A decisão do Supremo Tribunal Federal que deu origem ao Tema 8991, decorrente do julgamento do RE 636.886, relatado pelo Ministro Alexandre de Moraes, estabeleceu um divisor de águas no debate sobre a prescrição no âmbito do Tribunal de Contas da União.
Isso porque, enquanto o TCU mantinha o entendimento de que a pretensão indenizatória seria imprescritível e de que o prazo prescricional para a pretensão punitiva seria de dez anos, o STF fixou a tese de que a prescrição de ambas as pretensões deve observar o prazo de cinco anos, conforme disposto na Lei nº 9.873/1999.
Em vista disso, o TCU, buscando adequar-se à nova orientação, editou a Resolução nº 344, de 11 de outubro de 2022. Tanto no preâmbulo quanto no artigo 1º, a resolução faz menção expressa à consideração das decisões do STF como base para sua elaboração, juntamente com as disposições da Lei nº 9.873/1999, que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta.
Mas ao passo em que a Resolução nº 344/2022 — recentemente alterada pela Resolução nº 367/2024, com mudanças pontuais, porém significativas — tenha reconhecido e buscado regulamentar a aplicação da prescrição ordinária quinquenal no âmbito da Corte de Contas, ela também abre margem a uma série de interpretações que, pelas vias transversas, em efeitos práticos, pode retomar à imprescritibilidade da pretensão ressarcitória do TCU.
Isso ocorre porque, ao divergir em alguns aspectos do que é disciplinado pela Lei nº 9.873/1999, à qual está hierarquicamente subordinada, a Resolução nº 344/2022 permite a adoção imprecisa — e em certos casos, quase genérica — de marcos temporais para o início da contagem do prazo prescricional, que diferem dos previstos na legislação ordinária. Além disso, tanto a Resolução quanto a Lei que lhe serve de fundamento vêm sendo interpretadas pelo TCU de forma a permitir a adoção ilimitada e indiscriminada de marcos interruptivos da prescrição.
Quanto ao termo inicial da prescrição, a Lei nº 9.873/1999 estabelece, no caput do artigo 1º, que o prazo prescricional será contado a partir da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado. A Resolução nº 344/2022, por sua vez, dispõe, entre os incisos do artigo 4º, que a prescrição será contada: i) a partir da data em que as contas deveriam ter sido prestadas, no caso de omissão no dever de prestar contas; ii) a partir da data da prestação das contas ao órgão competente para análise; iii) a partir do recebimento da denúncia ou da representação, pelo TCU ou pelos órgãos de controle interno, quanto às apurações decorrentes de processos dessa natureza; iv) a partir da data em que o TCU, os órgãos de controle interno ou a entidade da Administração Pública onde ocorreu a irregularidade tomaram conhecimento da irregularidade ou do dano; ou v) a partir do dia em que cessou a irregularidade de caráter permanente ou continuado.
Embora se reconheça que a Resolução nº 344/2022 acerta ao tentar estabelecer o início do prazo prescricional para diferentes situações, promovendo, ao menos em teoria, maior clareza e previsibilidade, observa-se que, em muitos casos, o Tribunal de Contas da União não adota uma interpretação concreta adequada e individualizada em relação aos seus jurisdicionados.
Em determinadas situações, por exemplo, a Corte de Contas considera como termo inicial da prescrição a data em que as contas finais deveriam ter sido apresentadas, fundamento tratar-se de hipótese de omissão. Mas isso ocorre, inclusive, em relação a gestores que foram sucedidos durante a execução de determinado convênio e que, por essa razão, não estavam obrigados a prestar as contas finais ou não dispunham dos meios necessários para fazê-lo.
Já em relação às causas interruptivas da prescrição, verifica-se que o inciso II do artigo 2º da Lei nº 9.873/1999, reproduzido no inciso II do artigo 5º da Resolução nº 344/2022, estabelece que a prescrição pode ser interrompida por qualquer ato inequívoco que importe na apuração do fato.
No entanto, por não estabelecer expressamente um limite de vezes, essa disposição vem sendo interpretada como aplicável independentemente da quantidade de atos praticados: cada ato geraria uma nova interrupção.
Mas isso é um problema, inclusive já abordado pelo STF.
Exemplo pode ser visto no MS 38.790/DF. Naquele processo, ao apreciar a questão da prescrição em um processo jurisdicionado pelo TCU, o Ministro Gilmar Mendes rechaçou a possibilidade de que o prazo prescricional, dentro da Corte de Contas, possa ser interrompido por um número indeterminado de vezes e que comungar de entendimento contrário seria reestabelecer a imprescritibilidade outrora refutada. Diz na decisão:
Isso porque prevalece o entendimento de que o prazo prescricional pode ser interrompido por uma quantidade indefinida de vezes, bastando que para isso se esteja diante, por exemplo, de qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato (art. 2º, II).
Ora, conforme afirmado por esta Corte, a prescritibilidade é a regra no direito brasileiro. Admitir-se que o prazo prescricional possa ser interrompido por um número indeterminado de vezes, bastando que para isso se verifique a ocorrência de uma das causas previstas no art. 2º da Lei 9.873/1999, seria o mesmo que, na prática, chancelar a tese da imprescritibilidade das apurações levadas a efeito pelo TCU, o que, como já observado, não encontra ressonância no ordenamento jurídico brasileiro.
Não se pode aceitar que, em decorrência de inúmeras interrupções do lapso prescricional, um determinado processo tramite “indefinidamente” representando verdadeira “Espada de Dâmocles” sobre as cabeças dos cidadãos e empresas submetidos a processos de tomadas de contas (grifos nossos).
Na decisão, ao utilizar um recurso didático para demonstrar como a adoção de múltiplos marcos interruptivos compromete o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, o Ministro recorre à expressão "Espada de Dâmocles", em referência a um antigo conto grego.
Conta-se que Dâmocles, um cortesão que admirava e invejava o poder e a riqueza do tirano Dionísio, acreditava que a vida de um governante era repleta de prazeres e isenta de dificuldades.
Para mostrar a Dâmocles a verdadeira realidade do poder, Dionísio ofereceu-lhe a chance de trocar de lugar por um dia. Durante um banquete luxuoso, Dâmocles experimentou o que parecia ser uma vida ideal, até perceber que uma espada afiada estava suspensa sobre sua cabeça, presa apenas por um fio de crina de cavalo.
Ao empregar essa metáfora, o Ministro ilustra que, assim como Dâmocles não podia viver sob a ameaça constante da espada que pendia, o jurisdicionado do TCU, seja pessoa física ou jurídica, não pode permanecer indefinidamente em uma situação de instabilidade de relações jurídica, indefinidamente perpetuável por diversas causas interruptivas da prescrição.
Apesar disso, o Tribunal de Contas da União mantém o entendimento de que a prescrição das pretensões punitiva e ressarcitória pode ser interrompida mais de uma vez, e que a Lei nº 9.873/1999 ampara a incidência de múltiplas causas interruptivas. É o que se depreende dos recentes Acórdãos 1364/2024-Plenário, relatado pelo Ministro Jorge Oliveira, e pelo Acórdão 56/2024-Plenário, relatado pelo Ministro Benjamin Zymler.
Isso significa que, se antes o problema residia no reconhecimento de que as pretensões punitiva e ressarcitória do TCU deveriam ser exercidas no prazo de cinco anos, superada essa questão, o desafio atual está na definição do termo inicial da prescrição e na forma como as causas interruptivas são consideradas pela Corte de Contas e pelos órgãos do Poder Judiciário.
Primeiramente, fala-se na importância da definição do termo inicial da prescrição, que ainda é um assunto de dissidência entre as turmas do STF.
No MS 38.757 AgR, o Ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo na Primeira Turma, entendeu que o prazo prescricional, no caso específico em que se discutia a responsabilidade do impetrante pela assinatura de um contrato superfaturado, deveria ser contado a partir da celebração da avença.
O contrato havia sido firmado em outubro de 2000, e o TCU iniciou a fiscalização apenas em 2008, quando já estava esgotado o prazo quinquenal.
Divergindo em parte, o Ministro Luiz Fux sustentou que a prescrição deveria ser contada a partir de cada pagamento realizado com sobrepreço, incidindo sobre cada parcela individualmente, uma vez que, segundo ele, a cada pagamento ocorria a prática de um novo ato ilegal.
Por outro lado, em casos como os dos MS 38.627 AgR, relatado pelo Ministro André Mendonça; MS 37.941 AgR, relatado pelo Ministro Edson Fachin; MS 36.800 AgR, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski; MS 39.095 ED-AgR, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, a Segunda Turma do STF entendeu que o termo inicial da prescrição deveria coincidir com o momento em que a Corte de Contas tomava ciência dos fatos. Em comum, apesar de relatados por ministros diferentes, os acórdãos tiveram como redator o Ministro Gilmar Mendes.
Com efeito, a exemplo do que se observa do MS 38.400/DF, de 2023, o Ministro Gilmar Mendes entendia que o termo inicial da prescrição deveria ser contado a partir da chegada do processo ao TCU, já no exercício do controle externo, desconsiderando os eventos ocorridos durante a fase interna de uma tomada de contas especial.
No entanto, uma tomada de contas especial é um procedimento sui generis e tem peculiaridades que não permitem, em regra, a desassociação de eventos havidos antes da entrada dos autos no TCU, o que ratifica a necessidade de que cada processo seja avaliado individualmente e que tenha suas peculiaridades consideradas.
Como previsto no artigo 8º da Lei nº 8.443/19922- Lei Orgânica do TCU, uma tomada de contas especial – TCE –, é um processo administrativo cujo objetivo principal é apurar a responsabilidade daqueles que, de alguma forma, participaram da administração de recursos públicos federais e os malversaram, ocasionando possível prejuízo ao erário, seja por irregularidades ou pela omissão na devida prestação de contas.
Esse processo, comumente, é dividido em duas fases: a fase interna, que ocorre no âmbito do próprio órgão responsável pelos recursos, tem caráter preparatório e ocorre antes da chegada dos autos na Corte de Contas; e a fase externa, conduzida pelo Tribunal de Contas, onde as informações colhidas durante a fase interna são analisadas, as responsabilidades são determinadas e, se cabíveis, tanto as sanções são aplicadas quanto o ressarcimento de eventual prejuízo é imputado.
Ao término da fase interna do processo, a comissão processante elabora um relatório e o submete ao órgão de controle interno para manifestação. Após essa análise, o relatório é encaminhado à autoridade competente, que, por sua vez, o remeterá ao Tribunal de Contas para apreciação.
São fases distintas, mas de um mesmo processo.
Por outro lado, com base no artigo 47 da Lei nº 8.443/1992, uma TCE pode surgir também da conversão de processos de fiscalização – dos quais os processos de denúncia e representação fazem parte – iniciados no âmbito do próprio TCU. Se, por exemplo, o TCU, no exercício de seu poder fiscalizatório, constatar a ocorrência de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade que resulte em dano ao Erário, poderá, além de aplicar multa, determinar a conversão do processo em tomada de contas especial, aplicando outras sanções cabíveis.
O que se verifica, no entanto, inclusive a partir da jurisprudência do próprio TCU4, é que uma tomada de contas especial é medida de exceção, que somente toma lugar quando esgotados as medidas administrativas antecedentes.
Seja uma tomada de contas comum, seja uma decorrente da conversão de um processo de fiscalização, os atos havidos antes do desenvolvimento de uma TCE perante a Corte de Contas precisam ser considerados quando o assunto é prescrição, e o próprio TCU reconhece isso.
Após a alteração promovida pela Resolução nº 367/2024, o artigo 10 da Resolução n° 344/2022 passou a dispor, expressamente, que a ocorrência da prescrição deve ser aferida em qualquer fase do processo. Mais antiga – e ainda vigente – já era a orientação jurisprudencial da Corte de Contas, como se observa do Acórdão 2220/2023-2ª Câmara, relatado pelo Ministro Marcos Bemquerer, no sentido de que a prescrição, seja ordinária ou intercorrente, deveria ser examinada nas fases interna e externa dos processos de contas especial. E essa mesma lógica, de acordo com o §1º do artigo 6º da Resolução nº 344/2022, se aplica à utilização dos marcos interruptivos de prescrição.
Mas antes disso, na ADI 5509/CE, o Ministro Edson Fachin, ainda discorrendo sobre a dificuldade de estabelecer um termo inicial para a contagem do prazo prescricional, já abordou a especificidade da divisão em fases processualística do TCU. Disse no voto:
Com efeito, o reconhecimento de que a mora ou a inércia para a conclusão do julgamento do ato de aposentação nem sempre pode ser imputada à Corte de Contas, deriva, precisamente, da especial natureza com que tramitam seus processos, sejam ou não, complexos os atos submetidos à sua jurisdição. Vale dizer, porque o processo de controle de contas é instaurado, como regra, entre o gestor público e o Tribunal, as características típicas de um processo judicial, inclusive quanto à extensão do contraditório, não são a ele aplicáveis. A própria individualização do ato, como decorre do art. 9º da Lei 8.443, de 1992, é feita em procedimento administrativo prévio, a ser instaurado pela autoridade administrativa competente e, somente nos casos em que se der seu descumprimento, é que a instauração de tomada de contas especial é feita.
Por isso, não se afigura razoável que o termo inicial para a fluência do lapso temporal dependa de providência que não esteja sob responsabilidade ou atribuição própria da Corte de Contas, sob pena de se premiar não apenas a conduta do gestor causador do dano, mas também a da autoridade supervisora desidiosa. É preciso, porém, diferenciar as situações em que a demora para a chegada da notificação é gerada: a omissão na prestação de contas por quem é obrigado a prestá-las, a desídia injustificável para o envio do procedimento preliminar ao controle interno e, finalmente, os casos em que as informações sobre o dano ou irregularidade são levadas diretamente ao Tribunal de Contas, como no caso de denúncias ou representações, ou nas auditorias e inspeções
Do precedente, verifica-se que antes mesmo da edição da Resolução nº 344/2022 por parte do TCU, o STF já discutia a forma mais adequada para o início do computo do prazo e como seria necessária uma avaliação individualizada de cada caso quando do exercício do controle de legalidade do ato administrativo.
Mas a discussão parece caminhar para ganhar contornos mais claros e objetivos.
Se antes o Ministro Gilmar Mendes seguia firme no sentido de que a prescrição deveria ser contada a partir da chegada da TCE no TCU, hoje, como consignado na recente decisão que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência na Rcl 70.042 TPI/DF, o Ministro reconhece que essa questão do termo inicial, assim como a possibilidade de incidência de marcos interruptivos durante a fase interna de uma tomada de contas especial, representa uma das muitas variáveis que precisam ainda ser pacificadas pelo STF.
Diante desse contexto, novas reflexões sobre o tema têm emergido no Supremo Tribunal Federal.
Em uma recente decisão, o Ministro Flávio Dino, relator do MS 39.834, deferiu pedido liminar para suspender os efeitos de uma decisão condenatória do TCU, com base na possível ocorrência de prescrição em uma tomada de contas especial.
O que destaca essa decisão é que, além de ratificar o entendimento quando ao prazo quinquenal, o Ministro teceu valioso arrazoado sobre as fases de uma prestação de contas junto ao TCU; sobre como o termo inicial da prescrição deve levar em consideração aspectos individuais e relacionados à responsabilidade atribuída; e sobre como a interrupção da prescrição por ato inequívoco de apuração de um fato só acontece quando o interessado tem conhecimento formal de que uma conduta específica está sendo a ele imputada.
Naquele caso específico, no que diz respeito ao início do prazo prescricional, o TCU, com base no disposto no inciso I do artigo 4º da Resolução nº 344/2022, considerou que o prazo deveria ser contado a partir da omissão no dever de prestar as contas finais do convênio.
No entanto, o convênio se estendeu além da gestão do impetrante, prorrogando, consequentemente, o prazo final para a prestação das contas para o mandato do sucessor.
Diante disso, divergindo do entendimento adotado pelo TCU, o Ministro concluiu que não seria possível fixar o termo inicial da prescrição na data da prestação final das contas em relação ao impetrante, mas sim na omissão do dever de prestar as contas parciais, que deveriam ter sido apresentadas durante a sua gestão e permaneceram pendentes até o término do mandato.
Como pontuado pelo Ministro, após o término do mandato do impetrante, caberia aos agentes públicos em efetivo exercício de função pública ou mandato naquela oportunidade prestar as contas finais do convênio.
Essa ponderação está em conformidade com as alterações trazidas pela Lei 13.655/2018 à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB –, que passou a determinar, de forma expressa, que, independentemente da esfera judicante, as decisões proferidas não podem ser baseadas em valores jurídicos abstratos, impondo a necessidade de considerar as peculiaridades do contexto vivenciado pelo gestor.
Essa questão tem pertinência direta com a necessidade de que, em um processo de contas, as condutas sejam devidamente individualizadas, e os marcos interruptivos reflitam medidas inequívocas de apuração de atos específicos, imputados à pessoa investigada.
No âmbito do TCU, a responsabilização é de natureza subjetiva, o que impõe a consideração de fatores particulares e a vinculação de condutas diretamente àqueles que efetivamente as praticaram4.
Mas mais antigo que as alterações legislativas realizadas na LINDB – que determina análise das peculiaridades de cada caso concreto – é o entendimento do próprio Tribunal de Contas da União no sentido de que deve haver a individualização das condutas de todos os envolvidos e o estabelecimento do nexo causal entre elas e o suposto prejuízo.
É o que diz o Acórdão 247/2002-Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, que, mesmo passados mais de 20 (vinte) anos, segue sendo lastro fundamental no que diz respeito à necessária individualização da responsabilidade do gestor público. Diz:
5. Examino, então, a alegada contradição levantada pelo ora embargante. A responsabilidade do administrador público é individual. O gestor da coisa pública tem um campo delimitado por lei para agir. Dentro deste limite, sua ação ou omissão deve ser examinada para fins de individualização de sua conduta.
6. A simples existência de um fato apontado como irregular não é suficiente para punir o gestor. Impõe-se examinar os autores do fato, a conduta do agente, o nexo de causalidade entre a conduta e a irregularidade e a culpabilidade. Assim, verificada a existência da prática de um ato ilegal, deve o órgão fiscalizador identificar os autores da conduta, indicando sua responsabilidade individual e a culpa de cada um.
7. Dessa forma, constatada a existência de ato administrativo eivado de vício, pode ocorrer que nem todos os responsáveis sejam punidos, pois para que a sanção ocorra é necessário o exame individual da conduta e a culpabilidade dos agentes, que pode estar presente em relação a um e ausente em relação a outros. Pode incidir, ainda, alguma causa de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpabilidade do agente.
8. Assim, não é impossível a situação em que, pelo mesmo fato, um servidor seja punido e outro não. Resta examinar se, no caso concreto, houve contradição na individualização da responsabilidade dos agentes envolvidos nas irregularidades acima descritas.
9. Nesse sentido, cumpre verificar que os motivos que ensejaram o afastamento da responsabilidade do Sr. Luiz Rocha Vianna Neto são específicos em relação ao agente, não cabendo estender-lhes aos demais envolvidos. Deixou assente o Voto que fundamentou a decisão ora embargada que não havia elementos nos autos que pudessem justificar a inclusão do gestor supra na relação de responsáveis pela subcontratação considerada indevida. Foi afastada, portanto, a culpa do agente pela ocorrência do fato. (grifos acrescidos)
Ora, em uma tomada de contas especial é comum que mais de uma pessoa figure como parte responsável. Em um processo que discute a execução de um contrato de engenharia celebrado por um determinado município, por exemplo, podem ser responsabilizados o prefeito signatário, o secretário de obras, a empresa contratada, os fiscais do contrato, ordenadores de despesas, enfim, toda a cadeia sequencial de pessoas físicas ou jurídicas que, de alguma forma, possam ter tido ingerência em um possível prejuízo ao erário.
Diante de uma pluralidade de agentes, com condutas distintas, é necessário que a análise da prescrição, seja em relação ao termo inicial ou às causas interruptivas, leve em consideração um evento especificamente atribuível à pessoa que vem sendo responsabilizada.
E em se tratando da validade de causas interruptivas de prescrição, esse entendimento quanto a necessária correlação entre ato e agente já é bastante discutido no Supremo Tribunal Federal.
A Primeira Turma entende que o inciso II do artigo 4º da Lei nº 9.873/1999 autoriza que a prescrição seja interrompida sempre que houver um ato inequívoco de apuração do fato, como exemplificado no MS 37913 AgR.
Já a Segunda Turma parte da premissa de que a prescrição só pode ser interrompida uma única vez, o que acontece quando o interessado toma ciência das imputações que lhe são atribuídas através da citação, notificação ou do chamamento em audiência pelo TCU.
Embora haja divergências quanto à possibilidade de múltiplas interrupções do prazo prescricional, ambas as Turmas do STF concordam que não é qualquer evento de apuração que pode interromper a prescrição no âmbito do TCU. Para que a prescrição seja interrompida, é imprescindível que o ato constitua uma medida inequívoca de apuração de uma conduta individualmente descrita e imputada ao responsável, e que, futuramente, venha a justificar a sua responsabilização perante o TCU.
Embora pareça estar caminhando para curvar-se a esse entendimento5, ainda vige no TCU a interpretação de que o inciso II do artigo 2º da Lei nº 9.873/99 autoriza que a prescrição seja interrompida por uma quantidade indefinida de vezes e por atos não necessariamente correlacionados à conduta do agente que vem sendo investigado. Exemplo dado está no Acórdão 3336/2024-2ª Câmara, que diz:
Ato inequívoco de apuração dos fatos (art. 5º, inciso II, da Resolução TCU 344/2022) constitui causa objetiva de interrupção do prazo prescricional, que atinge todos os possíveis responsáveis indistintamente, pois possui natureza geral, de sorte a possibilitar a identificação dos responsáveis. Contudo, a oitiva, a notificação, a citação ou a audiência (art. 5º, inciso I, do mencionado normativo) constituem causas de interrupção de natureza pessoal, com efeitos somente em relação ao responsável destinatário da comunicação do TCU.
Acórdão 3336/2024-Segunda Câmara | Relator: AUGUSTO NARDES
Nesse sentido, convém trazer excerto do MS 36461 AgR, relatado pelo Ministro Cristiano Zanin, de onde se extrai a interpretação comum às turmas de que nem toda movimentação processual pode ser considerada como marco interruptivo válido de prescrição.
Para que ostente tal condição, é imperioso que ato praticado, nas palavras do próprio Ministro Zanin, “traduza uma medida inequívoca de apuração de condutas individualmente descritas, imputadas à pessoa investigada e que, posteriormente, tenham coincidido com o objeto de procedimento instaurado no âmbito do Tribunal de Contas União”.
E, no voto, de forma bastante didática, ele diz:
A União sustenta a inocorrência de prescrição, em virtude da incidência de supostos marcos interruptivos, sobretudo dois marcos específicos produzidos em 2011. Contudo, nenhum deles foi considerado, na decisão recorrida, como legítimo termo de interrupção da prescrição, pois ambos não representaram inequívoca apuração de condutas em face do impetrante. E contra esse fundamento a recorrente não apresenta argumentos capazes de infirmar a decisão.
De acordo com os dispositivos legais mencionados, observa-se que as pretensões sancionatória e reparatória do Tribunal de Contas da União em relação aos atos praticados prescreveram, de fato, 5 (cinco) anos após 5/8/2007, quando findou a vigência do convênio 46/2007. Não há qualquer marco apto a interromper a prescrição antes da consumação do aludido prazo.
Isso porque consta do processo que tanto a autuação da Tomada de Contas Especial – TCE no Tribunal de Contas da União (23/2/2015) quanto a citação/comunicação do impetrante (outubro de 2015) ocorreram depois de superado o prazo fatal.
Quanto à ocorrência de atos inequívocos que importem apuração dos fatos (art. 2º, II, da Lei 9.873/1999), destaco que, conforme tem entendido esta Suprema Corte (MS 36.990-AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 1/6/2023), somente é possível reconhecer tais eventos como marcos interruptivos prescricionais quando eles traduzirem medidas inequívocas de apuração de condutas individualmente descritas, imputadas à pessoa investigada, e que, posteriormente, tornaram-se objeto da tomada de contas especial.
Partindo, pois, dessa premissa, não foi possível verificar que os marcos anteriores à instalação da Tomada de Contas Especial no âmbito do TCU contaram com a efetiva participação do responsável, tampouco continham imputações individualmente descritas e, mais do que isso, coincidentes com o objeto da já mencionada TCE.
A mera instauração de procedimento interno de auditoria no âmbito do Ministério do Turismo em 20/4/2011 não interrompeu o curso do prazo prescricional. Diga-se o mesmo em relação à notificação enviada ao impetrante por meio do Ofício 221/2011/DGE/SE/MTur em 13/9/2011, uma vez que ambos os atos não trouxeram nada de concreto e tangível em relação ao recorrido. A mencionada notificação não fez alusão expressa e direta a nenhum ato ou fato concreto envolvendo especificamente o recorrido. Em verdade, apenas estabeleceu o prazo de 15 (quinze) dias para a “[...] apresentação da documentação complementar do referido convênio. [...]”. (pág. 76 do documento eletrônico 5). Por oportuno, cumpre lembrar que, apesar do envio do Ofício ter ocorrido em 2011, a Tomada de Contas Especial só veio a ser efetivamente instaurada no âmbito do TCU em 2015, momento em que o prazo prescricional já havia se escoado.
Ainda que se considerasse a instauração da tomada de contas especial pelo Ministério do Turismo (ou a notificação subsequente, ainda nessa fase interna) como marco interruptivo da prescrição, a despeito de não traduzir medida inequívoca de apuração, como determina a lei, a decisão permaneceria hígida, pois a prolação do acórdão condenatório sobreveio apenas em 2017 e, portanto, após o transcurso de cinco anos.
Isso porque, na linha de recentes precedentes deste Supremo Tribunal Federal, o prazo prescricional não poderia ser interrompido por um número indeterminado de vezes:
“AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PRETENSÃO PUNITIVA E RESSARCITÓRIA. PRESCRIÇÃO. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA PREVISIBILIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA. MARCOS INTERRUPTIVOS. INCIDÊNCIA DO “PRINCÍPIO DA UNICIDADE DA INTERRUPÇÃO PRESCRICIONAL” (ART. 202, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL). SEGURANÇA CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória do TCU é quinquenal, porquanto regulada pela Lei nº 9.873/1999 (MS nº 32.201, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 7.8.2017). 2. O termo inicial do prazo prescricional deve coincidir com o momento em que a Corte de Contas tem ciência dos fatos (ADI nº 5.509 e RE-RG nº 636.553, Tema 445 da repercussão geral). 3. Admitir-se que o prazo prescricional possa ser interrompido por um número indeterminado de vezes, bastando que para isso se verifique a ocorrência de uma das causas previstas no art. 2º da Lei nº 9.873/1999, seria o mesmo que, na prática, chancelar a tese da imprescritibilidade das apurações levadas a efeito pelo TCU, o que não encontra ressonância no ordenamento jurídico brasileiro. Necessidade de preservação da previsibilidade e da segurança jurídica nas relações existentes entre a Corte de Contas e as pessoas e entidades sujeitas a seu controle. Incidência do “Princípio da unicidade da interrupção prescricional” (art. 202, caput, do Código Civil). 4. Os marcos interruptivos devem traduzir medidas inequívocas de apuração de condutas individualmente descritas e imputadas à pessoa investigada (MS nº 37.664, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; e MS nº 38.250, Rel. Min. Nunes Marques). 5. No caso, a citação para o processo de tomada de contas especial constituiu a primeira medida inequívoca de apuração da conduta individualmente descrita, imputada à pessoa do impetrante, de modo que deve ser considerada a única causa interruptiva do prazo prescricional. Prescrição da pretensão ressarcitória e punitiva do TCU caracterizada. Segurança concedida. 6. Agravo regimental provido” (MS 37941 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Relator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 1/6/2023).
No mesmo sentido: MS 38627 AgR, Rel. Min. André Mendonça, Relator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 28/4/2023. (destacamos)
Essa mesma conclusão partiu do Ministro Ricardo Lewandowski quando da relatoria do MS 37.664, em que, calcado na necessária individualização das condutas, pontuou que “somente é possível reconhecer-se tais eventos como marcos interruptivos prescricionais quando eles traduzirem medidas inequívocas de apuração de condutas individualmente descritas, imputadas à pessoa investigada, e que, posteriormente, tornam-se objeto da tomada de contas especial”.
Ainda que a passos lentos, essa necessária correlação de condutas e agentes passa a ser timidamente reconhecida na regulamentação do próprio TCU, especialmente com a edição da Resolução nº 367/2024, que acrescentou o §5º ao artigo 5º da Resolução nº 344/20226, para estabelecer expressamente que a interrupção da prescrição pela notificação de um corresponsável não produz efeitos sobre a prescrição em relação aos demais envolvidos.
Mas não é só isso. Consoante se depreende do outrora citado MS 39.834, relatado pelo Ministro Flávio Dino, para que a prescrição seja efetivamente interrompida, é necessário que a investigação tenha como foco específico a verificação de ilegalidades relacionadas à parte interessada, e que esta seja informada sobre tais acontecimentos de forma oportuna. Ele cita, dentre outros, o caso do MS 37.751 e do MS 38.288.
Ou seja, a validade de interrupção da prescrição, que é individual, pressupõe que o responsável tome conhecimento de uma conduta individualmente descrita que lhe esteja sendo atribuída, o que, em efeitos práticos, ao menos durante a fase externa de uma TCE, ocorre no momento da notificação, citação ou chamamento em audiência.
A mera existência de atos investigativos por parte da Administração não é suficiente para interromper o prazo prescricional. É indispensável que o investigado tenha ciência da investigação e das condutas específicas que lhe estão sendo imputadas.
Com base nessa interpretação, e partindo da premissa de que um processo no TCU é, em regra, dividido em duas fases, é possível afirmar que, havendo notificação durante a fase interna de uma TCE — medida que não é obrigatória, visto que, conforme entendimento do TCU e do próprio STF, a garantia do contraditório só é exigida na fase externa da TCE —, seja em um processo de prestação de contas, seja em uma fiscalização iniciada no âmbito do TCU, considera-se como causa interruptiva válida da prescrição a notificação que contenha a descrição individualizada da conduta e que coincida com aquela que, eventualmente, venha a ser objeto de uma tomada de contas especial, se for o caso.
O que acontece, em muitos casos, é de a apuração havida durante a fase externa ser diferente daquilo que estava sendo apurado durante a fase interna da TCE. Nesses casos, em se tratando de condutas distintas, a exemplo do que foi decidido no já citado Acórdão 4203/2024-Segunda Câmara, a interrupção da prescrição havida durante a fase interna não aproveita ao fato novo supervenientemente identificado.
Embora as turmas do STF convirjam nesse entendimento – o de que a prescrição não se interrompe de forma indistinta, por qualquer ato praticado –, subsiste, como ventilado anteriormente, grande divergência quanto a quantidade de vezes que a prescrição pode ocorrer.
No recente MS 39.847 ED, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, prevaleceu o entendimento de que atos anteriores à citação em uma tomada de contas especial, voltados à apuração dos fatos, são aptos a interromper o prazo prescricional, sendo possível que essa interrupção ocorra mais de uma vez.
Por outro lado, mais fortemente junto a Segunda Turma do STF, a exemplo do MS 37.173, relatado pelo Ministro Nunes Marques, fala-se na existência princípio da unicidade da interrupção da prescrição, que entende, justamente, que a prescrição somente pode ser interrompida uma única vez, com a citação regular, já durante a fase externa da TCE.
E, de fato, a prescrição é regra no ordenamento jurídico pátrio, e já era a regra quando da edição do artigo 2º da Lei nº 9.873/1999.
Acontece que os incisos do referido artigo, mormente o II, vêm sendo aplicados para fundamentar a possibilidade de a prescrição administrativa ser interrompida por uma quantidade infinita de vezes. Cada ato geraria uma nova interrupção.
Isso, como apontado nos precedentes nesse sentido, gera insegurança jurídica e colabora com a morosidade das apurações de responsabilidade na esfera administrativa.
Muito embora a Lei nº 9.873/1999 seja omissa nesse ponto, outros diplomas legais, que versam sobre questões análogas, trazem previsão expressa de que a prescrição somente é interrompida uma vez.
A ausência de previsão legal específica exige uma interpretação sistemática e por analogia.
É o caso, por exemplo, do Decreto 20.910/1932, que regula a prescrição quinquenal de dívidas passivas dos entes da Fazenda Pública. O artigo 8º do referido Decreto diz, expressamente, que a prescrição somente pode ser interrompida uma vez.
Também é o caso do Decreto 4.597/1942, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública, e traz, no artigo 3º, que a prescrição somente pode ser interrompida uma vez.
O Código Civil também diz isso no já citado artigo 202.
Exsurge daí a importância de que as normas que compõem o ordenamento jurídico pátrio sejam interpretadas como partes integrantes de um complexo unitário harmônico.
Se a Constituição Federal considera a prescritibilidade como regra e existem outros diplomas trazendo a unicidade da interrupção da prescrição, a manutenção do entendimento de que cada inciso do artigo 2º da Lei nº 9873/1999 tem aplicação independente, indiscriminada e acumulativa, representa uma afronta.
Convém, ainda, trazer uma análise semântica do teor da Lei nº 9.873/1999 como um todo.
Todos os verbos que integram o artigo 2º da Lei estão no singular. No inciso II, por exemplo, fala-se que haverá a interrupção da prescrição por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato. Não se fala em “quaisquer atos inequívocos”.
Adiante, ainda na mesma lei, sobressai o artigo 4º7 que, em menção direta ao artigo 2º, fala em hipóteses de interrupção, no singular.
Semanticamente, portanto, sobressai a intenção do legislador que, certamente, não era a de viabilizar a persecução ad eternum de um processo administrativo.
Mas, se de um lado, o recrudescimento das hipóteses interruptivas de prescrição gera insegurança jurídica, a sua banalização também.
Conforme destacado no Acórdão 2285/2022-Plenário, que, entre outras questões, reflete o estudo realizado pelo Grupo de Trabalho que deu origem à Resolução TCU nº 344/2022, o reconhecimento da prescrição, dependendo do termo inicial adotado e da quantidade de interrupções permitidas, teria um impacto significativo nas atividades do Tribunal de Contas da União.
Consta no voto do Relator, Ministro Antônio Anastasia a seguinte ponderação:
Como se vê, a adoção da tese da Lei 9.873/1999, com prazo de cinco anos a contar da data de vencimento do prazo para prestar contas acarretaria a prescrição de 11,3% dos danos em apuração, ao passo que a tese do art. 205 do Código Civil, de 10 anos a contar da data do fato, provocaria a prescrição imediata de 18,1% dos danos em apuração, e a tese da Lei 9.873/1999, com prazo de cinco anos a contar da data do fato implicaria a prescrição imediata de 50% dos danos em apuração.
Da amostragem, a depender da interpretação dada, metade dos danos em apuração poderiam vir a ser afetados pela prescrição. E quando se fala em dano, fala-se em um possível prejuízo ao erário.
Ou seja, uma aceitação irrestrita e sem embasamento da prescrição, implicaria, necessariamente, em vultoso prejuízo aos cofres públicos, gerando, da mesma forma, insegurança jurídica.
Diante disso, uma solução ponderada parece partir do próprio TCU.
O §1º do artigo 5º da Resolução nº 344/2022, afirma que “a prescrição pode ser interrompida mais de uma vez por causas distintas ou por uma mesma causa desde que, por sua natureza, essa causa seja repetível no curso do processo”8.
Embora traga a possibilidade de interrupção da prescrição por mais de uma vez, uma nova interrupção fica condicionada a ocorrência de uma causa interruptiva de natureza diversa da anteriormente praticada.
Aqui, mais uma vez, remete-se a considerações feitas pelo Grupo de Trabalho no Acórdão 2285/2022-Plenário-TCU, cujos estudos embasaram a edição da Resolução nº 344/2022:
Justificativa: As hipóteses do art. 2º da Lei 9.873/1999, nas quais se espelharam os incisos do art. 5º da minuta em apreço, constituem causas sucessivas e não repetíveis de interrupção do prazo prescricional. Na lição de Marcelo Madureira Prates9:
(...) no que toca aos atos que interrompem a prescrição administrativa, acreditamos que os atos interruptivos previstos no art. 2º [incisos I a III] da Lei nº 9.873/99 constituem sucessão cronológica de atos não-repetíveis nem substituíveis, o que implica que cada ato aí previsto somente possa ocorrer uma única vez e em momento determinado, já que, praticado o ato posterior, extingue-se a possibilidade de praticar o ato logicamente anterior. Essa visão coaduna-se com aquela e, mais ainda, dela decorre, de que o processo administrativo punitivo há de ser visto como uma sucessão cronológica de quatro fases fundamentais, quais sejam:
(1) investigativa, destinada à apuração dos fatos suspeitos, é dizer, à coleta de elementos indiciários sobre a materialidade do fato e a autoria;
(2) contraditória, a qual se inicia com a citação do suposto infrator, visando a lhe garantir contraditório e ampla defesa;
(3) decisória, referente à decisão inicial recorrível; e
(4) recursal, em que há a decisão final no plano administrativo.
O § 4º do art. 5º da minuta, todavia, implica a possibilidade de múltiplas causas interruptivas de mesma natureza, o que se apresenta juridicamente inviável, sob pena de permitir, no limite, ilimitadas extensões do prazo prescricional, contrariando o princípio da razoabilidade e a própria natureza de garantia jusfundamental ostentada pelo instituto prescricional.
Em suma, vê-se que antes mesmo da edição do referido normativo, já havia, dentro do próprio TCU, o entendimento de que as causas de interrupção da prescrição na Lei nº 9.873/1999 devem ser interpretadas como eventos únicos e sucessivos dentro do processo administrativo, não podendo ser repetidos indefinidamente, o que levaria a uma extensão desproporcional do prazo prescricional.
Nesse ponto, o Ministério Público de Contas já vem tecendo ressalvas com base nessa mesma linha argumentativa.
Cita-se, por exemplo, parecer do Procurador Rodrigo Medeiros de Lima, que consta no relatório do Acórdão 766/2024-2ª Câmara, em que diz:
Em face dos elementos constantes dos autos, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União manifesta-se de acordo com o encaminhamento oferecido pela unidade técnica, em pareceres uniformes (omissis), sem prejuízo de registrar ressalva, no tocante ao exame da prescrição, quanto à consideração de mais de uma causa interruptiva de mesma natureza (§ 1º do art. 5º da Resolução TCU 344/2022), o que não se vislumbra proporcional, haja vista a possibilidade, no limite, de infindáveis extensões do prazo prescricional, algo incompatível com o princípio da razoabilidade (grifos acrescidos).
E comungando do mesmo entendimento, tem-se o rico e didático parecer do Subprocurador-Geral Lucas Rocha Furtado, no TC 031.438/2020-2 em que, debruçando-se sobre questão análoga, tece irretorquível arrazoado sobre a imprestabilidade interruptiva de atos de mesma natureza. Diz:
Ressalte-se que uma vez interrompida a prescrição novo prazo começa a correr a partir do ato interruptivo (cf. art. 5º, § 2º, da Resolução-TCU nº 344/2022). Todavia, para que ocorra nova interrupção da prescrição (omissis), outra causa interruptiva da prescrição, de natureza diversa da apuração do fato, deve necessariamente ocorrer, de modo a amoldar-se em algum dos outros incisos do art. 5º (incisos I, III ou IV).
Assim, uma vez que a prescrição foi interrompida e o prazo de cinco anos voltou a correr, após o início da apuração dos fatos (omissis), uma nova interrupção somente ocorreria quando se observassem um dos seguintes atos, previsto no art. 5º da Resolução-TCU nº 344/2022: notificação, oitiva, citação ou audiência do responsável, inclusive por edital (inciso I); tentativa de solução conciliatória (inciso III); ou decisão condenatória recorrível (inciso IV).
Note-se que, uma vez a Administração tendo saído da inércia e iniciado a apuração dos fatos, essa apuração deve ter uma conclusão e nova etapa da persecução do direito do credor (no caso, a Infraero) deve ser providenciada. Essa nova etapa seria, usualmente, a notificação do responsável para que corrigisse a irregularidade ou restituísse os valores eventualmente identificados como dano ao erário.
O Direito não protege a infinita ou a alargada persecução temporal na tentativa de apurar conclusivamente os fatos e efetuar um juízo de imputação ao polo passivo do procedimento administrativo. Iniciada a apuração, essa também se sujeita ao prazo prescricional ordinário de cinco anos ou ao prazo da prescrição intercorrente de três anos, em caso de paralisação do processo. Esse fenômeno é típico do direito sancionador, sendo que toda pretensão do Estado em punir o administrado ou cobrar o que lhe é devido está sujeita ao escoamento dos prazos fixados em lei, caso não aja a tempo ou não conclua nesse mesmo tempo as providências iniciadas com essa finalidade. Assim, não se mostra consentâneo com o Direito pátrio um processo que, uma vez iniciado com a apuração dos fatos, continue nessa fase de apuração indefinidamente ou que, por uma excessiva quantidade de anos, extrapole o prazo prescricional fixado em lei. Os processos devem caminhar para a sua conclusão, sendo que, nos termos da Resolução-TCU nº 344/2022, estão sujeitos à prescrição após o início da fase investigativa e caso não prossigam, no tempo devido, com o chamamento do responsável para que se defenda ou recolha os valores devidos. Ou, ainda, caso não tenham um desfecho tempestivo, após esse chamamento, com a prolação de uma decisão. Estão, portanto, perfeitamente delineadas as fases processuais, todas elas sujeitas ao escoamento do prazo prescricional de cinco anos: fase de apuração, fase do contraditório (ou conciliação) e fase decisória.
Observo que, no caso do presente processo, ainda na fase interna de apuração das irregularidades e de identificação do responsável, a Administração deixou escoar o prazo prescricional de cinco anos, que foi interrompido em 16/1/2014, quando começou a apurar os fatos. Ocorre que, depois de iniciar a apuração dos fatos, somente concluiu essa etapa em agosto de 2019, mês em que promoveu a primeira notificação dos responsáveis (omissis), ou seja, decorridos mais de cinco anos. Extrapolou, portanto, o prazo da prescrição principal, após tê-la interrompido.
Ou seja, embora reconheça a possibilidade de a prescrição ser interrompida mais de uma vez, seja na fase interna ou externa, pressupõe que o seja por uma causa de natureza distinta.
Embora se trate de uma discussão relativamente nova, sem muitos precedentes, em recente decisão do STF, de lavra do Ministro Cristiano Zanin, sobreveio o entendimento de que de que marcos interruptivos de idêntica natureza não têm o condão de interromper a prescrição. Fala-se do MS 34705 AgR, assim ementado:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVOS REGIMENTAIS EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONDENAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO EM TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. OBSERVÂNCIA DA LEI FEDERAL N. 9.873/1999. REFORMA PONTUAL DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. AGRAVO DOS IMPETRANTES PROVIDO. I – O exercício das pretensões de ressarcimento e punitivas pelo Tribunal de Contas da União está sujeito aos efeitos fulminantes da passagem de tempo, de acordo com o prazo e os marcos interruptivos previstos na Lei federal n. 9.873/1999, conforme firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. II – Inexistência, no caso concreto, de marco temporal apto a interromper a prescrição antes do fim do prazo de cinco anos, contado da prática do ato. Atos apontados pela União e praticados na fase de controle interno que não traduzem medida inequívoca de apuração de condutas individualmente descritas, imputadas à pessoa investigada e que, posteriormente, tenham coincidido com o objeto de procedimento instaurado no âmbito do Tribunal de Contas União. III – Decurso de quase treze anos entre o primeiro marco interruptivo apontado pela União e a conclusão da fase interna da tomada de contas especial. Afastamento da prescrição que só seria possível com a múltipla incidência de marcos interruptivos de mesma natureza, o que é inviável, sob pena de se chancelar a perpetuação da imprescritibilidade. IV- Recurso da União a que se nega provimento. Recurso dos impetrantes provido para declarar a prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário exercida pelo TCU no âmbito da Tomada de Contas Especial n. 018.801/2014-5.
(MS 34705 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 29-04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-04-2024 PUBLIC 02-05-2024)
A possibilidade de interrupção da prescrição mais de uma vez, desde que por motivos distintos e de natureza diversa, parece adequada em um contexto que busca preservar a segurança jurídica e a proteção da confiança tanto para o erário quanto para o jurisdicionado. Ao mesmo tempo em que resguarda o direito do Estado de investigar irregularidades de forma eficaz e tempestiva, essa abordagem impede a perpetuação indefinida dos processos, evitando que o jurisdicionado seja submetido a uma incerteza comparável àquela simbolizada pelo conto grego mencionado no início.
É inegável que o debate sobre a prescrição no âmbito do Tribunal de Contas da União tem avançado consideravelmente desde a decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 899. O reconhecimento do prazo quinquenal estabelecido pela Lei nº 9.873/1999 representou um importante progresso na limitação temporal da pretensão punitiva e ressarcitória da Corte de Contas. Contudo, questões como o termo inicial da prescrição e o número de vezes em que esta pode ser interrompida continuam a gerar divergências, tanto no TCU quanto no STF.
Decisões recentes, inclusive do próprio TCU, têm apontado para uma tendência de maior individualização das condutas e limitação das interrupções da prescrição a eventos específicos e inequívocos, que refutam a prática de interrupções indiscriminadas. Esse movimento contribui para a garantia da segurança jurídica e previsibilidade, evitando que os jurisdicionados sejam mantidos em um estado indefinido de incerteza processual.
Em conclusão, a interpretação da prescrição no âmbito do TCU ainda está em desenvolvimento, com a necessidade de um equilíbrio entre a proteção do erário e a salvaguarda dos direitos dos administrados. A evolução jurisprudencial e normativa, especialmente no que se refere às causas interruptivas da prescrição, sinaliza a adoção de critérios mais rigorosos e delimitados, como forma de assegurar a celeridade processual e a justiça nas apurações de responsabilidade perante o Tribunal de Contas da União.
______
1 É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas.
2 Art. 8° Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pela União, na forma prevista no inciso VII do art. 5° desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração da tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano.
§ 1° Não atendido o disposto no caput deste artigo, o Tribunal determinará a instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa decisão.
§ 2° A tomada de contas especial prevista no caput deste artigo e em seu § 1° será, desde logo, encaminhada ao Tribunal de Contas da União para julgamento, se o dano causado ao Erário for de valor igual ou superior à quantia para esse efeito fixada pelo Tribunal em cada ano civil, na forma estabelecida no seu Regimento Interno.
§ 3° Se o dano for de valor inferior à quantia referida no parágrafo anterior, a tomada de contas especial será anexada ao processo da respectiva tomada ou prestação de contas anual do administrador ou ordenador de despesa, para julgamento em conjunto.
3 A tomada de contas especial é medida de exceção; somente deve ser instaurada quando esgotadas as medidas administrativas internas sem a obtenção do ressarcimento pretendido. Acórdão 4796/2014-Primeira Câmara | Relator: WEDER DE OLIVEIRA
4 “A responsabilidade dos jurisdicionados perante o TCU é de natureza subjetiva, caracterizada mediante a presença de culpa em sentido estrito, sendo desnecessária a caracterização de conduta dolosa ou má-fé do gestor para que ele seja obrigado a ressarcir os prejuízos que tenha causado ao erário”. Acórdão 2037/2022-Primeira Câmara | Relator: VITAL DO RÊGO
5 Não caracteriza marco interruptivo da prescrição das pretensões punitiva e ressarcitória do TCU ato de investigação dos fatos que não contém medidas inequívocas de apuração de condutas individualmente descritas e imputadas ao responsável. Acórdão 763/2024-Segunda Câmara | Relator: MARCOS BEMQUERER
Quando a irregularidade investigada na fase interna da tomada de contas especial não guardar a devida identidade com a irregularidade pela qual o responsável foi citado no âmbito do TCU, os atos de apuração ocorridos durante a fase interna não podem ser considerados como interruptivos da contagem da prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória do Tribunal. A interrupção da prescrição por ato inequívoco que importe apuração do fato exige identidade entre as irregularidades investigadas e aquelas que futuramente venham a justificar o exercício da pretensão punitiva ou ressarcitória. Acórdão 4203/2024-Segunda Câmara | Relator: AROLDO CEDRAZ
6 Art. 5º A prescrição se interrompe:
[...]
§ 5º A interrupção da prescrição em razão dos atos previstos no inciso I tem efeitos somente em relação aos responsáveis destinatários das respectivas comunicações.
7 Art. 4o Ressalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição operará em dois anos, a partir dessa data.
8 Art. 5º A prescrição se interrompe:
[...]
§ 1° A prescrição pode se interromper mais de uma vez por causas distintas ou por uma mesma causa desde que, por sua natureza, essa causa seja repetível no curso do processo.
9 Prescrição Administrativa na Lei nº 9.873, de 23.11.1999: entre Simplicidade Normativa e Complexidade Interpretativa. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, n. 8, p. 898-910, ago. 2005.