O STJ no julgamento do Tema Repetitivo 1245 reconheceu ser admissível o ajuizamento de Ação Rescisória para aplicação da modulação de efeitos, mas o tema ainda pode ser revertido no STF
Em março de 2017, STF, no julgamento do Tema de Repercussão Geral 69, definiu a tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins ”.
Quatro anos após a definição da referida tese, dentro dos autos do processo Tema de Repercussão Geral, foram julgados os Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Nacional, ocasião na qual restou consignado que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins seria aquele destacado na Nota Fiscal, bem como que os efeitos da decisão seriam modulados para se dar a partir de 15/3/17, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocolizadas até a data da sessão de julgamento.
Em outras palavras, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins se aplicaria a todos os contribuintes a partir de 15/3/17, ressalvados aqueles que já possuíam ações judiciais ou administrativas protocoladas antes de tal data, aos quais seria garantido o direito de reaver os valores pagos indevidamente a este título a partir dos 5 (cinco) anos que antecederam a propositura da medida judicial ou administrativa.
Ocorre que, em data posterior ao dia 15/3/17, diversos contribuintes ajuizaram medidas judiciais – nas quais foi reconhecido o direito de reaver os valores pagos indevidamente –, cujo deslinde definitivo se deu em momento anterior ao do julgamento dos Embargos Declaratórios no Tema de Repercussão Geral 69, que decidiu, em 13/5/21, sobre a modulação dos efeitos da tese ali firmada.
Ante a este cenário, surgiram incertezas e inseguranças quanto ao direito reconhecido a estes contribuintes que propuseram medida judicial após 15/3/17, mas que já possuíam decisões transitadas em julgado autorizando-os a reaver os valores pagos indevidamente a partir de 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento do feito.
A referida insegurança tornou-se de fato palpável quando a Fazenda Nacional passou a promover o ajuizamento de Ações Rescisórias em face de tais contribuintes, buscando desconstituir os Acórdãos rescindendos, a fim de que se aplicasse a modulação de efeitos a estes casos, restringindo o direito a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins apenas para os fatos geradores posteriores a 15/3/17.
Ocorre que a própria aplicação da modulação de efeitos firmada no Tema de Repercussão Geral 69 pelo STF aos casos em análise ainda é controvertida, não havendo, até o momento, um posicionamento pacificado sobre o tema.
Por um lado, a Fazenda Nacional alega que devem ser desconstituídos os Acórdãos rescindendos sobre o fundamento de que, com base no art. 966 do CPC, teria ocorrido uma violação à norma jurídica decorrente do Acórdão proferido no RE 574.706/PR, uma vez que os Acórdãos rescindendos estariam em desconformidade com o Tema de Repercussão Geral.
Neste ponto, vale mencionar que o órgão fazendário entende que a decisão proferida nos Embargos de Declaração opostos no âmbito do RE nº 574.706/PR, seria meramente integrativa da decisão anterior, ou seja, a decisão proferida em Embargos de Declaração se aderiria em seus fundamentos à decisão embargada, tornando-os um único julgado.
Com base nesta lógica, o julgamento dos Embargos Declaratórios não teria trazido uma mudança de entendimento, mas apenas uma complementação ao Acórdão proferido no RE nº 574.706/PR e, com isso, os Acórdãos rescindendos estariam em desconformidade com o precedente do STF, por não terem abrangido a modulação de efeitos ali prevista, o que possibilitaria o ajuizamento de Ações Rescisórias pela Fazenda Nacional.
Por sua vez, os contribuintes afirmam que as Ações Rescisórias não seriam cabíveis no cenário em análise, pelos seguintes argumentos:
- as Ações Rescisórias, no caso concreto, não se amoldariam a nenhuma das hipóteses legais que autorizam a sua apresentação, uma vez que os Acórdãos rescindendos não teriam incorrido em quaisquer das violações previstas no art. 966 do CPC, eis que a modulação de efeitos não teria alterado o mérito da tese fixada pelo STF, bem como não trouxe qualquer modificação na orientação jurisprudencial;
- tendo sido publicado o Acórdão do RE nº 574.706/PR, sob o regime de repercussão geral, os processos que versaram sobre a mesma matéria deveriam ser julgados em conformidade com a tese firmada pela Corte Suprema, nos termos do art. 1.040 do CPC, havendo, inclusive, diversas decisões à época, entendendo pela aplicação imediata da tese do Tema de Repercussão Geral nº 69, sem que se aguardasse o julgamento dos Embargos de Declaração fazendários;
- no Tema de Repercussão Geral nº 136 do STF foi firmada a tese de que “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente”, o que se amoldaria ao caso em tela;
- decisões de mérito favoráveis nas Ações Rescisórias implicariam a violação aos princípios da coisa julgada e da segurança jurídica, previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, do art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942) e do art. 502 do CPC.
No julgamento, finalizado em 11/09/2024, dos Recursos Especiais nºs 2.066.696 e 2.054.759, afetado pela sistemática dos Recursos Repetitivos pelo STJ1 (Tema Repetitivo nº 1245), os Ministros, por maioria, fixaram a seguinte tese: “Nos termos do art. 535, §8º do CPC, é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/05/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69 da repercussão geral do STF”.
Em outras palavras, neste julgamento prevaleceu, por maioria, o entendimento fazendário, no sentido de ser cabível a ação rescisória que busca aplicar a modulação de efeitos adotada no Tema de Repercussão Geral nº 69 aos casos que transitaram em julgado antes de 13/05/2021.
A despeito dos argumentos adotados pelos Ministros, não mostra razoável que o contribuinte seja lesado na situação analisada – devendo, eventualmente, ter de ressarcir a Fazenda Nacional em relação aos valores que já tenha compensado com base em crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado –, sendo que, à época em que foi julgado o seu respectivo processo judicial, o entendimento jurisprudencial, frise-se, emanado pela Suprema Corte em sede de repercussão geral, lhe era favorável e não havia qualquer impeditivo (ex. suspensão pelo STF dos processos que tratavam sobre o tema) ao direito que lhe fora concedido, tornando-o um fato jurídico perfeito.
Apesar de o julgamento do tema ter sido realizado pelo STJ pela sistemática dos recursos repetitivos, que seria vinculante a todos os contribuintes, provavelmente o tema ainda será revisto pelo STF, conforme sinalizado pela Corte Suprema.
Nessa seara, cumpre mencionar que nas poucas decisões proferidas sobre o tema pelo STF, o assunto foi decidido de forma favorável ao contribuinte, entendendo pelo descabimento das Ações Rescisórias fazendárias2, o que traz um pouco de esperança de reversão do entendimento adotado pelo STJ.
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1 PROPOSTA DE AFETAÇÃO COMO REPETITIVO. RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ADMISSIBILIDADE PARA ADEQUAÇÃO DE JULGADOS À MODULAÇÃO ESTABELECIDA NO TEMA N. 69 DA REPERCUSSÃO GERAL DO STF. CONTRIBUIÇÕES AO PIS/PASEP E Cofins . ICMS NA BASE DE CÁLCULO.
2 STF, RE 1.468.946/RS, Relator: Ministro Luiz Fux, Decisão Monocrática, Publicação 29/02/2024. Destaco a seguir trecho da decisão proferida pelo Ministro Relator: “(...) ocorre que o acórdão rescindendo transitou em julgado em 25/2/2021, antes, portanto, do julgamento dos embargos de declaração no RE 574.059, que fixou a modulação temporal de efeitos relativa à aplicação da tese do Tema 69 de Repercussão Geral. É dizer, o acórdão rescindendo, à época de sua formalização, estava em harmonia com o entendimento do Plenário desta Corte relativo ao referido tema de repercussão geral, o que inviabiliza sua rescisão (...)”.
STJ, AgInt no REsp 2060442, Relator: Ministro Herman Benjamin, Decisão Monocrática, Publicação 21/09/2023. Destaco a seguir trecho da decisão proferida pelo Ministro Relator: “(...) a questão acerca da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins somente restou pacificada com o julgamento do RE 574.706/PR, pelo Supremo Tribunal Federal, sob o regime da Repercussão Geral (controle difuso de constitucionalidade, e não concentrado), não se enquadrando na exceção prevista pelo STF a justificar o cabimento da Ação Rescisória, porquanto, ressalta-se, não submetida ao controle concentrado de constitucionalidade (...)”.
3 Delimitação da questão de direito controvertida como sendo:"admissibilidade de ação rescisória para adequar julgado à modulação de efeitos estabelecida no Tema n. 69 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal".
4 Multiplicidade efetiva ou potencial de processos com idêntica questão de direito demonstrada pelo despacho do Ministro Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e demais informações constantes dos autos dos processos repetitivos.
5 Determinação ad cautelam para a suspensão do julgamento de todos os processos em primeira e segunda instâncias envolvendo a matéria, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (art. 1.037, II, do CPC/2015).
6 Recurso especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos, estando em afetação conjunta os recursos REsp. n. 2.054.759/RS e REsp. n. 2.066.696/RS. (ProAfR no REsp n. 2.054.759/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 19/3/2024, DJe de 10/4/2024.)