A matéria de responsabilidade civil sempre tem sido de grande relevância na ordem jurídica.
Enfim, estamos tratando ali de algo substancial nas relações humanas e sociais: como e até quando alguém - pessoa física ou jurídica - e adstrito a compensar outro alguém por atos ou omissões de sua parte.
No primeiro plano, até por sua frequência maior, está a chamada responsabilidade por culpa, na ocorrência de atos ou omissões dolosos ou culposos, neste último caso se demandando o concurso de imprudência ou imperícia.
Em um segundo plano, a mais moderna contingencia da responsabilidade chamada objetiva, aquela que prescinde de dolo ou culpa.
Na ação ou omissão gravosa, devendo se encontrar aí o desdobramento responsabilizatório de atividades tidas por expressão legal como de risco, cujos eventuais rescaldos danosos a terceiros decorrem do exercício daquelas atividades.
Essa e a chamada responsabilidade objetiva, tratada pontualmente em várias hipóteses discriminadas em lei, e ainda proclamada na clausula geral do art. 927 parágrafo único do código civil tipificando as hipóteses “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza risco para os direitos de outrem”.
A doutrina houve por discorrer mais modernamente sobre um tipo de chamada responsabilizadora que pode derivar do exercício de atos puramente lícitos.
Estamos aí no campo onde o direito considera a existência de um ato de efeito danoso cuja prática não envolve infração a lei nem necessariamente derive de atividades tidas como de risco, mas que há de ser fonte de indenização por que vem a causar prejuízo desproporcional ou desarrazoado a alguém.
Tal reconhecimento dessa via responsabilizadora não é recente e o sempre clássico Pontes de Miranda (Tratado de Direito privado l iii, págs. 143/144) já ensinava; “a licitude existiu a despeito do dano e a lei estatui que seja indenizado”.
Mais modernamente Rui Stocco (“Responsabilidade Civil por Atos Lícitos”, obra coletiva “Responsabilidade Civil”, SP, Revista dos Tribunais, RT 2010, vol. 1 pág. 610), falava em “busca de um equilíbrio para que um patrimônio não cresça em detrimento de outro”.
Os fundamentos doutrinários mais elaborados falam então em busca do básico princípio da equidade que deve permear as relações humanas e sociais.
Podemos observar várias hipóteses onde se cuida de ressarcimento responsabilizador perante terceiros, mesmo se tratando de atos lícitos, praticados sob abrigo da lei.
Na verdade, na lei civil posta pode se pinçar disposições que albergam tal responsabilidade por ato licito, como no art. 1285 que trata da passagem formada de uma propriedade vizinha a outra, ou no art. 1313 cuidando esse também de vizinhança e da passagem forçada que há de ocorrer em certas hipóteses.
O que se absorve daí em termos de princípios e valores jurídicos é a constatação de que ainda que no uso licito de sua propriedade alguém pode causar danos relevantes a terceiros, como em geral na hipótese de obras legalmente licenciadas, mas cuja execução provoque ruídos excessivos, fumaças nocivas etc.
O próprio poder público no exercício legal e legítimo de suas atividades em obras públicas, pode acarretar danos a propriedades vizinhas.E por tais danos há de responder
A própria via legal e constitucional da desapropriação consagra o poder estatal naquelas hipóteses, mas decerto ressalvando a obrigação indenizatória por parte do estado.
Há um acórdão do STF de 18/2/92, no RE 113.587 pela 2ª turma, onde o relator ministro Carlos Velloso fixa o preceito:
“a consideração no sentido da licitude da ação administrativa e irrelevante, pois o que interessa é isto; sofrendo o particular um prejuízo em razão da ação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais."