O processamento de licitações e contratos administrativos de agências de publicidade sempre esteve – pela própria natureza do setor e pelas controvérsias que permanentemente circulam a atividade – em um estado de “vácuo normativo” ante a ausência de regulamento legal que atendesse às especificidades desse tipo de contratação.
A lei 8.666/93, lei de licitações e contratos então vigente, não dispunha dos dispositivos normativos necessários para essa regulamentação, e, de igual maneira, engessava a atuação do administrador, que se via amarrado para adotar práticas mais eficientes e coerentes com o setor.
Não obstante, e como resposta a esse “vácuo normativo”, surge em 29/4/2010 a lei 12.232, que estabeleceu – de forma bastante inovadora e com tratamento bastante diferenciado ao tratamento generalista da lei 8.666/93 – o regime legal para o processamento de licitações e contratação de agências de publicidade, trazendo diversas inovações à seara.
Apesar de já contar com 14 anos de existência, muitas das especificidades trazidas pela lei de licitações de publicidade ainda são desconhecidas ou objeto de constante confusão, dentre elas se encontra a possibilidade do que chamamos de “adjudicação múltipla” do objeto da licitação.
Segundo o art. 2°, § 3°, do diploma normativo, é plenamente possível a adjudicação do objeto licitado para mais de uma agência de propaganda, in litteris:
§ 3º Na contratação dos serviços de publicidade, faculta-se a adjudicação do objeto da licitação a mais de uma agência de propaganda, sem a segregação em itens ou contas publicitárias, mediante justificativa no processo de licitação.
Conforme se observa, é plenamente possível que seja contratada mais de uma agência de propaganda para o mesmo objeto que está sendo licitada, de maneira que esta “adjudicação múltipla” não impõe a segregação do objeto em itens e muito menos a segregação da conta publicitária licitada. Ou seja, é uma mesma conta que pode ser executada simultaneamente por variadas agências.
Nesse ponto, faz-se mister dirimir uma confusão que constantemente é feita quando se fala da possibilidade de adjudicação do objeto licitado para mais de uma agência de propaganda, confundindo-se esta faculdade legal com a ideia de “parcelamento do objeto”, que se encontrava prevista na lei 8.666/93 pelo art. 23, §1°, e hoje se encontra prevista na lei 14.133/21 pelo art. 47, inciso II, nos casos de contratação de serviços.
O parcelamento do objeto licitado representa, de maneira bastante simplificada, a divisão do objeto nos chamados itens ou lotes, de maneira que um objeto que inicialmente fora tido como único, é parcelado em várias outras “parcelas de objeto”, os itens e lotes, que possuem “vida autônoma”, podendo ser disputados por empresas diferentes, ter critérios de julgamento distintos, valores distintos, e consequentemente vencedores distintos.
Assim, ao invés de se firmar apenas um contrato para a execução de uma gama variada de serviços com uma única empresa, firmam-se variados contratos com variadas empresas, com vistas a garantir maior eficiência na execução dos serviços, economicidade para a administração e ampliar a competitividade.
Ademais, é importante frisar que – demonstrado o preenchimento dos parâmetros acima – o parcelamento do objeto torna-se um dever do administrador, e não uma mera faculdade.
Já em relação à “adjudicação múltipla” do objeto nas licitações de publicidade, não se observam as características narradas em relação ao parcelamento do objeto, de maneira que não se vislumbra uma divisão do objeto em lotes: a “conta publicitária” licitada continua integralmente individualizada.
Como consequência, não há nesse caso a possibilidade de “disputas” distintas, mas há tão somente uma mesma disputa, com o mesmo critério de julgamento, o mesmo valor contratual, as mesmas características do objeto e os mesmos vencedores. Ou seja, firma-se contrato administrativo com todas as empresas vencedoras, sem distinção de itens e sem divisão da conta.
Ainda, diferentemente do que ocorre com o parcelamento do objeto nas contratações de serviços em geral, não há obrigatoriedade de que as licitações para a contratação de agências de propaganda prevejam a “adjudicação múltipla” do objeto, tratando-se de faculdade total da administração pública.
A conclusão a que se chega, portanto, é que “parcelamento do objeto” e “adjudicação múltipla” do objeto são conceitos absolutamente distintos, pois enquanto o primeiro envolve a divisão do objeto em vários itens ou lotes e a celebração de um contrato para cada um desses lotes, o segundo acaba por vedar essa divisão em itens e lotes e a “conta publicitária” licitada continua integralmente individualizada.
Apesar de se tratar de faculdade da Administração Pública, é importante mencionar que no âmbito do Poder Executivo Federal (especialmente em relação aos integrantes do SICOM - Sistema de Comunicação do Poder Executivo Federal) a instrução normativa 1/23 da secretaria de comunicação social da presidência da República tornou vinculante a necessidade de “adjudicação múltipla” do objeto a depender do valor da conta publicitária licitada.1
Entendemos que a obrigatoriedade de “adjudicação múltipla” no âmbito do Poder Executivo Federal alinha-se perfeitamente ao princípio da eficiência, conquanto é natural que cada uma das agências contratadas – pelo fato de não ser detentora exclusiva da conta licitada – maximizará a qualidade das ações publicitárias que vier a realizar, gerando uma lógica de contratação e seleção que garante a melhoria da publicidade institucional da administração pública.
A possibilidade legal de “adjudicação múltipla” da conta publicitária licitada alinha-se perfeitamente com as especificidades dos serviços prestados pelas agências de publicidade e propagandas contratadas, isto porque – diferentemente do que ocorre com a grande maioria das licitações e contratos administrativos de prestação de serviços – no caso da publicidade não se está a contratar uma ação/campanha publicitária específica, mas os serviços das agências lato sensu, que poderão vir a ser demandas para a execução de campanhas específicas.
O que estamos dizendo é que não se contrata uma agência para a execução de uma campanha publicitária específica, mas contrata-se de modo que esteja à disposição do órgão contratante para a execução das ações e campanhas publicitárias cuja necessidade possa surgir durante a vigência contratual.
Ou seja, é um cenário amplamente diverso do que se observa – via de regra – nas contratações de serviços comuns, ou de obras e serviços de engenharia, como é o caso da contratação de uma empresa de engenharia para a execução da obra de um aeroporto, conquanto, na hipótese, a empresa é contratada de maneira específica e exclusiva para a efetivação do serviço pontual pré-determinado, e não para estar à disposição do órgão em todas as obras do gênero.
Assim, em tendo as contratações de publicidade a dita peculiaridade, a possibilidade de adjudicação do objeto para mais de uma agência se afigura muito mais eficiente e adequada, de maneira que não se vislumbra nenhuma dificuldade de que a agência “X” execute uma campanha em março e a agência “Y” execute uma campanha em julho, desde que observadas as premissas postas pelo órgão.
Adicionalmente, fugiria da lógica e da eficiência a realização de uma licitação para cada campanha que precisasse o órgão realizar, e isto por várias razões, como: a) o órgão teria que deflagrar um sem número de processos licitatórios durante o ano, conquanto variadas as campanhas executadas, aumentando substancialmente o dispêndio do erário; b) ressalvadas as campanhas diretamente ligadas a datas comemorativas e reiteradas, grande parte das campanhas surge com a necessidade de divulgar um novo “programa” ou “política pública” do ente contratante, de maneira que não se faz possível a sua previsão com a antecedência necessária para a deflagração de um processo licitatório integral; c) o próprio mercado de agências de propaganda se viria desestimulado a participar das reiteradas concorrências que fossem lançadas, na medida em que a elaboração de uma Proposta de Licitação de Publicidade é bastante custosa e exige grande dedicação por parte da agência de propaganda.
Ou seja, a “adjudicação múltipla” das contas publicitárias da administração pública é possibilidade legal marcada pelo seu alto grau de vantajosidade e eficiência para o Poder Público. São esses, em apanhado geral, os contornos daquilo que chamamos de “adjudicação múltipla” do objeto prevista pela lei de licitações de publicidade.
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1 Art. 5°, § 1º Para fins de definição do quantitativo de agências de propaganda a contratar para a prestação de serviços de publicidade, deverá ser adotado os seguintes parâmetros, tendo como referência o valor de grande vulto estabelecido pela Lei nº 14.133, de 2021: I - até 9,99% do valor de grande vulto: facultado 1 (uma) ou 2 (duas) agência(s) de propaganda; II - de 10% até 49,99% do valor de grande vulto: 2 (duas) agências de propaganda; III - de 50% até 79,99% do valor de grande vulto: 3 (três) agências de propaganda; e IV - acima de 80% do valor de grande vulto: 4 (quatro) agências de propaganda;
2 BRASIL. Lei N° 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1993 (revogada pela Lei N° 14.133, de 1° de abril de 2021).
3 BRASIL. Lei N° 12.232, de 29 de abril de 2010. Dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2010.
4 BRASIL. Lei N° 14.133, de 1° de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021.
5 SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Instrução Normativa N° 1, de 19 de junho de 2023. Dispõe sobre as licitações e os contratos de serviços de publicidade, promoção, comunicação institucional e comunicação digital, prestados a órgão ou entidade do Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo federal - SICOM. Brasília-DF: Diário Oficial da União, 2023.