos por ela representados, tais como a controladoria-geral da união, as agências reguladoras, os ministérios, as autarquias e as fundações públicas federais - para que haja a adesão da plataforma como forma preferencial de resolução de conflitos administrativos com potencial de judicialização (art. 6º).

Ademais, conforme informações do CNJ, em 2014 havia cerca de 362 Cejuscs - Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania nos Tribunais de Justiça em todo o Brasil. Em 2015, o número de Cejuscs cresceu em 80,7%, totalizando 654 unidades. Ao final de 2023, o número de centros instalados havia saltado para 1.930, o que representa um aumento de aproximadamente cinco vezes em nove anos.

Esse crescimento nas alternativas de resolução de conflitos resultou em um aumento de 15% nas conciliações na justiça do trabalho. Segundo o CNJ, atualmente, cerca de 20,2% dos casos trabalhistas são resolvidos por meio de acordos, consolidando a justiça do trabalho como uma das que possui um dos maiores índices de conciliação. Segue gráfico do CNJ que ilustra esse dado1:

Para Jorge Messias, advogado-geral da união, a Pacifica tem o potencial de alterar a atual posição da união como um dos maiores litigantes do país, conforme o ranking do CNJ. Ele afirmou que acredita que a ferramenta será crucial para aliviar a carga sobre a administração pública federal e o Judiciário, facilitando também a resolução de conflitos para a população, de forma ágil e simplificada. Também destacou que a nova plataforma servirá como um exemplo de como a tecnologia pode ser uma aliada importante no aprimoramento da gestão de conflitos.

Já a procuradora-geral Federal, Adriana Maia, acredita que a plataforma transformará a atual realidade sobre os acordos extrajudiciais: o número de acordos celebrados é significativamente inferior ao número de ações judiciais propostas. Para Adriana, a Pacifica representa a concretização de um dos projetos mais ambiciosos da AGU. Ela explica que a ferramenta integra tecnologia e racionalização do trabalho, fortalece a advocacia pública como um meio eficaz para solução de conflitos envolvendo o Estado e, principalmente, proporciona uma maneira rápida e sem custos para reconhecer os direitos dos cidadãos de baixa renda.

Embora a Pacifica represente um avanço na promoção da resolução extrajudicial de conflitos, alguns desafios podem impactar em sua aceitação, tais como a necessidade de se garantir a adesão ampla e a confiança dos usuários.

A título exemplificativo, tem-se que a confiança depende da garantia de imparcialidade e transparência nas propostas de acordo. A ausência de mecanismos claros para garantir a imparcialidade dos acordos e a transparência no processo poderá levar, por exemplo, à desconfiança e à resistência da parte dos segurados e dos advogados – nas etapas iniciais de implementação que, como já visto, focará em conflitos de caráter previdenciário.

Outro desafio à implementação da Pacifica consiste na sua integração com  o sistema jurídico existente. A necessidade de alinhamento com as normas jurídicas existentes e de garantir que os acordos extrajudiciais sejam efetivamente executáveis pode criar dificuldades. Caso se verifique, durante a implementação da plataforma, que há algum tipo de lacuna na aplicação das soluções propostas, a ferramenta poderá gerar insegurança jurídica e complicar a sua aceitação pelos cidadãos.

Outro aspecto que merece atenção é a questão da segurança e da proteção de dados. A implementação de uma plataforma digital exige o cumprimento rigoroso de proteção de dados e informações pessoais dos usuários. Falhas nessa proteção podem resultar em vazamentos de informações sensíveis e comprometer de forma generalizada a confiança na plataforma. Portanto, é essencial que a Pacifica adote medidas de segurança robustas e ofereça garantias de proteção de dados para assegurar que a plataforma possa ser utilizada com confiança por todas as partes envolvidas.

Assim, é inegável que a criação e implementação da Pacifica tem o potencial de reduzir significativamente o número de processos judiciais e promover a resolução extrajudicial de conflitos envolvendo a administração pública, oferecendo uma transformação promissora na resolução de disputas da administração federal. No entanto, para que a plataforma atinja seu máximo potencial, é necessário garantir transparência, imparcialidade e segurança na gestão das informações e acordos, além de uma integração eficaz com o sistema jurídico existente e a proteção dos dados dos usuários.

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1 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2024 / Conselho Nacional de Justiça. –Brasília: CNJ, 2024. Figura 142, pag. 255.

Isabella Félix da Fonseca
Advogada do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associados. Mestranda em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Maria Julia B. Castelo Branco
Advogada do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associados.

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